Além de estar condenado à prisão pelo Supremo Tribunal Federal (STF) por tentativa de golpe, Jair Bolsonaro (PL) enfrenta um quadro de saúde frágil que também sugere limites à sua atuação na disputa eleitoral de 2026. As idas frequentes ao hospital desafiam a imagem de resistência cultivada por aliados, mas ajudarão em um futuro pedido da defesa para que ele siga em prisão domiciliar.
Após grave mal-estar, Bolsonaro deixou sua residência em Brasília na tarde desta terça-feira (16) para ser internado no hospital DF Star, em Brasília, onde passou a noite e a manhã desta quarta-feira (17) em observação, tendo alta no início da tarde. Ele apresentou crise de soluço, vômito e pressão baixa. O senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) disse que o pai chegou a ficar 10 segundos sem respirar, atribuindo a piora à pressão psicológica desde o julgamento. No domingo (14), ele já havia estado no mesmo hospital para tratar de lesões de pele e fazer exames.
O senador Magno Malta (PL-ES), os deputados Evair de Melo (PP-ES) e Hélio Lopes (PL-RJ), entre outros aliados, também creditaram o estado de saúde de Bolsonaro ao “linchamento no STF”. O vereador Carlos Bolsonaro (PL-RJ) alertou nos últimos dias sobre a crescente fragilidade do pai, com anemia, pneumonia residual, crises de soluço e suspeitas de nova hérnia abdominal e de câncer de pele.
Em transmissão ao vivo ao lado de Magno Malta, Carlos descreveu sintomas recorrentes do ex-presidente, comentou os primeiros resultados de exames e pediu orações ao público. Segundo ele, o pai tem tido dificuldade para se alimentar, enfrenta deficiência de ferro, além dos seguidos vômitos e crises de soluço. “Não sei como ele consegue lidar com isso, é agoniante”, disse.
Defesa quer prisão domiciliar de Bolsonaro mantida por razão humanitária
Desde a facada na barriga em 2018, Bolsonaro, agora com 70 anos, já foi submetido a sete cirurgias ligadas ao atentado e outras quatro por problemas diferentes. O seu estado clínico atual levanta dúvidas sobre as condições para o cumprimento da pena em regime fechado e ainda reforça o debate dentro da direita sobre os próximos passos desse campo político.
Advogados de Bolsonaro já esboçam argumentos para pedir a continuidade da prisão domiciliar, como alternativa ao iminente encarceramento em presídio comum ou em sala especial do Exército ou da Polícia Federal –, com base na concessão já dada pelo STF ao também ex-presidente Fernando Collor, que indicou vulnerabilidade clínica como justificativa humanitária.
O debate sobre o destino de Bolsonaro após a fase de recursos induz a uma dúvida sobre até que ponto o ex-presidente suportaria, em 2026, a campanha para voltar ao Palácio do Planalto, caso consiga reverter sua condenação à prisão e sua inelegibilidade, esticada para 2060. A chance de o STF mandá-lo ao presídio da Papuda, em Brasília, é vista até como chantagem contra os Estados Unidos, que pressionam o Brasil com sanções contra a perseguição política a Bolsonaro.
Para o cientista político Ismael Almeida, o quadro de saúde de Bolsonaro, ao menos por enquanto, não representa um fator de insegurança para o seu eleitorado mais fiel. “O que prevalecerá mesmo é a percepção de que o ex-presidente terá um papel único e relevante em 2026, mesmo que apenas como influenciador do processo eleitoral, sem disputar diretamente”, diz.
Debilidade física de Bolsonaro condicionam sua atuação no jogo eleitoral
Entre o desejo de Bolsonaro e sua família de influir no jogo eleitoral de 2026, direta ou indiretamente, e a realidade de um organismo abalado, reside um paradoxo: a sua atuação depende não só de reviravoltas na Justiça, mas também da vitalidade que a saúde insiste em lhe negar.
Bolsonaro já havia enfrentado episódios semelhantes. Em julho de 2021, apresentou soluços persistentes e foi internado após diagnóstico de obstrução intestinal parcial. As crises de soluços, vômitos e a anemia recente projetam uma rotina em que o descanso se imporia sobre a agenda política, já bloqueada pela prisão domiciliar. Antes mesmo disso, ele já estava sendo forçado a fazer cancelamentos e restrições de deslocamento.
Por sete anos, Bolsonaro sente o peso do corpo debilitado. A última cirurgia revelou danos que ainda levam a obstruções recorrentes, aderências e até pneumonia por broncoaspiração. Para amigos e familiares, medidas como contatos bloqueados e cerco policial à residência trouxeram pioras.
Flávio Bolsonaro pediu até “trégua” ao ministro Alexandre de Moraes, relator do processo do pai no STF, que estaria fazendo terrorismo com a saúde dele. Ele lembrou que até mesmo uma intimação foi entregue ao ex-presidente quando convalescia na Unidade de Tratamento Intensiva (UTI).
O atentado que sofreu em 6 de setembro de 2018, durante agenda de campanha em Juiz de Fora (MG), é um marco de sua trajetória. O agressor, Adélio Bispo de Oliveira, preso em flagrante, foi absolvido em 2019, após ser considerado doente mental.
Especialistas veem risco de crise de liderança em meio à turbulência política
O quadro de saúde do ex-presidente se mistura com o peso político da condenação pela Primeira Turma do STF, que lhe impôs 27 anos e três meses de prisão. A insistência dele e de seus aliados em manter o discurso de candidato à Presidência, apesar da inelegibilidade, esbarra não apenas nos limites jurídicos, mas na capacidade física de sustentar uma campanha.
Para o cientista político Paulo Kramer, a situação judicial de Bolsonaro ainda é o fato que mais prejudica a influência do ex-presidente no jogo político, como na luta pela anistia, fomentando uma crise de liderança na direita. “Quanto mais o tempo passa, mais as pessoas se conformam com o fato de que ele ficará preso e, portanto, impedido de concorrer em 2026”, observa.
Em paralelo à disputa ideológica que divide o Brasil e enquanto esquerda e direita se articulam para a próxima batalha nas urnas, Leonardo Barreto, diretor da consultoria Think Policy, enxerga sinais de ressurgimento de um fenômeno político marcado pela revelação de grandes escândalos, lembrando o ciclo criado pela Operação Lava Jato.
Segundo ele, parte da classe política volta a tratar a derrota dos adversários como objetivo central de sucessivas denúncias, esquecendo que os efeitos colaterais podem atingir todos os lados. O risco, aponta, é priorizar o barulho do escândalo em detrimento da apuração efetiva, num momento em que o calendário eleitoral já avança.
Barreto avalia que a lógica encontra terreno fértil em três frentes atuais: a CPMI do INSS, impulsionada pela direita; as investigações da Polícia Federal sobre vínculos entre o PCC e corretoras financeiras e as apurações do STF sobre desvios de emendas PIX destinadas a municípios, de interesse claro do governo.
Fonte: Gazeta
