O avanço do pedido de impeachment do ministro Alexandre de Moraes no Senado esbarrou em um número simbólico: 41 senadores assinaram o requerimento para que a denúncia seja protocolada. No entanto, são necessários ao menos 54 votos favoráveis para que o processo prospere e seja aprovado no plenário do Senado – o equivalente a dois terços da Casa. A base aliada ao governo e o próprio comando do Senado trabalham para manter a blindagem ao ministro, apontando falta de justificativa legal e risco institucional como principais argumentos.
Se os 41 senadores que assinaram o pedido de impeachment mantiverem seus votos, ainda faltarão 13 votos para atingir o quórum de 54. A tendência, no entanto, é de que nem todos os que assinaram votem a favor, já que há parlamentares que assinaram em apoio à deliberação, mas não necessariamente com voto certo pela aprovação do impedimento definitivo de Moraes.
Com 81 senadores no total, e considerando os apoios explícitos ao governo e ao STF, alguns especialistas avaliam que é improvável que o Senado aprove o impeachment de Moraes no atual cenário político.
Além disso, Davi Alcolumbre, que tem o poder de pautar ou engavetar o pedido, se apresenta como um dos principais fiadores da harmonia entre os Poderes, e dificilmente colocará o processo em votação sem uma pressão política significativa.
De acordo com o levantamento sobre os votos para o impeachment, 21 senadores ainda estão indecisos. Na prática, isso significa que, mesmo se os 41 signatários mantiverem seus votos, dificilmente o número final alcançará os 54 necessários. A tendência majoritária entre os indecisos é pela rejeição, o que reforça a leitura de que o processo não deve prosperar no Senado.
Para o cientista político Elias Tavares, o governo Lula não tem maioria folgada, mas consegue barrar iniciativas com o apoio de partidos como PSD, MDB e parte do União Brasil. Já a oposição, embora articulada, não consegue alcançar os 54 votos exigidos para o afastamento no atual cenário. “Hoje esse pedido tem uma chance muito remota de acontecer e avançar no Senado. Alcolumbre tem sinalizado uma postura de preservar o equilíbrio institucional”, afirma.
Tavares ainda ressalta que a movimentação visa marcar posição, alimentar narrativas e mobilizar a base de apoio oposicionista, especialmente entre os eleitores do ex-presidente Jair Bolsonaro. “É um movimento simbólico e retórico, que tensiona a relação com o STF e ativa a base. Mas não há ambiente político para que esse processo avance”, avalia.
Embora a Constituição traga previsão de impeachment de ministros do STF e estabeleça um rito claro, o processo depende da decisão política do presidente do Senado. “Mesmo com base legal, o impeachment de um ministro do Supremo depende diretamente da correlação de forças políticas do Senado”, diz Tavares.
VEJA TAMBÉM:
-
Por que Alcolumbre não pauta o impeachment de Moraes
-
Pressão por anistia e impeachment de Moraes escalam crise no Congresso
Blindagem política no Senado deve travar votação
No atual cenário, o governo Lula e seus aliados têm margem de segurança para barrar o avanço do processo, mesmo que o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), eventualmente resolva pautar o pedido. Ao menos 19 senadores já declararam oposição à iniciativa, entre eles parlamentares do PT, PDT, PSB, PSD e MDB. Alguns deles são nomes fortes da base governista, como o líder do governo no Congresso, Randolfe Rodrigues (PT-AP), e o ex-governador da Bahia Jaques Wagner (PT-BA).
Segundo relatos de governistas, Alcolumbre minimizou a mobilização da oposição, e teria afirmado que as assinaturas não influenciarão na sua decisão. O senador Randolfe Rodrigues disse que “o presidente Davi deixou claro que o Senado não vai se curvar à chantagem”. “O que está acontecendo é uma chantagem com o uso da força, que não será aceito e não será admitido”, declarou após reunião de líderes.
Na mesma linha, o senador Cid Gomes (PSB-CE) afirmou que a movimentação não deve prosperar e reforçou a confiança na condução de Alcolumbre: “O senador Davi é experiente e sabe separar o barulho da realidade. Ele não vai se deixar pressionar.”
Até mesmo senadores da oposição demonstram ceticismo sobre a viabilidade do pedido. Ciro Nogueira (PP-PI), ex-ministro da Casa Civil de Bolsonaro, reconheceu a fragilidade do cenário. “Sinceramente só entro em impeachment quando puder acontecer, como foi o caso da Dilma. O Congresso não tem 54 senadores para aprovar um impeachment”, disse. Nogueira ainda comentou a pressão sobre Alcolumbre: “Mesmo que houvesse 80 assinaturas, ele não abriria o processo.”
Alcolumbre ainda não deu sinais claros se irá pautar ou não o pedido de impeachment. Porém, o senador afirmou que não se trata de uma “questão meramente numérica, mas de uma avaliação jurídico-politica, que envolve justa causa, prova, adequação legal e viabilidade”.
“A decisão cabe ao presidente do Senado, no exercício de suas prerrogativas constitucionais. Em respeito ao diálogo democrático e atenção à oposição, reafirmo que qualquer pedido será analisado com seriedade e responsabilidade”, disse Alcolumbre em entrevista ao g1, na sexta-feira (8). Mais uma vez, o senador recorreu ao artifício protelatório de condicionar a decisão à análise da assessoria jurídica, que sempre leva à gaveta.
Além dos senadores petistas e aliados diretos do Planalto, nomes de partidos do Centrão com bom trânsito no governo também já sinalizaram contrariedade ao movimento, como Omar Aziz (PSD-AM) e Otto Alencar (PSD-BA).
O senador Fabiano Contarato (PT-ES) também criticou a ofensiva contra Moraes e classificou o pedido de impeachment como uma tentativa de deslegitimar o exercício regular da magistratura. Para ele, o ministro cumpre seu papel ao conduzir julgamentos relacionados aos “atos que colocaram em risco a democracia brasileira”. “Não cabe destituir um ministro do Supremo Tribunal Federal pelo exercício regular da jurisdição”, afirmou o petista.
Contarato destacou que as decisões de Moraes têm sido respaldadas pelos demais ministros do STF, e que eventuais discordâncias jurídicas devem ser tratadas nos meios legais apropriados, não por “medidas políticas, chantagens ou ameaças” que colocam em risco a independência entre os Poderes. Ele também demonstrou confiança de que o processo será barrado ainda na fase inicial. “Confio na serenidade e no compromisso institucional do presidente do Senado para que esses pedidos infundados não prosperem”, disse.
Em contrapartida, o senador Esperidião Amin (PP-SC) celebrou o apoio público de 41 senadores ao pedido de impeachment de Moraes, o “que parecia impossível há pouco tempo”. Para ele, o número ainda precisa crescer para garantir margem de segurança diante de pressões governistas, mas os 41 já condicionariam a postura do presidente do Senado, hoje contrário à pauta.
“Teremos de continuar pressionando, valorizando o princípio democrático de ser maioria, e contando com um fator a mais nesta equação: o que se descobre sobre a atuação de Moraes, com os novos vazamentos de conversas com assessores, revela uma arbitrariedade que escandaliza o mundo. Os fatos trabalham a nosso favor”, opinou.
O último a se declarar favorável pelo impeachment de Moraes foi o senador Laércio Oliveira (PP-SE). Seu partido, o PP, integra a base do governo Lula. Mas grupos conservadores indicam que seu posicionamento recente se aproxima da linha crítica ao STF e a Moraes, já que em abril de 2024 Bolsonaro esteve em Aracaju (SE), e o senador Laércio Oliveira acompanhou o ex-presidente em todo o trajeto.
Cenário é limitado para oposição, avalia especialista
O cientista político e professor Ricardo Caldas, da Universidade de Brasília (UnB), avalia que o cenário é limitado para a oposição. Ele afirma que o pedido pode até avançar inicialmente, mas cita que a oposição está longe de alcançar o número necessário para o afastamento de Moraes. “A oposição não possui os votos para a perda do cargo”, afirma Caldas.
Ainda assim, ele não descarta um desfecho inusitado: “Pelo caráter inédito do caso e pela pressão pública crescente — inclusive nas redes sociais, rádio e TV — seria possível que o ministro renunciasse antes do final do processo, como fez Fernando Collor durante o seu processo de impeachment. Isso poderia poupar sua imagem e, sobretudo, preservar a exposição dos familiares, que já estariam sob escrutínio e com suas carreiras ameaçadas”, analisa.
Caldas ainda destaca que o pedido de impeachment contra Alexandre de Moraes tem fundamentos tanto jurídicos quanto políticos. Ele aponta que há indícios de crime de responsabilidade por parte do ministro, como a restrição de direitos políticos sem o devido processo legal, em referência ao ex-presidente Jair Bolsonaro, e a falta de probidade administrativa, mencionando o episódio em que Moraes fez um gesto obsceno contra um torcedor, em um estádio de futebol.
”[Moraes] condenou quase 2 mil pessoas à prisão sem o devido processo legal. A tentativa de golpe não se qualificou como tal, pois as pessoas não estavam armadas”. Além disso, usou o seu gabinete para perseguição política de alvos selecionados – a oposição – sem um claro objeto de investigação”, diz.
Do ponto de vista político, o cientista afirma que o uso da máquina do Judiciário para perseguir opositores “sem objeto de investigação claro” compromete a legitimidade das ações de Moraes. “Não permitiu aos réus ampla defesa”, critica.
Por outro lado, na avaliação de Tavares, falta base jurídica consistente no pedido, que está sendo usado como instrumento de pressão política, o que pode dificultar o andamento do processo. “A maior parte dos argumentos até agora é de contestação a decisões judiciais. E isso, por si só, não configura crime de responsabilidade. Se fosse assim, qualquer decisão que desagradasse uma parte poderia levar a um pedido de impeachment. E esse não é o espírito da lei”, afirma.
Fonte: Gazeta