A Lexum, associação fundada por juristas renomados contra o autoritarismo do Supremo Tribunal Federal (STF), divulgou nesta segunda-feira (28) uma resposta incisiva e crítica à “Carta em Defesa da Soberania Nacional”, da Faculdade de Direito do Largo São Francisco, da Universidade de São Paulo (USP). Para a Lexum, a missiva da USP padece de uma “confusão” ao invocar a soberania como se “fosse um atributo do Estado e não um limite do seu poder”.
Assinada por uma diversidade de profissionais, incluindo juristas, advogados, economistas, jornalistas e empresários, a carta resposta ressalta que “soberania, em uma república constitucional, não é sinônimo de imunidade política, nem de autoridade moral incondicionada. Tampouco é o direito de violar direitos”. Entre os signários estão o jutista André Marsiglia, o engenheiro Helio Beltrão, presidente do Instituto Mises Brasil, ambos fundadores da Lexum; e o jornalista Rodrigo Constantino.
O documento da entidade de juristas, intitulado “Carta Aberta à Faculdade de Direito: Soberania e Moralidade”, destaca que a Faculdade, nos últimos anos, tem se mostrado “partidária e enviesada, ainda que revestida do discurso de defesa de princípios universais”.
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A carta da USP foi elaborada em meio ao tarifaço anunciado pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, contra o Brasil. Além de apresentar motivos comerciais, o republicano criticou o julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) no Supremo Tribunal Federal (STF), bem como decisões do ministro Alexandre de Moraes contra plataformas digitais, consideradas uma forma de “censura” às empresas.
A Faculdade de Direito do Largo São Francisco alegou que a soberania brasileira estaria sendo atacada “de maneira vil e indecorosa” por “intromissões estranhas à ordem jurídica nacional”, sem citar diretamente os Estados Unidos. A Lexum apontou que a instituição faz o “uso instrumental de conceitos como soberania e democracia para fins ideológicos e seletivos”.
“Se há algo que fere a soberania do Brasil, não é a crítica vinda de fora. É o autoritarismo que brota de dentro – e o silêncio cúmplice de quem só se indigna quando lhe convém”, afirma a Lexum. A soberania que merece respeito internacional, segundo a entidade, é aquela que nasce da fidelidade a princípios universais como liberdade, justiça e igualdade perante a lei, e não da negação desses princípios em nome de um “projeto de nação” vago e impositivo.
No documento, a Lexum contesta a alegação de que o Brasil estaria sendo vítima de uma “intromissão externa” indecorosa, destacando que a suposta intromissão é, na verdade, o “exercício legítimo da crítica democrática e da responsabilização internacional” quando um Estado se afasta de seus compromissos com direitos fundamentais e a lisura institucional. Os juristas argumentam que as nações “não são ilhas morais”, e a soberania contemporânea convive com deveres que transcendem fronteiras: o dever de proteger, respeitar e prestar contas.
“Miopia” e “silêncio”
Além disso, apontam que a Faculdade de Direito da USP ignora a ausência de “violência efetiva, grave ameaça, ou arbítrio” contra o território ou autoridades brasileiras, pontuando que sanções econômicas são prerrogativas de outras nações no exercício de sua própria soberania e devem ser tratadas pela via diplomática, e não por “bravatas de togados”.
“Em sua miopia, os signatários da carta da USP preferem não enxergar que só tornaremos a ser soberanos se, e quando retomarmos o primado da Constituição e das leis, em detrimento dos caprichos dos detentores do poder”, afirma a Lexum. A entidade questiona, ainda, se o motivo da “miopia” seria a “preservação do status quo”.
“Quando se coloca outros interesses acima da verdade e da justiça, a soberania deixa de ser uma questão de princípio e passa a ser um meio de preservar privilégios”, declara a Lexum. Os signatários sugerem que, em vez de “bradar contra deliberações soberanas de outras nações”, os defensores da soberania deveriam voltar seus olhos para as “anomalias que vêm marcando a atuação das instituições” brasileiras.
A Lexum listou uma série de questões em que as instituições que agora defendem a soberania teriam permanecido em “silêncio histórico”:
- A instauração de inquéritos sem vítima, sem provocação e sem Ministério Público, como o inquérito das fake news, conhecido como “inquérito do fim do mundo”, sob a relatoria de Moraes;
- A violação do princípio da legalidade para sustentar “prisões políticas”, como o caso da cabeleireira Débora Rodrigues, condenada a 14 anos de prisão por escrever “perdeu, mané” com batom na estátua da Justiça;
- A censura a jornalistas, perfis e a criminalização da crítica sob o manto da “desinformação”, transformando a liberdade de expressão em “concessão discricionária”.
“Todo controle vira agressão. Toda crítica é colonização”, aponta Lexum
A carta resposta adverte sobre uma “lógica perigosamente coletivista”, onde o povo se confunde com o Estado, a Constituição se reduz à vontade majoritária e os direitos individuais passam a depender da estabilidade institucional. Argumenta que a verdadeira soberania “é a que reconhece que o poder político deve obediência aos direitos dos indivíduos, e não o contrário”.
“A narrativa da ‘soberania atacada’ busca desviar o foco do verdadeiro ponto sensível: a erosão das garantias individuais, a captura de instituições e a instrumentalização política da legalidade”, destaca a Lexum, apontando que a mesma carta que invoca o direito à ampla defesa e ao devido processo “ignora seletivamente os sinais de abusos de poder e de disfunções estruturais no sistema de justiça”.
“Mais que isso: transforma qualquer tentativa externa de escrutínio – jurídico, político ou diplomático – em ameaça à pátria. Nesse tipo de discurso, toda discordância vira traição. Todo controle vira agressão. Toda crítica é colonização”, diz a associação. Leia a íntegra da carta da Lexum, aqui.
Fonte: Gazeta