Nomes de peso no Congresso, alvos de investigações por desvios de emendas parlamentares, mas também por postagens nas redes sociais, podem ser beneficiados pela PEC da Imunidade, aprovada nesta terça-feira (16) pela Câmara. Se for aprovada no Senado e promulgada, a proposta vai dificultar a punição criminal de deputados e senadores no Supremo Tribunal Federal (STF).
O texto, apelidado de “PEC da Blindagem”, exige que a abertura de qualquer ação penal contra um parlamentar pelo STF seja previamente autorizada pela Câmara ou pelo Senado. Na prática, a Polícia Federal poderá investigar e a Procuradoria-Geral da República poderá denunciar, mas, se o Legislativo impedir a abertura da ação penal, o STF ficaria de mãos amarradas para levar o processo adiante e julgar o parlamentar.
O mecanismo pode beneficiar diretamente parlamentares já investigados no STF. Entre eles, estão Eduardo Bolsonaro (PL-SP), filho do ex-presidente Jair Bolsonaro; Elmar Nascimento (União-BA), Júnior Mano (PSB-CE) e o líder do governo, José Guimarães (PT-CE).
A proposta estabelece que:
- deputados e senadores só podem responder a ações penais no STF com autorização da Câmara ou do Senado;
- cada Casa terá até 90 dias para deliberar;
- a prescrição ficará suspensa enquanto durar o mandato caso a licença seja negada;
- os parlamentares não podem ser presos, salvo em flagrante de crime inafiançável;
- presidentes nacionais de partidos com representação no Congresso também passam a ter foro por prerrogativa de função.
Inicialmente, o texto previa a necessidade de aval até mesmo para abertura de investigações, o que foi considerado uma blindagem absoluta. A versão aprovada recuou nesse ponto, mas manteve a exigência para a abertura de ações penais.
Parlamentares da oposição defendem a PEC como uma forma de barrar “condenações injustas” como a do ex-deputado Daniel Silveira, preso por ameaças a ofensas contra ministros do STF nas redes sociais. Segundo o deputado Filipe Martins (PL-PR), a proposta “evita chantagens e pressões indevidas de outros poderes aos deputados e senadores”.
Durante a votação no plenário, o deputado Gilvan da Federal (PL-ES) ressaltou que a PEC é uma garantia para respeitar a imunidade parlamentar. Ele está sob investigação da Polícia Federal (PF) e da Procuradoria-Geral da República (PGR) por declarações dadas no exercício de seu mandato. O inquérito surgiu de notícia-crime apresentada ao STF pela Advocacia-Geral da União (AGU), vinculada ao governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
“Queremos que o artigo 53 da Constituição Federal seja respeitado e que deputados tenham o direito à sua liberdade e imunidade parlamentar sem ter medo de falar o que pensam! Não vão nos calar!”, disse o deputado.
As declarações do deputado que motivaram a ação foram feitas durante uma sessão da Câmara dos Deputados, onde ele desejou a morte de Lula e criticou a segurança presidencial. O caso ganhou repercussão e levou o Conselho de Ética da Câmara a suspender o mandato do deputado por três meses.
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Direita aposta em beneficiar alvos censurados pelo STF
Se a PEC já estivesse em vigor, algumas investigações contra parlamentares poderiam ser travadas ou inviabilizadas, a depender da análise no Legislativo.
Um levantamento feito por advogados da Câmara dos Deputados e divulgado pela Gazeta do Povo, em julho deste ano, mostra que 83% dos inquéritos e processos que atualmente tramitam no STF miram parlamentares alinhados à direita. Ao todo, 34 deputados são alvos de processos – sendo 26 deles da direita, três de centro e cinco que figuram no campo da esquerda.
Nos inquéritos e processos que tramitam no STF contra deputados, o alvo principal é Eduardo Bolsonaro (PL-SP). O filho do ex-presidente é réu em uma ação penal em andamento por uma publicação nas redes sociais contra Tabata Amaral (PSB-SP).
O parlamentar também é alvo de um inquérito conduzido por Alexandre de Moraes por pressionar autoridades americanas a sancionar ministros do STF. Em março deste ano, Eduardo anunciou seu licenciamento do mandato de deputado e permanece desde então nos Estados Unidos denunciando atos de Alexandre de Moraes.
Outros deputados de direita que acumulam processos ou inquéritos no STF são Carla Zambelli (PL-SP), Gustavo Gayer (PL-GO), Ricardo Salles (Novo-SP), General Pazuello (PL-RJ) e João Carlos Bacelar (PL-BA) – todos apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro.
Veja quais seriam beneficiados por declarações em redes sociais:
- Eduardo Bolsonaro (PL-SP): Réu em ação penal por publicação contra Tabata Amaral (PSB-SP) e alvo de inquérito conduzido por Alexandre de Moraes por incitação contra o STF em articulação com autoridades estrangeiras.
- Carla Zambelli (PL-SP): alvo de diversos processos no STF, com algumas condenações já proferidas. Os casos em andamento e as condenações recentes envolvem crimes como invasão de sistema e porte ilegal de arma, além de outras investigações.
- André Fernandes (PL-CE): O deputado é investigado no inquérito dos atos antidemocráticos por postagens em redes sociais que, de acordo com as investigações, teriam incitado os ataques de 8 de janeiro de 2023.
- Clarissa Tércio (PP-PE): Assim como André Fernandes, ela também é investigada no mesmo inquérito. A parlamentar é acusada de postar vídeos e mensagens que teriam incentivado a violência e a depredação contra as sedes dos Três Poderes.
- Sílvia Waiãpi (PL-AP): Ela é outro nome que faz parte do inquérito dos atos antidemocráticos. A investigação apura se a deputada teria cometido crimes ao incitar a violência e o vandalismo contra as instituições.
- Gustavo Gayer (PL-GO): É alvo de inquéritos por postagens em rede social reputada difamatória e injuriosa. A maioria das petições foram apresentadas por parlamentares petistas.
Na votação, o deputado Gayer ressaltou que a PEC é “do fim da chantagem e do fim da perseguição”. “É a PEC da libertação desse Congresso para que a gente possa votar de acordo com os nossos eleitores e não de acordo com a vontade de alguns não eleitos do Supremo Tribunal Federal”, declarou.
Parlamentares investigados por suposto desvio de emendas e corrupção
Parlamentares investigados por por supostos desvios de emendas – recursos federais que congressistas podem destinar a seus redutos eleitorais – ou corrupção também podem ser beneficiados. Os ministros do STF conduzem uma série de inquéritos relacionados ao assunto, que afetam principalmente parlamentares do Centrão.
Veja quais podem ser beneficiados:
- Elmar Nascimento (União-BA) – Investigado por supostos desvios de emendas parlamentares; envolvimento na Operação Overclean que apura contratos da Codevasf com a Prefeitura de Campo Formoso, sede de sua base política. O deputado nega a participação dele no esquema. Em nota, a defesa diz que os indícios são “tão frágeis que, após meses de investigações e vazamentos seletivos à imprensa, a PGR se manifestou contra qualquer diligência contra ele”.
- André Janones (Avante-MG): aparece em orocesso criminal por prática de “rachadinha” – devolução de parte dos salários pagos a assessores do seu gabinete. Para evitar denúncia formal ou eventual prisão, o deputado confessou o crime e fez um acordo com a PGR para devolver R$ 131,5 mil e encerrar a investigação.
- Júnior Mano (PSB-CE) – Investigado por supostos desvios de emendas via municípios do Ceará; processo foi enviado ao STF após indícios de participação significativa. A ação penal no STF dependeria de autorização da Casa Legislativa. Em nota, o deputado nega ter “qualquer participação em processos licitatórios, ordenação de despesas ou fiscalização de contratos administrativos”.
- Josimar Maranhãozinho (PL-MA), Pastor Gil (PL-MA) e Bosco Costa (PL-SE) – Denunciados pela Procuradoria-Geral da República (PGR) por corrupção passiva e organização criminosa em esquema de emendas parlamentares. Os três negam as acusações.
- Afonso Motta (PDT-RS), Félix Mendonça (PDT-BA), José Guimarães (PT-CE), Eunício Oliveira (MDB-CE) e Yuri do Paredão (MDB-CE) – Citados em apurações sobre desvios de verbas federais. Os envolvidos vem negando qualquer envolvimento com irregularidades.
- João Carlos Bacelar (PL-BA): Denunciado por supostas fraudes licitatórias com recursos de emendas parlamentares no período de 2007 a 2011. Ele também nega as acusações.
Na avaliação do deputado Kim Kataguiri (União-SP), a aprovação da PEC é pedir para o crime organizado disputar cadeiras e vencer eleições para escapar de condenações. Ele afirmou que a proposta não reage a abusos do STF, mas cria abusos do Parlamento para blindar a corrupção. “Durante o período da Constituição de 1988, quando o texto que querem aprovar agora estava em vigor, nenhuma investigação foi autorizada”, disse.
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PEC da Imunidade é um freio ao poder do STF, diz advogado
A mudança prevista na PEC aumenta o poder das Casas Legislativas sobre o destino judicial de seus membros. Críticos da proposta afirmam que a medida pode transformar a autorização em um instrumento de barganha política, blindando parlamentares contra investigações sensíveis.
Por outro lado, o advogado e professor André Marsiglia faz uma leitura diferente. Para ele, o texto aprovado “não é nem da blindagem nem da imunidade”. Segundo ele, a proposta “não cria imunidades, não restringe o foro privilegiado e até o amplia, ao estendê-lo a presidentes de partidos”.
Marsiglia ressalta que o ponto positivo está na exigência de aval do Legislativo para que parlamentares sejam processados criminalmente: “É um freio ao poder do STF de avançar sobre o Legislativo, criando ‘crimes de fala’ inexistentes para constrangê-los.”
Apesar disso, ele lembra que o texto ainda precisa passar pelo Senado e poderá ser alvo de questionamentos no próprio Supremo: “Mesmo assim, já há partidos dispostos a acionar o STF para declarar a PEC inconstitucional, como de costume.”
A proposta agora seguirá para análise do Senado. Se também for aprovada, passará a alterar diretamente a forma como parlamentares são processados no STF.
Presidente da Câmara defende PEC da Imunidade contra “abusos” do STF
Antes da votação, o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), afirmou que a proposta não cria privilégios novos, mas restabelece garantias previstas na Constituição de 1988 e posteriormente alteradas.
“O relatório do deputado Claudio Cajado nada mais é do que o retorno ao texto constitucional de 1988. (…) É um texto sem novidades, sem ‘invencionismos’. É um texto que garante, na minha avaliação, o fortalecimento do mandato parlamentar de cada um que está nesta Casa”, disse Motta no plenário.
O deputado negou que se trate de uma medida de governo ou de oposição, mas de uma decisão da Câmara em torno da autonomia dos mandatos. “Esta não é uma pauta do PT ou do PL, da direita ou da esquerda. Trata-se de uma decisão que esta Casa terá que tomar no dia de hoje”, completou.
Para o presidente da Câmara, a proposta responde a “abusos” que teriam ocorrido contra parlamentares em decisões judiciais. “Muitos deputados têm reclamado de atropelos às prerrogativas parlamentares. Esta é a oportunidade que o plenário tem de decidir se quer retomar o texto constitucional, visando ao fortalecimento dos mandatos, ou não.”
Fonte: Gazeta