Julgamento de Bolsonaro abre portas para negociação de pacto

O julgamento de Jair Bolsonaro (PL) no Supremo Tribunal Federal (STF), acusado de liderar uma suposta trama golpista, tornou-se o ponto de partida para a construção de uma saída negociada para a crise institucional que assola o país desde as eleições de 2022.

A provável condenação do ex-presidente acelera a busca por um acordo político entre Legislativo e Judiciário, com três eixos centrais: anistia dos réus do 8 de janeiro, contenção do ministro Alexandre de Moraes e articulação de uma aliança eleitoral entre a família Bolsonaro e partidos de centro-direita, liderada pelo governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos).

A retomada da pauta da anistia coincidiu com o início do julgamento, na terça-feira (2). Líderes de PP, União, Republicanos e PL costuram um texto viável, em recado ao STF, mas também como passo para consolidar Tarcísio como herdeiro político da direita nas eleições de 2026.

Os sinais da aliança ganharam força já na véspera do julgamento. Na segunda-feira (1º), Bolsonaro recebeu em casa, em Brasília, onde cumpre prisão domiciliar, o deputado Arthur Lira (PP-AL), ex-presidente da Câmara e maior líder do Centrão. Lira avaliou que apenas forte mobilização poderia garantir a aprovação da anistia.

O cientista político Ismael Almeida avalia que os sinais indicam um acordo em gestação. Para ele, o julgamento vai além de Bolsonaro: “Com a condenação dada como certa, em meio a acusações de parcialidade e provas frágeis, a Corte arrisca consolidar a percepção de politização. Isso cria espaço para a saída política.”

Tarcísio entra em campo e obtém apoio à anistia de Republicanos, PP e União

Nos dois dias seguintes, Tarcísio de Freitas esteve em Brasília para articular diretamente com Republicanos, PP e União a aprovação da anistia. Antes das reuniões, criticou duramente o STF, chegou a afirmar que “não dá para acreditar na Justiça”, e prometeu que, se eleito presidente, seu primeiro ato será indultar Bolsonaro.

Até advogados de defesa admitem aos jornalistas que a absolvição dos réus dificilmente virá pela via judicial, reforçando a expectativa de solução política.

O governador reuniu-se com o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), e os dirigentes partidários Ciro Nogueira (PP-PI) e Marcos Pereira (Republicanos-SP) para acelerar a tramitação da proposta de anistia na Câmara. Sua presença foi vista como decisiva para destravar as negociações.

A proposta, contudo, enfrenta resistências. Interlocutores reconhecem que um texto amplo pode ser derrubado pelo STF, razão pela qual se cogita excluir Bolsonaro da anistia. Nesse caso, ele seria beneficiado apenas em 2027, caso Tarcísio vença as eleições presidenciais.

Leandro Gabiati, diretor da consultoria Dominium, afirma que Tarcísio já se projeta como principal articulador da aliança pós-julgamento, em movimento que o coloca em posição de liderança nacional.

“Amparado por caciques como Gilberto Kassab (PSD), Ciro Nogueira (PP) e Marcos Pereira (Republicanos), o governador mostra seu maior trunfo: liderar um movimento em direção ao Planalto sem nem sequer ter lançado oficialmente a candidatura”, observa.

Aliado de Lula, Alcolumbre quer erguer barreira contra a anistia no Senado

No Senado, o presidente Davi Alcolumbre (União-AP), aliado do Palácio do Planalto, articula uma versão reduzida da anistia, apelidada de “anistia light”, que abrandaria penas, mas excluiria Bolsonaro e líderes dos atos. A calibragem jurídica contraria a Câmara e aumenta a tensão institucional.

O senador Hamilton Mourão (Republicanos-RS) alertou que a proposta enfrentará “um jogo mais pesado” na Casa. Para aprovar um projeto de lei, são necessários 41 votos, número considerado frágil pela oposição.

A esquerda reagiu com veemência. Lindbergh Farias (PT-RJ), líder do PT na Câmara, classificou a votação como “golpe parlamentar”. Orlando Silva (PCdoB-SP) afirmou que a negociação “eleva a crise”, enquanto Fernanda Melchionna (PSOL-RS) a chamou de “pressão sobre o STF em pleno julgamento histórico”.

No próprio STF, Alexandre de Moraes rebateu em tom duro: “A impunidade, a omissão e a covardia não são opções para a pacificação”. O recado foi interpretado como aviso direto ao Congresso. Ainda assim, a oposição mantém a aposta de que a anistia fortalecerá Tarcísio e dará resposta à crise.

Contenção de Moraes pode vir da junção de pressões de dentro e de fora do país

O controle dos excessos de Alexandre de Moraes, condição considerada indispensável para a coalizão, pode vir por impeachment no Senado ou autocontenção da própria Corte, como sugeriu o ministro André Mendonça, em uma palestra no Rio de Janeiro.

As pressões aumentaram com o depoimento de Eduardo Tagliaferro, ex-assessor de Moraes no TSE, na Comissão de Segurança Pública do Senado. Ele denunciou irregularidades e afirmou ter entregue documentos aos EUA, reforçando pedidos por uma CPI da “Vaza Toga” e até pela suspensão imediata do julgamento de Bolsonaro.

Na quarta-feira (3), em Washington, Eduardo Bolsonaro (PL-SP), ao lado do jornalista Paulo Figueiredo, pediu ao Tesouro dos EUA sanções mais duras contra Moraes e sua família com base na Lei Magnitsky Global, que corta o acesso de seus alvos do sistema financeiro ocidental e impede que façam negócios com empresas que operam nos Estados Unidos. O deputado reiterou que pode se candidatar à Presidência “em caso de necessidade”, mas rechaçou qualquer pressão para apoiar Tarcísio.

Enquanto isso, o PL insiste em manter Bolsonaro como o único responsável pela definição da candidatura do partido à Presidência. Valdemar Costa Neto, presidente da legenda, declarou pelos canais oficiais de que “o partido não o deixará só”. Já Republicanos e PL disputam nos bastidores a filiação de Tarcísio, cada vez mais visto como alternativa para 2026.

Luiz Filipe Freitas, analista do escritório Malta Advogados, destaca que o acordo pode não encerrar a crise, mas abre caminho para reduzir a polarização. “A centro-direita avança e já constrói sua própria pauta, embora ainda dependa da base conservadora para vencer eleições. No médio prazo, tende a abrir espaço para novos líderes e consolidar protagonismo.”