A conquista da oposição em assumir a presidência e a relatoria da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) do INSS representa, para analistas políticos, uma virada significativa no tabuleiro do Congresso. Até então, o governo Lula vinha conseguindo segurar posições estratégicas em comissões e investigações, mas a perda de controle desse colegiado é vista como um duro golpe na articulação governista. Na quarta-feira (20), a disputa pelo comando da CPMI terminou em revés para o Palácio do Planalto, e com isso fortaleceu o papel da oposição.
O senador Carlos Viana (Podemos-MG) foi eleito presidente, e o deputado Alfredo Gaspar (União-AL) ficou com a relatoria. Ambos eram nomes da oposição e independentes, derrotando os indicados pelo governo, Omar Aziz (PSD-AM) para a presidência e Ricardo Ayres (Republicanos-TO) para a relatoria.
Segundo o cientista político Adriano Cerqueira, professor do Ibmec-BH, o episódio expôs não só a derrota do governo, mas também a fragilidade de seus principais aliados. Cerqueira salientou que, enquanto lideranças governistas falharam na condução das negociações, a oposição mostrou articulação nas duas Casas. Para ele, o movimento indica reaproximação do Centrão com partidos de centro-direita, já de olho nas eleições do próximo ano.
“Nem Hugo Motta conseguiu garantir o relator que queria, nem Alcolumbre assegurou Omar Aziz na presidência. Ambos são mais próximos do governo, mas acabaram atropelados. É um cochilo indefensável das lideranças governistas. A oposição, por outro lado, mostrou força e organização não apenas na Câmara, mas também no Senado. Isso reforça a percepção de que o Centrão está se aproximando das legendas de centro-direita, mirando também as eleições do ano que vem”, avalia.
Além disso, Cerqueira reforça que a CPMI pode se transformar em um grande ponto de desgaste para o governo, em especial por lidar com denúncias de desvios e descontos no INSS – um tema delicado para o PT. “Isso abre uma frente de ataque que o governo Lula não planejava enfrentar. A narrativa da oposição ganha força porque toca em denúncias de corrupção e má gestão, sempre sensíveis ao eleitorado”, disse.
Instalada, a CPMI terá pela frente a apuração de denúncias de fraudes e desvios no sistema previdenciário. A oposição pretende avançar com convocações e quebras de sigilo já nas primeiras semanas de trabalho, buscando responsabilizar servidores, empresas e entidades acusadas de participação nos descontos irregulares nos benefícios de aposentados e pensionistas.
Para o líder da oposição no Senado, Rogério Marinho (PL-RN), a CPMI será fundamental para identificar e responsabilizar “quem enriqueceu ilicitamente às custas do erário público e dos aposentados”. Ele criticou a forma como o governo federal lida com as irregularidades e acusou sindicatos e federações de se beneficiarem com o aumento das associações credenciadas no INSS após a perda de receitas com o imposto sindical.
“Nós estamos diante de um caso que desnuda a “república sindical” brasileira. Porque é evidente que os sindicatos, principalmente as federações de sindicatos, quando sentiram que secou a fonte, do imposto obrigatório, correram para fazer associações, e essas associações se credenciaram no INSS. E nós estamos a ponto de descobrir esse mistério e de mostrar à sociedade, com transparência, a máfia que se incrustou em desfavor dos aposentados brasileiros”, afirmou.
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O que será investigado na CPMI do INSS
A CPMI terá como base as revelações das operações da Polícia Federal, que apontaram um esquema bilionário de fraudes no INSS. Entre os fatos que devem ser apurados estão:
- Descontos ilegais em benefícios previdenciários, feitos sem autorização dos segurados, principalmente aposentados e pensionistas;
- A atuação de associações fantasmas e sindicatos de fachada, que recebiam diretamente valores desviados dos pagamentos;
- O possível envolvimento de servidores públicos e intermediários políticos na manutenção do esquema;
- Contratos de publicidade e comunicação que teriam sido usados para blindar ou minimizar o impacto das denúncias;
- O possível conhecimento e omissão de autoridades do governo diante das irregularidades.
O escândalo ganhou repercussão nacional porque atingiu milhões de aposentados. O presidente da CPMI, senador Carlos Viana, afirmou que o seu compromisso será com a “transparência e a responsabilidade” na condução dos trabalhos. “O Brasil não pode aceitar que recursos destinados a quem mais precisa sejam desviados por criminosos. Nosso dever é claro: investigar, expor e levar os culpados à Justiça”, declarou.
Um dos primeiros movimentos da oposição na CPMI foi a convocação de Frei Chico, irmão do presidente Lula e vice-presidente do Sindicato Nacional dos Aposentados, Pensionistas e Idosos da Força Sindical (Sindnapi), investigado na Operação Sem Desconto. O requerimento foi protocolado pelo senador Izalci Lucas (PL-DF) logo após a instalação da comissão.
No documento, Izalci afirma que Frei Chico tem o “dever de esclarecer” o crescimento explosivo da arrecadação do Sindnapi, que saltou de R$ 23,3 milhões em 2020 para R$ 154,7 milhões em 2024.
“A necessidade de ouvir o depoente torna-se ainda mais premente quando se constata a existência de uma grotesca anomalia administrativa que beneficiou diretamente o Sindnapi, configurando um possível caso de tratamento privilegiado e de deliberada flexibilização de normas de segurança”, argumenta o senador do DF.
Até esta quinta-feira (21), a página da CMPI registra a apresentação de 448 requerimentos. Grande parte deles trata de convite ou convocação do ex-ministro da Previdência Carlos Lupi; do atual gestor da pasta, Wolney Queiroz; do presidente do INSS, Gilberto Waller; assim como de vários outros ex-presidentes do órgão, como André Paulo Felix Fidelis.
Muitos requerimentos tratam da convocação do ministro-chefe da Advocacia-Geral da União, Jorge Messias; do ministro da CGU Vinícius Marques de Carvalho; do delegado-geral da Polícia Federal, Andrei Rodrigues; e do ministro da Justiça e da Segurança Pública, Ricardo Lewandowski. Pedidos de Relatório de Inteligência Financeira (RIF) ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) também estão na lista.
Oposição organizada é nova frente de desgate para o governo
A articulação foi construída nos bastidores. O líder da oposição na Câmara, deputado Luciano Zucco (PL-RS), afirmou que a iniciativa demandou muito trabalho e horas de conversa com líderes partidários para driblar o acordo imposto por Motta e Alcolumbre. Segundo o deputado, a indicação de Aziz e Ayres foi “inadmissível” pelo fato de os dois parlamentares não terem assinado o pedido da CPMI do INSS.
“O ato de assinar demonstra o interesse na pauta, mas Aziz e o relator [que havia sido indicado inicialmente] não tinham assinado. Trabalhamos com os integrantes desta comissão pedindo que realmente tivéssemos voz, investigação e transparência, e, com muito trabalho, conseguimos derrubar os indicados do governo”, disse Zucco.
De acordo com o líder da oposição na Câmara, o governo tentou blindar aliados e conduzir os trabalhos para um desfecho inócuo, mas a oposição conseguiu virar o jogo. “Estamos felizes e motivados. O que antes parecia se transformar em pizza agora vai dar o resultado efetivo para a sociedade brasileira”, declarou.
O senador Eduardo Girão (Novo-CE), que era candidato à presidência da CPMI, retirou sua candidatura no momento da eleição para fortalecer a escolha de Carlos Viana. “Cheguei como candidato, mas percebi que unindo forças teríamos mais chances de derrotar a tentativa do governo de blindar pessoas e entidades envolvidas no rombo do INSS. Foi um golaço para os brasileiros sedentos de justiça”, afirmou.
Segundo Girão, deputados do Novo e parlamentares independentes também foram decisivos no resultado contra a tentativa de “blindagem” do governo.
O deputado Alfredo Gaspar (União-AL), indicado para a relatoria da CPMI, disse em coletiva que a comissão será um “divisor de águas”. Ele destacou que sua indicação contou com o apoio do presidente do partido, Antônio Rueda; do líder da legenda na Câmara, Pedro Lucas Fernandes; além do líder do PL, Sóstenes Cavalcante.
Gaspar ressaltou que o foco será dar transparência e responsabilização pelos desvios. “Esse roubo na conta dos aposentados e dos pensionistas tem que ter a devida responsabilização e nós temos que fechar as brechas para não permitir novos desvios.”
Ele reconheceu o descrédito popular em relação às investigações parlamentares, mas garantiu que o trabalho terá uma marca diferente. “O povo está muito desacreditado de investigações no Parlamento. Nós temos que fazer diferente, é trazendo fatos que deem confiança em uma investigação séria”, reforçou.
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CPMI do INSS pode produzir “investigações reais”, avalia especialista
O cientista político Antônio Testa avalia que a CPMI pode ter um peso histórico. “Nesses últimos anos é a primeira CPMI que pode produzir investigações reais. Sua principal oposição será o STF, o que dará a ela ressonância até internacional. O apelo da CPMI é forte e terá muito apoio popular”, disse.
Testa alerta que o governo deve usar a comunicação para tentar minimizar os danos. “Esse talvez seja o ponto mais importante para o governo investir muito dinheiro em publicidade. Sidônio terá um enorme desafio pela frente”, afirmou.
Apesar disso, o cientista político faz uma ressalva sobre o discurso oposicionista: “Não ganha fôlego. É tudo narrativa. A oposição não tem força para combater a corrupção, que é estrutural e está enfronhada em toda a sociedade e no Estado. Transparência, para funcionar, precisa de educação política cidadã e envolvimento imparcial da mídia. De qualquer forma, o efeito Trump começa a aparecer”.
Segundo Testa, o foco do Planalto no tarifaço imposto por Trump pode ser uma das explicações para o “descuido” do governo com relação à CPMI. Além disso, para ele, o “efeito Trump” também remete ao discurso de enfrentamento contra elites políticas, grandes mídias e cortes superiores. Ele levanta a hipótese de que a CPMI poderá ganhar também essa conotação de “resistência e ruptura”.
Saiba quem são os integrantes da CPMI:
Senadores titulares
- Eduardo Braga (MDB-AM)
- Renan Calheiros (MDB-AL)
- Carlos Viana (Podemos-MG)
- Styvenson Valentim (PSDB-RN)
- Omar Aziz (PSD-AM)
- Eliziane Gama (PSD-MA)
- Cid Gomes (PSB-CE)
- Jorge Seif (PL-SC)
- Izalci Lucas (PL-DF)
- Eduardo Girão (Novo-CE)
- Rogério Carvalho (PT-SE)
- Fabiano Contarato (PT-ES)
- Leila Barros (PDT-DF)
- Tereza Cristina (PP-MS)
- Damares Alves (Republicanos-DF)
- Dorinha Seabra (União-TO)
Deputados titulares
- Coronel Chrisóstomo (PL-RO)
- Coronel Fernanda (PL-MT)
- Adriana Ventura (Novo-SP)
- Paulo Pimenta (PT-RS)
- Alencar Santana (PT-SP)
- Sidney Leite (PSD-AM)
- Ricardo Ayres (Republicanos-TO)
- Romero Rodrigues (Podemos-PB)
- Mário Heringer (PDT-MG)
- Beto Pereira (PSDB-MS)
- Bruno Farias (Avante-MG)
- Marcel van Hattem (Novo-RS)
- Alfredo Gaspar (União-AL)
- Duarte Jr. (PSB-MA)
- Rafael Brito (MDB-AL)
- Julio Arcoverde (PP-PI)
Outra conquista da oposição: avanço do voto impresso na CCJ
Enquanto a CPMI do INSS era instalada, outra bandeira de longa data da oposição avançava. Por 14 votos a 12, a CCJ aprovou uma emenda para incluir o voto impresso auditável no novo Código Eleitoral. O resultado foi tratado como “um passo histórico” por parlamentares oposicionistas.
De autoria do senador Esperidião Amin (PP-SC), a emenda define a obrigatoriedade de a urna imprimir o registro de cada voto. A medida vinha sendo rejeitada pelo relator da proposta, Marcelo Castro (MDB-PI), e foi amplamente comemorada pela oposição.
“Por mais confiáveis que sejam todas as pessoas envolvidas no processo do sistema eleitoral e por mais maduro que sejam os softwares, eles sempre possuirão possíveis vulnerabilidades e necessidade de aperfeiçoamento. A um software não basta ser seguro, precisa parecer seguro e transparente para o cidadão comum”, argumentou Amin, ao destacar recomendação feita pela Polícia Federal em 2018 sobre as urnas eletrônicas.
A retomada do voto impresso enfrenta resistências desde a adoção das urnas eletrônicas em 1996. Ao longo de duas décadas, houve três tentativas frustradas de implementação: em 2002, aprovado no Congresso e revogado por Lula em 2003; em 2009, aprovado e sancionado, mas suspenso pelo STF em 2013; e em 2015, novamente aprovado pelo Congresso, mas suspenso às vésperas da eleição de 2018.
Agora, os oposicionistas dizem que a vitória na CCJ reacende o debate sobre a transparência do processo eleitoral. “Aprovamos o voto impresso auditável com responsabilidade e compromisso. É um passo firme pela confiança no processo democrático”, destacou o líder da oposição no Senado, Rogério Marinho (PL-RN).
O resultado duplo fortaleceu a oposição em um dia considerado simbólico. No discurso dos parlamentares, tanto a CPMI do INSS quanto o voto impresso se conectam pelo eixo da transparência, da responsabilização e da confiança.
“Queremos saber quem meteu a mão no dinheiro dos aposentados. E queremos urnas confiáveis, que deem segurança ao eleitor. Hoje demos dois passos importantes”, resumiu o senador Marcos Rogério (PL-RO).
Sobre o voto impresso, Testa destacou a necessidade de pressão interna e externa para a implementação da medida. “É necessário, mas tem muita estrada pela frente. O sucesso depende da mobilização popular e do apoio internacional. Hoje a situação é favorável, mas tudo vai depender da pressão sobre o Congresso”, disse.
Fonte: Gazeta