Desde o início do governo de Tarcísio de Freitas (Republicanos) em São Paulo, partidos de esquerda, entidades dominadas por esse campo ideológico e corporações ligadas ao funcionalismo público têm empreendido contra a gestão paulista uma estratégia de ataque político semelhante ao que foi implementado contra o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) no Executivo federal.
Em diversas ações no Supremo Tribunal Federal (STF), PT, PSOL, PV, sindicatos e associações têm atuado junto aos ministros para derrubar políticas públicas empreendidas pelo governador, muitas delas inspiradas no governo de Bolsonaro, seu padrinho político.
Dentro da Corte, as respostas a esses pedidos variam, a depender do ministro sorteado para analisar os processos. Tarcísio é apontado como um dos favoritos, dentro da direita e do centro, para disputar a Presidência contra o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em 2026.
No STF, há ações em múltiplas frentes, em áreas importantes, como segurança pública, saúde, educação e saneamento básico, mas também em questões simbólicas – caso de uma ação que busca anular a nomeação de um viaduto. O empenho de alguns ministros do STF em analisar a fundo algumas de suas políticas indica, desde agora, uma disposição semelhante à que tiveram com relação a Bolsonaro.
Nesta reportagem, elencamos 10 ações, apresentadas desde 2023, contra medidas do governo Tarcísio que tramitam no STF, com maior relevância política.
Câmeras policiais
Desde 2024, o STF acompanha de perto e estabelece diretrizes para a instalação e o uso de câmeras corporais pelos policiais militares de São Paulo. O caso teve início após a Defensoria Pública estadual acionar a Corte para evitar mudanças no modelo do programa, que permitia aos agentes interromper as gravações, o que poderia dificultar o controle externo e a apuração de eventuais abusos de autoridade.
Em dezembro do ano passado, o presidente do STF, Luís Roberto Barroso, atendeu ao pedido da Defensoria e determinou o uso obrigatório das câmeras em operações de grande porte, em incursões em comunidades vulneráveis e em ações de resposta a ataques contra policiais militares, priorizando batalhões com maior letalidade policial.
Barroso também determinou a recomposição do número mínimo de câmeras, a adoção de critérios técnicos para sua distribuição e a apresentação mensal de relatórios públicos de uso e fiscalização.
Em 2025, após audiências de conciliação intermediadas pelo Núcleo de Solução Consensual de Conflitos (Nusol) do STF, o governo paulista, a Defensoria, o Ministério Público e entidades de direitos humanos firmaram acordo, homologado por Barroso em maio, que prevê a ampliação do número de câmeras corporais em 25%, totalizando 15 mil equipamentos ainda em 2025. Pelo acordo, 80% do total cobrirão unidades de alta e média prioridade, especialmente em regiões de maior risco.
O acionamento do equipamento será remoto, por bluetooth, manual ou por central de operações, com mecanismos para impedir desligamento proposital e garantir a reativação rápida se a gravação for interrompida.
A Polícia Militar também deverá fortalecer programas de capacitação, editar normas detalhadas sobre o uso dos dispositivos e informar mensalmente o Ministério Público sobre eventuais irregularidades ou descumprimentos.
O STF segue monitorando a implementação da política, exigindo relatórios periódicos ao governo estadual. A decisão da Corte garante que as câmeras continuem obrigatórias em operações sensíveis, e mantém ativa a mediação em caso de novos impasses ou mudanças propostas pelo estado de São Paulo.
Escolas cívico-militares
Em maio de 2024, o PSOL acionou o STF para derrubar a lei estadual, também sancionada por Tarcísio de Freitas, que instituiu o Programa Escola Cívico-Militar em São Paulo. Em junho, o PT também recorreu ao Supremo para suspender o programa.
Em novembro do ano passado, o ministro Gilmar Mendes cassou uma decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) que havia suspendido a lei e o programa.
O programa é combatido por membros da esquerda por estabelecer um modelo pedagógico com presença obrigatória de policiais militares da reserva como monitores escolares. Eles questionam também a interferência estadual em competências da União e direitos constitucionais relacionados à educação.
Além de argumentar que o estado não poderia implementar o modelo, os partidos de esquerda alegam que a presença de policiais nas escolas cria uma cultura militar nos alunos e impede seu desenvolvimento autônomo com a rigidez nas regras de comportamento e estilo pessoal.
O governo estadual diz que a comunidade dos pais sempre é consultada antes da adesão da escola ao programa e que a maioria deles apoia o modelo, por trazer mais segurança e disciplina para os alunos.
Cristiano Zanin e Alexandre de Moraes acompanharam Gilmar Mendes, para manter o programa, mas em maio deste ano Flávio Dino pediu vista e até hoje analisa o assunto.
Agentes penitenciários
Em fevereiro deste ano, a Associação dos Policiais Penais do Brasil acionou o STF para derrubar lei – proposta e sancionada por Tarcísio de Freitas no ano passado – que regulamentou o funcionamento da polícia penal estadual, ou seja, de agentes penitenciários.
A entidade se queixa da subordinação à secretaria estadual, e não ao próprio governador. Também aponta alegadas condições precárias de segurança, com horários irregulares, plantões noturnos e chamadas a qualquer hora.
Os agentes ambém reclamam de obrigações como o comparecimento a convocações durante folgas ou licenças, contestam a possibilidade de suspensão do salário e também punição caso se manifestem publicamente contra atos de autoridades ou decisões.
Cármen Lúcia já pediu manifestações ao governador e à Assembleia Legislativa para julgar a ação, ainda sem data para ser pautada no plenário.
Desestatização da Sabesp
Em julho do ano passado, o presidente do STF, Luís Roberto Barroso, negou um pedido de liminar do PT para suspender o processo de desestatização da Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp).
A ADPF questiona a constitucionalidade da Lei Estadual nº 17.853/2023, que autorizou a venda parcial das ações da Sabesp pelo governo paulista. O PT alega que o processo restringiu a competitividade da oferta pública, pois houve apenas um concorrente, e que as ações foram vendidas por valor inferior ao negociado em bolsa. Também foi apontado possível conflito de interesses envolvendo a presidente do Conselho da Sabesp e participação de empresa ligada à oferta.
Na decisão, Barroso destacou que as alegações de irregularidades demandam investigação detalhada e produção ampla de provas, incompatíveis com a análise preliminar própria de controle abstrato de constitucionalidade. Além disso, ponderou o risco de dano grave ao Estado caso o processo fosse paralisado neste momento, estimando prejuízos financeiros da ordem de R$ 20 bilhões.
A ação tem como relator o ministor Cristiano Zanin, e ainda será levada para julgamento no plenário, com os 11 ministros da Corte.
Saneamento privado
Em outubro de 2023, PSOL e PT acionaram o STF para suspender trechos de um decreto de Tarcísio que alterou regras de votação dos Conselhos Deliberativos das Unidades Regionais de Serviços de Abastecimento de Água Potável e Esgotamento Sanitário (URAEs). Essas unidades são agrupamentos de municípios criados pelos estados para integrar a prestação dos serviços de água e esgoto.
Na ação, os partidos alegaram que as mudanças ampliaram o poder do Estado e das grandes cidades, como a capital paulista, em prejuízo dos demais municípios. Com isso, o decreto prejudicaria cidades menores e concentraria as decisões nas mãos do Estado e do município de São Paulo, especialmente nos contratos com a Sabesp.
Em dezembro de 2023, o ministro André Mendonça rejeitou o pedido de liminar para suspender o decreto. Ele observou que a adesão dos municípios é facultativa e que o modelo de gestão compartilhada segue o novo marco legal do saneamento básico, aprovado pelo Congresso durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro.
Sigilo de documentos
Em abril de 2024, o Partido Verde (PV) ajuizou ação no STF contra trechos de um decreto editado por Tarcísio de Freitas que regulamentou a Lei de Acesso à Informação no estado. Para a legenda, a norma ampliou de forma abusiva o rol de autoridades que podem classificar documentos como secreto, ultrassecreto e com sigilo de cem anos.
O PV argumenta que a medida representa um retrocesso na transparência pública, fere o princípio democrático e o direito fundamental de acesso à informação, além de violar o princípio da publicidade dos atos administrativos.
Em maio do ano passado, o relator, Gilmar Mendes, requisitou informações ao governo paulista e aguarda o posicionamento da Advocacia-Geral da União (AGU) e da Procuradoria-Geral da República (PGR) para prosseguimento da análise.
Anistia a multas da pandemia
Em novembro de 2023, duas ações, uma do PT e outra do PV, chegaram ao STF para derrubar uma lei sancionada por Tarcísio de Freitas que cancelou multas aplicadas a estabelecimentos que descumpriram regras sanitárias na pandemia da Covid-19. As ações rgumentaram que a norma violaria o direito fundamental à saúde.
No mesmo mês, Luiz Fux deu rito abreviado para agilizar o julgamento, solicitando informações ao governador e ao presidente da Assembleia Legislativa, mas rejeitou uma liminar para suspender a norma.
A decisão, que caberá ao plenário do STF, terá repercussão sobre o poder dos estados para instituir medidas de enfrentamento a crises sanitárias e a validade de anistias concedidas em circunstâncias excepcionais.
Castração de pets
Em setembro de 2024, o STF suspendeu parcialmente uma lei proposta pelo governo de Tarcísio de Freitas que regula a criação, venda e bem-estar de cães e gatos.
A ação foi ajuizada pela Associação Brasileira da Indústria de Produtos para Animais de Estimação e pelo Instituto Pet Brasil, que alegam que a lei invade competência da União e impõe regras inviáveis e prejudiciais, como a castração cirúrgica obrigatória e indiscriminada dos filhotes até 4 meses de idade, com exceções restritas.
Em agosto, Flávio Dino suspendeu parte da norma, considerando que haveria consenso científico e jurídico crescente no reconhecimento da dignidade animal e da necessidade de proteção à fauna.
Para o ministro, a castração precoce e obrigatória pode ser prejudicial à saúde dos animais, aumentando riscos de doenças, deformidades e comprometendo a existência de raças. Estudos veterinários e pareceres técnicos indicam que o momento apropriado para castração varia conforme a raça e o contexto individual do animal.
A liminar foi referendada por unanimidade, mas o caso voltará ao plenário do STF para um julgamento final, de mérito.
Folgas para procuradores estaduais
Em junho de 2024, o Novo apresentou ao STF ação para derrubar uma lei proposta por Tarcísio de Freitas que autorizou procuradores (advogados públicos estaduais) a ganhar dias de folga em compensação por excesso de serviço.
O partido destacou que a “licença compensatória” pode custar R$ 100 milhões por ano e desocupar procuradores por um terço do mês, e argumentou que o benefício viola os princípios da moralidade, eficiência e igualdade. Outro problema é a possibilidade de os procuradores venderem a licença para aumentar seus salários.
A ação ainda não foi liberada para julgamento por Cármen Lúcia, que é a relatora.
Homenagem a deputado da ditadura
Em agosto de 2023, PT, PSOL, PDT e o Centro Acadêmico 22 de Agosto contestaram lei estadual, proposta por um deputado do antigo PSL e sancionada por Tarcísio de Freitas, que nomeou um viaduto em Paraguaçu Paulista (SP) como “Deputado Erasmo Dias”.
Os partidos dizem que a homenagem exalta uma figura notória por sua atuação durante a ditadura militar e que teria sido responsável por graves violações de direitos humanos, incluindo tortura.
Eles argumentam que a homenagem afronta princípios fundamentais da Constituição, como a dignidade da pessoa humana, a cidadania e o direito à memória histórica e à verdade. Eles alegam também que a medida representa uma legitimação da ditadura militar e fere o compromisso democrático do país.
Em agosto de 2023, a ministra Cármen Lúcia requisitou informações urgentes ao governador e ao presidente da Assembleia Legislativa, e pediu pareceres da Advocacia-Geral da União e da Procuradoria-Geral da República.
Os autores pedem liminar urgente para suspender imediatamente os efeitos da lei, argumentando que a homenagem causa dano irreparável à sociedade e às vítimas do regime militar.
Em novembro de 2023, Cármen Lúcia incluiu no processo, como interessados, a Central Única dos Trabalhadores (CUT), o Partido Verde (PV) , o Centro Santo Dias de Direitos Humanos e a Força Sindical. Ainda não houve decisão do plenário do STF sobre o caso.
Fonte: Gazeta