Na esteira do tarifaço anunciado por Donald Trump, que passará a valer em 6 de agosto, a inclusão do ministro Alexandre de Moraes na lista de autoridades sancionadas pela Lei Global Magnitsky, ocorrida na quarta-feira (30), representa uma escalada inédita na já desgastada relação entre Estados Unidos e Brasil.
A sanção contra o ministro visa isolá-lo do sistema financeiro, de serviços e de empresas ligadas aos Estados Unidos. Se o STF tentar retaliar a decisão obrigando instituições privadas que operam no Brasil a atender Moraes, um cenário de insegurança jurídica e atrito institucional profundo deve se configurar no país, segundo analistas ouvidos pela Gazeta do Povo.
“O Brasil corre um risco muito grande de ver seu sistema financeiro comprometido”, afirma cientista político Elton Gomes, professor da Universidade Federal do Piauí (UFPI). Ou seja, se Alexandre de Moraes for bloqueado como correntista em bancos com operações nos Estados Unidos e decidir acionar a Justiça em causa própria, o cenário pode se agravar. “Os bancos brasileiros — Bradesco, Itaú, seja qual for — serão obrigados a encerrar a conta dele”, prevê o professor. Caso contrário, poderiam ser alvo de “retaliações muito severas” por parte dos EUA.
“Qualquer empresa que venda um produto, ofereça um serviço ou emita uma passagem para uma pessoa sancionada sob a Magnitsky pode ser punida com multas pesadas e julgada à revelia nos Estados Unidos.”
A Lei Global Magnitsky, incorporada ao ordenamento americano, é utilizada para punir financeiramente estrangeiros considerados violadores de direitos humanos ou envolvidos em corrupção. A sanção prevê o bloqueio de todos os bens do sancionado que estejam nos EUA ou sob controle de cidadãos norte-americanos. A medida foi adotada após o governo americano revogar, no último dia 18, o visto do magistrado, de “aliados” no STF e de seus familiares.
Em comunicado, o Escritório de Controle de Ativos Estrangeiros (OFAC) justificou que Moraes usou seu cargo para autorizar detenções arbitrárias e suprimir a liberdade de expressão. “Alexandre de Moraes assumiu a responsabilidade de ser juiz e júri em uma caça às bruxas ilegal contra cidadãos e empresas americanas e brasileiras”, afirmou o secretário do Tesouro, Scott Bessent.
As tarifas e a sanção contra Moraes contrastam com a diplomacia iniciada no século XIX. Em 26 de maio do ano passado, ambos os países comemoraram 200 anos de relações diplomáticas. Os EUA foram um dos primeiros países a reconhecerem a independência do Brasil, ocorrida em 1822, e enviaram o primeiro diplomata residente na América Latina dois anos depois, em 1824.
Segundo o especialista em relações internacionais Marcelo Suano, as medidas refletem mudança na percepção estratégica dos EUA sobre o Brasil. “A Lei Magnitsky e a taxação são complementares na avaliação de que o Brasil serve de plataforma para inimigos estratégicos”, diz Suano. Ele acusa o governo brasileiro de “propiciar espaços a essas forças” e de práticas autoritárias.
Suano afirma que tais ações compõem um cenário em que “autoridades agem ilegal e inconstitucionalmente para calar seu povo e massacrar a oposição”, fazendo de Alexandre de Moraes símbolo desses desvios e abusos.
Oficialização do tarifaço dificulta negociações entre Brasília e Washington
A publicação da tarifa de 50% sobre produtos brasileiros, também nesta quarta-feira, agrava ainda mais as relações comerciais e sinaliza que propostas fora dos termos definidos por Trump podem ser desconsideradas pela administração americana. Na terça-feira (29), o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) dizia que buscava negociar alternativas em paralelo à avaliação de um plano de contingência.
Elaborado pelo vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB) e pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), o documento visa amparar as empresas brasileiras mais afetadas pelo “tarifaço”. “A orientação do governo era negociar”, disse Haddad.
O decreto de Trump mencionou ainda o julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e citou que ele sofre “perseguição, intimidação, censura e um processo politicamente motivado” pelo governo brasileiro. Trump condenou as ações de Moraes, afirmando que desde 2019 o ministro “abusa de sua autoridade judicial para ameaçar, atingir e intimidar oponentes políticos, proteger aliados corruptos e reprimir dissidências, com prejuízo a empresas americanas no Brasil.”
Apesar de Lula alegar querer o diálogo, segundo o cientista político Adriano Cerqueira, do Ibmec BH, suas críticas reiteradas a Trump comprometeram uma negociação sólida. “A negociação era para ter sido iniciada de forma séria desde a primeira carta de Trump ao Brasil”, afirma. Segundo Cerqueira, o presidente brasileiro recorreu a “bravatas” e “patriotadas” em busca de apoio popular.
Desde o anúncio da taxação, em 9 de julho, Lula alternou o tom das críticas. Inicialmente, ameaçou adotar a Lei de Reciprocidade para impor tarifa de 50% sobre produtos americanos, mas recuou. No dia 13, chegou a propor presentear Trump com jabuticaba para resolver o impasse. Em 17 de julho, declarou que o presidente dos EUA “não foi eleito para ser imperador do mundo”.
Parlamentares da oposição celebram sanção a Moraes como resposta à “omissão” do Senado
A inclusão de Moraes na Lei Magnitsky repercutiu positivamente entre parlamentares da oposição. O deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) afirmou que a medida representa “justiça” e “dignidade”, ressaltando que “abusos de autoridade agora têm consequências globais”.
Para o líder do PL na Câmara, Sóstenes Cavalcante (RJ), “o que o Senado brasileiro não teve coragem de fazer, os EUA fizeram com força”. Ele acusou Moraes de “rasgar a Constituição, pisar no devido processo legal, calar brasileiros e censurar jornalistas.”
A deputada Carol De Toni (PL-SC) destacou que a lei americana mais dura contra violadores de direitos humanos foi aplicada a uma autoridade brasileira: “É a resposta internacional aos abusos, à censura e à perseguição política que o Brasil vive.”
Já o deputado Marcel Van Hattem (Novo-RS) comemorou. “Saiu. Alexandre de Moraes sancionado com a Global Magnitsky. A luz no fim do túnel começa a aparecer!”, sugerindo que a medida pode marcar um ponto de virada.
Para Nikolas Ferreira (PL-MG), “a aplicação da Lei Magnitsky pelos EUA é um marco na denúncia internacional contra abusos de autoridade no Brasil” e defendeu anistia e impeachment do magistrado.
Lula reage a tarifaço de Trump
Em reação à oficialização da tarifa sobre produtos brasileiros, Lula afirmou que para ele “hoje é o dia sagrado da soberania”. Ele também afirmou que irá se reunir com ministros para discutir a situação.
“Eu estou saindo daqui completo porque eu vou me reunir ali para defender outra soberania. A soberania do povo brasileiro em função das medidas anunciadas pelo Presidente dos Estados Unidos. Então, hoje, para mim, é o dia sagrado da soberania, de uma soberania de coisas que eu gosto”, disse Lula durante a sanção da lei que veda o uso de animais em pesquisa e testes com cosméticos.
Os ministros convocados foram Fernando Haddad (Fazenda), Gleisi Hoffmann (Secretaria das Relações Institucionais), Jorge Messias (Advocacia-Geral da União), Geraldo Alckmin (vice-presidente e ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio) e Sidônio Palmeira (Secretaria de Comunicação).
Em entrevista ao jornal The New York Times, o petista voltou a criticar Trump pela taxação e exigiu que fosse tratado com respeito pelo presidente dos Estados Unidos. “Estamos tratando isso com a máxima seriedade. No entanto, seriedade não significa subserviência. Eu trato todos com grande respeito, mas quero ser tratado com respeito também”, disse Lula ao NYT.
Ministros do governo petista criticam sanções a Moraes
A ministra das Relações Institucionais, Gleisi Hoffmann (PT), afirmou que a decisão do governo dos Estados Unidos de sancionar o ministro Alexandre Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), é um “ato violento e arrogante”.
“A nova sanção do governo Trump ao ministro Alexandre de Moraes é um ato violento e arrogante. Mais um capítulo da traição da família Bolsonaro ao país. Nenhuma nação pode se intrometer no Poder Judiciário de outra. Solidariedade ao ministro e ao STF. Repúdio total do governo Lula a mais esse absurdo”, criticou, por meio de uma publicação nas redes sociais.
Já o ministro da Advocacia-Geral da União, Jorge Messias, declarou que a aplicação da Lei Magnitsky contra Moraes “representa um grave e inaceitável ataque à soberania do nosso país”.
Por meio de nota, ele disse que “todas as medidas adequadas, que são de responsabilidade do Estado brasileiro para salvaguardar sua soberania e instituições, especialmente em relação à autonomia de seu Poder Judiciário, serão adotadas”.
Fonte: Gazeta