Parte da esquerda tem aproveitado a comoção causada pelo vídeo do influenciador Felca sobre a “adultização” de menores para criar confusão narrativa em torno da regulação das redes.
Aproveitando a onda criada nos últimos dias, alguns parlamentares e integrantes do Executivo levaram o discurso contra as Big Techs para além da proteção infantil, usando o episódio como oportunidade para defender propostas de regulamentação mais abrangentes.
Além disso, algumas figuras da esquerda passaram a difundir uma nova narrativa: a de que não apoiar suas próprias propostas de regulação das Big Techs significaria ser conivente com a exploração infantil. Porém, diversas lideranças da oposição não apenas apoiaram como também apresentaram propostas voltadas à proteção de crianças nas redes.
Cerca de 30 projetos foram protocolados na Câmara recentemente, tanto por deputados de esquerda quanto de direita ou de centro. A maioria é semelhante, buscando atacar diretamente o problema exposto no vídeo de Felca e punir ou restringir a exposição e monetização de crianças na internet. Há, portanto, consenso na pauta.
Mesmo assim, alguns parlamentares de esquerda e membros do governo federal usaram a repercussão para atacar a oposição e endossar a decisão recente do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre o Marco Civil, que criou um modelo de regulação das redes com brechas evidentes para a censura de opiniões políticas legítimas.
No Executivo, o ministro da Casa Civil, Rui Costa, afirmou que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) deve enviar nos próximos dias ao Congresso um projeto de lei para regular a atuação das Big Techs no Brasil. Segundo ele, a medida é prioridade do governo e uma “questão de segurança”.
“Liberdade de expressão não é autorização para cometer crime”, declarou, repetindo um lema do ministro Alexandre de Moraes, do STF. A fala sugere que o escopo do governo vai além da proteção a menores, já que a maior parte dos crimes denunciados por Felca não tem a ver com liberdade de expressão.
Há anos, o PT tem como meta declarada regular as redes e até a imprensa. Em 2021, por exemplo, Lula afirmou: “Tem alguns setores da imprensa que não querem que eu volte a ser candidato. Porque, se eu voltar, vou regular os meios de comunicação deste país”. Um projeto sobre regulação das redes deve ser enviado pelo Executivo ao Congresso nesta semana.
Nos últimos tempos, o partido ganhou respaldo no STF. Não por acaso, Gleisi Hoffmann, ministra-chefe da Secretaria de Relações Institucionais, usou a repercussão do vídeo de Felca para demonstrar novamente seu apoio à regulação das redes imposta recentemente pela Corte. “A denúncia do Felca, com enorme repercussão, ressalta também o acerto do STF ao responsabilizar as plataformas que permitem a ação desses criminosos, sem necessidade de prévia notificação judicial”, disse.
No entanto, as críticas de grande parte da sociedade à decisão do Supremo nunca foram contra a regulação de crimes evidentes, como abuso infantil, mas sim contra o uso desses casos extremos como pretexto para censurar temas vagos, como “conduta antidemocrática”, e legislar no lugar do Congresso.
Esquerda tenta forçar narrativa sobre conivência da oposição com exploração infantil
No Legislativo, houve reação semelhante de alguns parlamentares de esquerda. O deputado Guilherme Boulos (PSOL-SP) disse que “as plataformas não querem se responsabilizar pelo compartilhamento de conteúdos criminosos porque eles já fazem parte dos negócios”.
“A conivência das Big Techs com crimes cometidos em suas plataformas não se resume aos casos citados no vídeo. Já faz algum tempo que venho denunciando o descaso com o qual tratam a segurança dos usuários brasileiros e dos nossos dados”, afirmou.
Boulos acrescentou que “as redes são unânimes contra a obrigatoriedade de regulamentação” porque “os bilionários por trás das plataformas não estão interessados”. “Nós vamos acompanhar os desdobramentos das investigações sobre a atuação dessas plataformas no Brasil e seguiremos lutando pela regulação delas”, concluiu.
Parte da esquerda também tentou emplacar uma nova narrativa: a de que não apoiar projetos envolvendo ameaça de censura significaria ser conivente com a exploração infantil.
A deputada Erika Hilton (PSOL-SP) desvirtuou uma fala do deputado Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), que havia afirmado em relação aos projetos apresentados até agora sobre o tema: “Vamos avaliar o texto. Se tiver qualquer sinal de censura, não vamos apoiar”.
Via X, a parlamentar disse: “Após o vídeo do Felca, o deputado Sóstenes Cavalcante, líder do partido de Bolsonaro, está ameaçando IMPEDIR a votação de Projetos de Lei que impeçam a exploração sexual infantil nas redes sociais. O deputado diz estar preocupado com a ‘censura’ nas redes sociais”.
“Sim, com a Câmara prestes a, FINALMENTE, fazer alguma coisa pra impedir a pornografia infantil e a exploração de menores nas redes sociais, a preocupação dos bolsonaristas é que isso represente alguma forma de censura”, acrescentou.
A ideia da oposição de discutir a anistia aos presos do 8 de janeiro e a PEC do foro privilegiado também virou alvo da esquerda, mesmo depois de diversos parlamentares da direita apresentarem propostas sobre a proteção a crianças na internet. “O que é mais urgente pra você: proteger crianças e adolescentes de crimes digitais ou defender deputados e impedir que sejam julgados pelo Supremo?”, questionou Lindbergh Farias (PT-RJ), líder do PT na Câmara.
Houve, porém, exceções na esquerda à abordagem de conflito. A deputada Tabata Amaral (PSB-SP), por exemplo, defendeu em suas redes uma proposta pontual e de fácil consenso: proibir a monetização de vídeos com crianças.
Fonte: Gazeta