A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) formou maioria nesta quinta (11) para condenar o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) por uma suposta tentativa de golpe de Estado após as eleições de 2022. O voto decisivo foi da ministra Cármen Lúcia, que afirmou reconhecer a liderança de Bolsonaro no alegado plano, com uma produção cabal de provas pela Procuradoria-Geral da República (PGR).
“Tenho por comprovado, pela PGR, que Jair Messias Bolsonaro praticou os crimes que são imputados a ele na condição de líder da organização criminosa”, frisou. Para ela, não se sustenta a afirmação de que não há assinatura dele nos atos — “ele é o causador, ele é o líder de uma organização que promovia todas as formas de articulação alinhadas para que se chegasse ao objetivo da manutenção ou tomada do poder”, completou.
O voto de Cármen Lúcia era o mais aguardado após Fux inocentar Bolsonaro e mais cinco réus do alegado plano de golpe, condenando apenas o delator Mauro Cid e o general Walter Braga Netto, na véspera, pelo crime de abolição violenta do Estado democrático de Direito. O voto dele durou mais de 12 horas e surpreendeu os demais magistrados que, a pedido dele um dia anterior, não puderam discutir seus argumentos.
Além de Bolsonaro, também fazem parte deste chamado “núcleo 1” ou “crucial” da denúncia apresentada pela PGR o tenente-coronel Mauro Cid, que delatou o plano; o deputado federal Alexandre Ramagem (PL-RJ), ex-diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin); Almir Garnier, ex-comandante da Marinha; Anderson Torres, ex-ministro da Justiça e ex-secretário de segurança do Distrito Federal; Augusto Heleno, ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI); Paulo Sérgio Nogueira, ex-ministro da Defesa; e Walter Braga Netto, ex-ministro da Casa Civil e candidato a vice do ex-presidente em 2022.
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Eles respondem por cinco crimes: tentativa de abolição violenta do Estado democrático de Direito, tentativa de golpe de Estado, participação em organização criminosa armada, dano qualificado por violência e grave ameaça e deterioração de patrimônio tombado.
“São objetivas as provas pela atuação do réu no sentido de promover, provocar, pressionar para o desvio de finalidade com propósitos de erosão democrática, das instituições, valendo-se dos agentes”, pontuou.
Para ela, foi “prática corrente” de instrumentalização das instituições da República, e que isso fica comprovado pelas provas levantadas e depoimentos prestados.
Cármen Lúcia afirmou, ainda, que Alexandre Ramagem integrou a organização até deixar o cargo para concorrer às eleições, teve uma participação um pouco menor no plano, mas que levou ao mesmo objetivo. Ele responde aos crimes exceto por dano e deterioração do patrimônio, por conta de uma resolução da Câmara dos Deputados.
A ministra ainda seguiu o entendimento de Moraes e rejeitou todas as preliminares – questionamentos feitos pelas defesas, principalmente as referentes ao pouco tempo de análise dos documentos, grande quantidade de provas e suposta incompetência do STF em julgar o caso. Ela também negou que a delação premiada de Cid possa ter sido feita sob coação, afirmando que “ele disse que livremente, voluntariamente, quis fazer a colaboração”, sem demonstrar prejuízos nas alegadas “idas e vindas”.
Nos votos anteriores pela condenação de todo o grupo, Moraes também classificou o ex-presidente como líder de uma “organização criminosa”. Dino o acompanhou no entendimento, mas defendeu penas mais severas tanto para o ex-presidente quanto para o ex-ministro Walter Braga Netto. Durante a sessão, Dino rechaçou pressões externas.
“Argumentos pessoais, agressões, coações, ameaças de governos estrangeiros não são assuntos que constituem matéria decisória. Quem veste essa capa [toga] tem proteção psicológica suficiente para se manter distante disso”, afirmou.
A ministra apontou que Braga Netto atuou “amplamente” na “fomentação de violência e coação contra outros, até mesmo contra o [então comandante do Exército] Freire Gomes” e instigou a manutenção dos manifestantes em acampamentos.
“E, apenas para terminar, eu acho que o Brasil só vale a pena porque nós estamos conseguindo ainda manter o Estado democrático de direito e todos nós, com as nossas compreensões diferentes, estamos resguardando isso e só isso, o direito que o Brasil impõe que nós como julgadores façamos valer”, concluiu Cármen Lúcia.
Voto de Zanin no julgamento de Bolsonaro
O presidente da Primeira Turma, Cristiano Zanin, reconheceu que a PGR conseguiu “descrever satisfatoriamente uma organização criminosa armada, estruturada hierarquicamente, com divisão de tarefas entre seus integrantes e orientada a perseguir um projeto de poder do qual participavam seus integrantes, mediante a prática de ações ilícitas”.
Para Zanin, a organização criminosa tinha o objetivo de “assegurar a permanência no poder” do ex-presidente. O ministro concordou com a acusação de que Bolsonaro seria o líder do grupo e o maior beneficiado das ações.
Agora, ele analisa as acusações referentes aos demais crimes. Zanin rejeitou a possibilidade de aplicar o princípio da consunção (absorção do crime menos grave ao crime mais grave) dos crimes de tentativa de golpe de Estado e abolição violenta do Estado Democrático de Direito. O ministro Luiz Fux foi o único a votar nesse sentido.
O ministro destacou que a legislação referente aos dois crimes “impõe o concurso material desde que reconhecido o liame subjetivo das ações engendradas por cada um dos agentes e as ações danosas perpetradas”, ou seja, se os agentes assumiram o risco de que suas ações fossem danosas ou se contribuíram significativamente para que ele ocorresse.
“Todos os fatos devem ser analisados em conjunto para se verificar a participação de cada agente que contribuiu para o resultado final do delito ou dos delitos.” O ministro Flávio Dino interrompeu Zanin para ressaltar que “se não fosse assim, ninguém do PCC e do Comando Vermelho seria condenado nunca”.
O ministro entendeu que as ações dos réus culminaram nos atos de 8 de janeiro de 2023. “Há uma evidente conexão causal entre a propagação de falsas narrativas sobre a idoneidade das instituições republicanas e o fomento de ações violentas que se acentuam no final de 2022 após o resultado eleitoral. Há robusta prova de que a organização promoveu em seguida a insuflação popular”, disse o magistrado.
Zanin considerou que, seja por instigações ou omissões, os réus contribuíram para a “tentativa de restrição do livre exercício dos Poderes e, posteriormente, para os atos violentos que expressaram de forma pública o projeto de deposição do governo legitimamente eleito”.
No início do voto, ele afastou todas as preliminares — questionamentos feitos pelas defesas para questionar o processo —, principalmente as referentes ao pouco tempo de análise dos documentos, à grande quantidade de provas e à suposta incompetência do STF em julgar o caso.
O ministro Alexandre de Moraes, relator do caso, interrompeu Zanin para reiterar que nenhum dos 59 advogados que representam os oito réus do “núcleo 1” conseguiu apresentar um único documento que comprovasse o suposto cerceamento de defesa.
O presidente do colegiado lembrou que, quando atuava como advogado, ele precisou analisar provas de “80 a 100 terabytes dentro da sala-cofre da Polícia Federal”, pois não havia disponibilização por link. “Aqui, inclusive, foi facilitado o trabalho das defesas a partir do encaminhamento da íntegra do material na forma decidida pelo eminente relator”, disse.
Zanin representou o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) nos processos da Lava Jato. Ele também descartou qualquer irregularidade na delação premiada de Mauro Cid, “a despeito de algumas dissonâncias que foram apontadas”.
Fonte: Gazeta