O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) até pode estar usando de bravatas em seu discurso contra o tarifaço imposto por Donald Trump ao Brasil, mas o que vem prevalecendo é uma postura mais pragmática liderada pelo vice-presidente e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, Geraldo Alckmin (PSB).
Negociar é a prioridade de Alckmin e não a retaliação
A prioridade do Brasil não é retaliar, mas sim “resolver” a questão e ampliar o número de setores isentos das taxas. A estratégia, que busca um cenário de “ganha-ganha”, será acompanhada por um pacote de socorro a exportadores, a ser anunciado nos próximos dias pelo presidente Lula.
Alckmin deixou claro em São Paulo que a elevação de tarifas é um jogo de “perde-perde”, pois quem acaba pagando a conta é o consumidor. O vice-presidente classificou a tarifa americana como “extremamente injusta” e com uma “base jurídica totalmente fraca”.
A crítica se baseia na grande disparidade comercial: a tarifa média brasileira sobre produtos americanos é de apenas 2,7%, com oito de cada dez produtos dos EUA entrando no Brasil sem imposto. A americana pode superar os 30% com o tarifaço, aponta o Itaú.
Os setores já isentos e a batalha pelo restante
Apesar da medida, já há resultados nas negociações. Alckmin destacou que 45% dos setores de exportação brasileiros já foram excluídos do tarifaço. Entre os produtos de alto valor agregado que ficaram de fora, estão aviões, suco de laranja e celulose. É no restante do percentual que o governo concentra seus esforços e negociações.
Para mitigar o impacto sobre as empresas brasileiras, o presidente Lula deve anunciar uma série de medidas. As expectativas no setor exportador incluem linhas de crédito com juros subsidiados, o adiamento de cobranças de tributos e contribuições federais, e a possibilidade de compras públicas de mercadorias perecíveis.
O foco do socorro será nas empresas que mais exportam para os Estados Unidos e que foram mais severamente atingidas. A equipe econômica está analisando a situação de cada empresa para delimitar as medidas.
Além das negociações atuais, o governo brasileiro sinaliza que futuros diálogos bilaterais com os Estados Unidos podem abordar temas mais amplos. O vice-presidente Alckmin mencionou a regulação de big techs, o acesso a minerais críticos e a política de data centers como possíveis pontos de discussão. Essa abertura demonstra a intenção do Brasil de buscar uma relação comercial mais equilibrada e abrangente com os americanos, que compram produtos de valor agregado como aviões, autopeças, máquinas e motores.
A motivação por trás do tarifaço de Trump não é puramente econômica, mas sim política. A medida é vista como uma resposta à fúria do ex-presidente americano com o julgamento de Jair Bolsonaro, seu aliado, por tramar um golpe. Trump classificou o processo como uma “caça às bruxas”.
A instrumentalização do comércio para interferir em assuntos internos de outro país, como no caso brasileiro, reforça a percepção de que as tarifas são arbitrárias e carecem de base legal sólida, como ressaltou Alckmin: “Não se pode fazer política regulatória baseada em questões de natureza político-partidária”.
A postura brasileira de não retaliação, focada na negociação e no apoio aos exportadores, busca contornar um embate que poderia ser prejudicial aos dois lados, enquanto tenta proteger os interesses nacionais diante de uma medida que o governo considera injustificada.
O “custo-benefício” americano na escolha das exceções às tarifas de Trump para o Brasil
Analistas ouvidos pela Gazeta do Povo apontam que também houve um certo pragmatismo dos Estados Unidos na hora de elaborar a lista de exceções ao tarifaço: preservar produtos essenciais para suas cadeias produtivas. Os 694 itens isentos representam 45% do valor total exportado pelo Brasil aos EUA em 2024, incluindo derivados de petróleo, pasta química de madeira, ferro fundido bruto, aeronaves e sucos de laranja.
“A decisão não é ideológica nem simbólica. Segue a lógica do custo-benefício”, analisa Hugo Garbe, professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie. “Os EUA pouparam produtos dos quais dependem para manter sua economia funcionando. Para o resto, o recado é direto: ‘precisamos de vocês, por enquanto’.”
Petrobras e Embraer figuram entre as principais beneficiadas. A fabricante de aeronaves obteve isenção para componentes específicos, resultado tanto da dependência americana de peças brasileiras quanto da articulação estratégica de seu CEO, Francisco Gomes Neto. O setor de suco de laranja também manteve acesso privilegiado ao mercado americano, dado que os EUA não dispõem de alternativas de fornecimento para compensar a oferta brasileira.
O impacto das tarifas de Trump no Brasil
Estudo detalhado da Federação das Indústrias de Minas Gerais (Fiemg) projeta uma redução de R$ 25,8 bilhões no PIB brasileiro no curto prazo (1 a 2 anos), perda de 146 mil postos de trabalho formais e informais e uma redução de R$ 2,74 bilhões na renda das famílias.
No longo prazo (5 a 10 anos), as perdas podem alcançar R$ 110 bilhões, com eliminação de mais de 618 mil postos de trabalho e redução de R$ 11,56 bilhões na renda das famílias. Além dos segmentos industriais e agropecuários, os impactos adversos se estendem a setores sensíveis à renda das famílias, como atividades imobiliárias, saúde, saneamento e construção, refletindo o efeito sobre o consumo de bens e serviços.
Fonte: Gazeta