O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) vem intensificando nas últimas semanas o papel de candidato declarado à reeleição, transformando atos de governo em palanque e desafiando as críticas da oposição, que o acusa de abuso da máquina pública. A pouco mais de um ano para o início oficial da campanha de 2026, a sua postura suscitaria avaliação da Justiça Eleitoral.
Animado com sinais de reversão da impopularidade em pesquisas recentes, Lula renovou a aposta em agendas de forte apelo eleitoral, na publicidade institucional e em viagens pelo país. Em paralelo, ele busca aproximação com presidentes de partidos de centro – MDB, Republicanos, União Brasil e PSD –, almejando formar com eles uma improvável aliança para a disputa do próximo ano.
A retórica do petista também se mantém fortemente marcada pela longa polarização no país entre a esquerda liderada por ele e a direita vinculada ao seu rival, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Nesse front, Lula passou a explorar ostensivamente a crise comercial e diplomática com os Estados Unidos, evocando o combate de um inimigo externo aliado a outros internos.
Não por acaso, o recém-lançado pacote de ajuda às empresas afetadas pelo tarifaço americano, batizado de “Brasil Soberano”, ganhou peças de propaganda que exalam carga simbólica. “Do lado dos brasileiros” é o seu bordão, em reforço ao antes testado “o Brasil é dos brasileiros”. Outro fator já explorado é a desaceleração dos preços de alimentos no supermercado.
O novo presidente do PT, Edinho Silva, também já assumiu o comando da legenda com a missão de recuperar a popularidade do governo ancorado na retórica patriótica. O partido aprovou a resolução que critica abertamente o presidente americano Donald Trump, tachado, logo nas primeiras linhas do documento, de liderar uma política “imperialista e de extrema-direita”.
Lula convoca reunião ministerial para cobrar entregas e combinar discursos
O tom de campanha de Lula e a mobilização do governo em torno da reeleição ficaram evidentes na reunião ministerial desta terça-feira (26). De boné azul com o slogan “O Brasil é dos brasileiros” — em contraponto ao vermelho do “MAGA” (“Make America Great Again” – “Tornar a América Grande Novamente”), de Donald Trump, adotado por aliados da direita —, o presidente reforçou a narrativa de polarização entre “defensores” e “entreguistas” da soberania nacional.
Mirando a família Bolsonaro, Lula criticou quem teria a “desfaçatez de mudar de país, negar a pátria e insuflar o ódio de governantes americanos contra o povo brasileiro”, numa referência ao deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP). Pediu aos ministros que mantenham a defesa da soberania como palavra de ordem em discursos e entrevistas.
Lula ironizou saudosistas do Império — “se a gente gostasse de imperador, não tinha acabado com o Império” — e acusou Trump de agir como “imperador do mundo”. Reiterou que empresas só podem atuar no Brasil respeitando as leis nacionais. O presidente deixou claro que essa confrontação deverá pautar o governo até as eleições.
Foi o segundo encontro de Lula com toda sua equipe em 2025. O petista tem mostrado irritação com atrasos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), vitrine de investimentos do governo, admitindo até que seu eleitor não está recebendo o que foi prometido. O receio no Palácio do Planalto é que projetos de infraestrutura bancados pela União acabem entrando para a lista de obras inacabadas, fragilizando o discurso eleitoral e dando munição à oposição.
A ministra Gleisi Hoffmann, das Relações Institucionais, tem tentado levar adiante as prioridades legislativas do governo para 2025, entre elas a isenção de Imposto de Renda (IR) para quem ganha até R$ 5 mil por mês, a chamada PEC da Segurança e a regulação das redes sociais (big techs). Todas essas iniciativas legislativas têm íntima relação com as estratégias de campanha do governo. Por isso, também há pressa.
Perto de fazer 80 anos, Lula condiciona candidatura só à condição de saúde
Lula tem usado todas as suas manifestações em eventos e à imprensa para se apresentar como candidato, atacar adversários de dentro e fora do país e prometer dias melhores, sobretudo para a população de baixa renda. Prestes a completar 80 anos, ele tem dito que a sua candidatura à reeleição está limitada apenas às condições de saúde, mas fazendo de questão de afirmar que se sente bem-disposto.
Em Sorocaba (SP), na última quinta-feira (21), ao entregar consultórios odontológicos móveis, declarou: “Um mandato do Lula incomodou muita gente. Dois mandatos incomodaram muito mais. Três mandatos muito, muito mais. Imagina se tiver o quarto”. No Rio, em evento da Petrobras, foi ainda mais direto: “Este país vai ter um presidente eleito quatro vezes”.
Em julho, em obras ferroviárias no Ceará, afirmou: “Podem ter certeza de que serei candidato para ganhar as eleições, porque não vou entregar o país de volta para aquele bando de malucos”. Lula já concorreu a seis eleições presidenciais, venceu três (2002, 2006 e 2022) e perdeu três (1989, 1994 e 1998). Em 2022, prometeu ser “presidente de um mandato só”. Mas mudou de opinião logo.
Consultores avaliam que após atravessar várias crises no atual mandato – contradições, volta da carestia, casos de corrupção e polêmicas de alcance mundial – restou ao presidente colocar o pé no acelerador de campanha, pois é a única opção viável da esquerda. Para provar vitalidade, grava vídeos fazendo musculação e promete subir correndo a rampa do Planalto em janeiro de 2027, aos 81 anos, caso seja reeleito.
Juristas ouvidos pela Gazeta do Povo avaliam que o comportamento de Lula pode ser formalmente questionado. O advogado eleitoral Antônio Augusto Mayer afirma que, havendo indícios de propaganda extemporânea, a Justiça pode ser acionada imediatamente. “A legislação não fixa prazo específico. Cabe ao Judiciário decidir se o ato configura ou não irregularidade”, explica.
Oposição acumula fatos para eventual denúncia de campanha antecipada
O cientista político Paulo Kramer vê nesses casos a campanha escancarada de Lula pela reeleição, suscetível ao crivo judicial. “Ele tem estado ao menos uma vez por semana em palanques Brasil afora. Nesta sexta-feira (29), por exemplo, será em Contagem (MG), a pretexto de obras do Novo PAC”, diz. Apesar disso, Kramer receia que a Justiça só condene candidatos da direita.
A oposição reage ao candidato Lula, mas ainda não fala em ir à Justiça. O deputado Luciano Zucco (PL-RS), líder da oposição na Câmara, classificou o plano de R$ 30 bilhões para exportadores afetados pelo tarifaço como eleitoreiro e ineficaz. Já o também deputado Nikolas Ferreira (PL-MG) acusou a campanha digital do governo pela “Taxação BBB” (bilionários, bancos e bets) de tentar dividir a sociedade.
Apesar das críticas da oposição, Lula tem se manifestado de forma agressiva e confiante sobre a reeleição. Durante sua participação no podcast “Mano a Mano”, em junho, afirmou que, se for candidato, será “para ganhar”, ressaltando que adversários deverão se empenhar muito mais para superá-lo. O presidente diz comemorar pré-candidaturas na centro-direita e direita.
Desde Fernando Henrique Cardoso (PSDB), todos os presidentes buscaram a reeleição, usufruindo da vantagem do cargo. Mas quando o uso da estrutura estatal extrapola o razoável, há risco de punição por propaganda antecipada e abuso de poder. “Hoje, todo mundo político deve entrar na onda eleitoral já em outubro”, ressalva João Henrique Hummel, da Action Consultoria.
Para a esquerda, importa conhecer o sucessor de Bolsonaro nas próximas eleições. Para a direita, importa reduzir conflitos internos e com a centro-direita, viabilizando candidatura de consenso, capaz de vencer Lula no segundo turno. Mas o próprio petista já especula que o seu adversário nas urnas de 2026 deverá ser o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos).
Fonte: Gazeta