A ministra Cármen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal (STF), afirmou nesta quinta (11) que, em sua visão, a Procuradoria-Geral da República fez as provas necessárias que provam que o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) liderou um grupo para atacar as instituições democráticas e prejudicar a alternância de poder nas eleições de 2022.
Ela é a quarta ministra a votar no julgamento de Bolsonaroe mais sete réus pela suposta participação na tentativa de golpe de Estado após as eleições de 2022. O placar está em 2 a 1 pela condenação, com Alexandre de Moraes e Flávio Dino favoráveis e apenas Luiz Fux contrário.
“Pra mim, a PGR fez prova cabal de que um grupo liderado por Jair Messias Bolsonaro, composto por figuras-chaves do governo, das Forças Armadas e de órgãos de inteligência, desenvolveu e implementou plano progressivo e sistemático de ataque às instituições democráticas com a finalidade de prejudicar a alternância legítima de poder nas eleições de 2022, minaram o exercício dos demais poderes constitucionais, especialmente do poder judiciário”, afirmou a ministra citando o uso principalmente de “milícias digitais” para isso.
Em meio à apresentação do voto da ministra, Moraes fez uma intervenção reforçando seu posicionamento sobre a suposta liderança de Bolsonaro e, até mesmo, exibindo um vídeo do ex-presidente na comemoração do Sete de Setembro de 2021, em São Paulo, em que o mandou arquivar os inquéritos contra ele.
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O voto de Cármen Lúcia era o mais aguardado após Fux inocentar Bolsonaro e mais cinco réus do alegado plano de golpe, condenando apenas o delator Mauro Cid e o general Walter Braga Netto, na véspera, pelo crime de abolição violenta do Estado democrático de Direito. O voto dele durou mais de 12 horas e surpreendeu os demais magistrados que, a pedido dele um dia anterior, não puderam discutir seus argumentos.
Como são necessários três votos para formar maioria, a decisão da ministra tende a definir o destino do ex-presidente e de integrantes do núcleo considerado central do suposto plano. Após Cármen Lúcia, será a vez do ministro Cristiano Zanin se manifestar – ele é o último a proferir seu voto por ser o presidente da Primeira Turma.
Cármen Lúcia afirmou que no Brasil, desde 2021, se tentou fazer brotar “estratégias para objetivos espúrios” e um “um terreno social para o grão maligno da antipolítica”, com fatos que “não foram negados na sua essência” pelo núcleo da suposta tentativa de golpe de Estado.
“Os fatos que são descritos desde a denúncia e a referência acusatória, a imputação, não foram negados na sua essência. […] Mas, desde 2021, novos focos de pesares sociopolíticos brotaram a partir de estratégias para objetivos espúrios, ou seja, exatamente o que foi denunciado”, afirmou citando que escreveu um voto de 396 páginas, mas que lerá apenas um resumo.
Para ela, estas estratégias se conduziram na tentativa de abolição do Estado democrático de Direito e de tentativa de golpe de Estado, em que “arou-se um terreno social e político para semear o grão maligno da antidemocracia”.
A ministra frisou que a questão eleitoral e o uso da urna eletrônica se tornou uma peça central, nos últimos anos, para uma “erosão democrática” de questionamento aos poderes constituintes. A desmoralização dela ocorre em atos, não de uma hora para a outra, pontuou.
“A tentativa de desmoralizar o processo eleitoral é isso, uma tentativa que vem marcada de combalir mais e mais o poder judiciário, como foi mostrado aqui, com uma série de comportamentos delituosos que foram se concatenando”, afirmou.
Moraes fez um aparte nesta questão confirmando sua alegação de que a organização criminosa supostamente liderada por Bolsonaro agiu com este objetivo, agindo em grupo em vários atos. “Quem executou tudo foi o próprio líder, Jair Messias Bolsonaro”, pontuou citando haver uma quantidade farta de provas sobre isso.
“Quem sempre foi, além de líder, foi ponta-de-lança desse discurso populista que caracteriza as novas ditaduras no mundo todo, foi Jair Messias Bolsonaro pra desacreditar o Poder Judiciário. Era fraude nas urnas, deslegitimação da Justiça Eleitoral e do Poder Judiciário, necessidade de intervenção militar e perpetuação do poder. Desde meados de junho de 2021 até 8 de janeiro [de 2023] o discurso é o mesmo. Não há como negar o nexo causal”, disparou.
O ministro relator, ainda na intervenção sob uma crítica de Cármen Lúcia de que precisava voltar a votar, afirmou que nenhum dos corréus era presidente questionando a Justiça, e sim a serviço de Bolsonaro.
Além de Bolsonaro, Cid e Braga Netto, também fazem parte deste chamado “núcleo 1” ou “crucial” da denúncia apresentada pela Procuradoria-Geral da República (PGR) o deputado federal Alexandre Ramagem (PL-RJ), ex-diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin); Almir Garnier, ex-comandante da Marinha; Anderson Torres, ex-ministro da Justiça e ex-secretário de segurança do Distrito Federal; Augusto Heleno, ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI); e Paulo Sérgio Nogueira, ex-ministro da Defesa.
“No Brasil, estamos tentando valer a norma vigente sobre os tipos penais à absorção dos comportamentos destes tipos. É dever dos órgãos estatais apurar a ocorrência da alegada tentativa de abolição do Estado democrático de Direito e de golpe de Estado”, citou afirmando que a lei referente a estes crimes foi assinada por quatro dos oito réus desta ação penal – Bolsonaro, Torres, Braga Netto e Augusto Heleno – votada e aprovada pelo Congresso, afastando a tese de que eles poderiam desconhecer o teor do texto.
Ainda segundo a ministra, repetindo o que já disse durante o recebimento da ação penal, o ápice da suposta tentativa foram os atos de 8 de janeiro de 2023, que ela afirma que “não foi um acontecimento banal depois de um almoço de domingo quando as pessoas saíram a passear”. Cármen Lúcia ainda lembrou das falas da então presidente do STF, Rosa Weber, em condenar os atos e que haveria julgamento com todo o direito de defesa dos envolvidos.
Cármen rejeita preliminares
A ministra ainda seguiu o entendimento de Moraes e rejeitou todas as preliminares – questionamentos – feitos pelas defesas, principalmente as referentes ao pouco tempo de análise dos documentos e a grande quantidade de provas. Ela também negou que a delação premiada de Cid possa ter sido feita sob coação, afirmando que “ele disse que livremente, voluntariamente, quis fazer a colaboração”, sem demonstrar prejuízos nas alegadas “idas e vindas”.
“Sempre votei do mesmo jeito. Sempre entendi que a competência era do STF, não há nada de novo pra mim. Vou votar do mesmo jeito que sempre votei. Seria casuísmo, gravíssimo, que alguns fossem julgados depois da mudança e fixação das competências que já exercemos inúmeras vezes e voltar atrás nessa matéria”, afirmou em referência à alegação de que a Corte não teria competência para julgar pessoas que já deixaram o cargo com a prerrogativa de foro.
A expectativa é de que o voto completo dela seja concluído até o final da tarde, com Zanin lendo o seu ainda nesta quinta (11) ou na sessão da manhã de sexta (12).
Ministra já condenou Bolsonaro anteriormente
O voto de Cármen Lúcia é especialmente simbólico porque, em junho de 2023, a ministra foi responsável por consolidar a maioria que tornou Bolsonaro inelegível, em julgamento no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Já em março deste ano, ao aceitar a denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR) contra o ex-presidente e outros acusados, ela destacou que houve, sim, tentativa de golpe e que a acusação trouxe fartas provas.
“Felizmente, o golpe não deu certo. Temos democracia no Brasil. Temos um Supremo atuando como sempre atuou”, afirmou na época emendando que “para que mais uma vez o Brasil não tenha tentativa de golpe de Estado, para que essa máquina não continue a reverberar e explodir, como estão em alguns documentos”.
Moraes decidiu pela condenação de Bolsonaro e os demais réus, classificando o ex-presidente como líder de uma “organização criminosa”. Dino o acompanhou no entendimento, mas defendeu penas mais severas tanto para o ex-presidente quanto para o ex-ministro Walter Braga Netto. Durante a sessão, Dino rechaçou pressões externas.
“Argumentos pessoais, agressões, coações, ameaças de governos estrangeiros não são assuntos que constituem matéria decisória. Quem veste essa capa [toga] tem proteção psicológica suficiente para se manter distante disso”, afirmou.
Fonte: Gazeta