Em meio às restrições impostas ao ex‑presidente Jair Bolsonaro (PL) pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), e à ausência física do deputado licenciado Eduardo Bolsonaro (PL‑SP), que está nos Estados Unidos, a ex‑primeira‑dama Michelle Bolsonaro deverá se equilibrar entre representar o marido à frente do Partido Liberal e convencer aliados de sua capacidade de articulação política.
A recente fala do pastor Silas Malafaia sobre a ex‑primeira‑dama como ícone do movimento conservador evidenciou o tipo de divergência que Michelle terá que lidar para se cacifar como opção política para ser candidata à Presidência da República em 2026 no lugar do marido. Bolsonaro está inelegível até 2030 por decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
“Não acredito que a Michelle vai ser a grande voz do público conservador, porque há várias vozes. A Michelle conseguiu capilaridade por ela mesma. As pessoas, no mundo político, conquistam seu espaço pelas ações e atitudes”, disse Malafaia em entrevista publicada no portal Metrópoles nesta quarta‑feira (23).
O comentário de Malafaia vai na contramão do que parte do partido defende. Em coletiva de imprensa na última sexta‑feira (18), a senadora Damares Alves (PL‑DF), uma das principais aliadas de Michelle, afirmou que “a direita deve se unir em torno do nome de Michelle, que será “nova líder da grande nação conservadora””.
“Eu vi nascer da humilhação, da perseguição, a maior líder que esta nação poderia esperar”, disse Damares. “Encontraram lá uma mãe que, como uma leoa, brigou por sua filha e, como uma esposa, lutou pelo seu lar. Mas da humilhação nasceu uma grande líder. Bolsonaro vai se calar neste momento, mas quem vai nos conduzir é a maior líder da oposição, a maior líder da nação conservadora”, completou a parlamentar.
Apesar das declarações da senadora e do pastor, o futuro político de Michelle também encontra incertezas pela formação de outras candidaturas de direita ao Palácio do Planalto. Inicialmente, sua candidatura ao Senado Federal pelo Distrito Federal era vista como o caminho natural para reforçar o nome Bolsonaro na Casa Alta. Mas a expectativa de uma eventual prisão do marido já faz com que uma disputa presidencial também seja cogitada.
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Voto feminino e traquejo político são avaliados como prós e contras de Michelle
Como presidente do PL Mulher, a ex‑primeira‑dama já vinha atuando como articuladora política em busca do voto feminino. Desde que voltou ao Brasil em 2023, ela vem realizando viagens, abrindo diretórios do partido e participando das manifestações ao lado do marido.
Apesar da atuação, as ressalvas de membros do PL decorrem da pouca experiência de Michelle em negociar temas de grande relevância. Em reserva, um interlocutor do partido contou que o “traquejo político” da ex‑primeira‑dama ainda precisa ser desenvolvido e que um cargo no Senado seria a oportunidade perfeita.
Nesse sentido, os senadores Rogério Marinho (PL‑RN) e Flávio Bolsonaro (PL‑RJ), os deputados federais Sóstenes Cavalcante (PL) e Altineu Côrtes (PL‑RJ), bem como Valdemar Costa Neto, presidente nacional da legenda, continuariam como articuladores dentro do Congresso Nacional.
Por outro lado, aliados reconhecem que a figura feminina de Michelle é um grande ativo político que pode ser usado em uma disputa contra o governo em 2026. Os números seguem essa direção: antes da crise tarifária entre Brasil e Estados Unidos, a ex‑primeira‑dama apresentava desempenho competitivo frente a Lula.
Pesquisa Quaest* publicada em junho mostrava empate técnico entre Lula e Michelle (43% x 39%), enquanto pesquisa deste mês, do mesmo instituto**, indicou 36% para Michelle contra 43% para Lula.
Apesar da oscilação na disputa contra Lula, a Quaest também mostrou que Michelle segue empatada com o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), como alternativa a Bolsonaro, ambos com 15%. Na pesquisa anterior, Tarcísio tinha 17% e Michelle, 13% – empatados dentro da margem de erro do levantamento.
Michelle Bolsonaro terá que conquistar eleitores sem a sombra do ex-presidente
Na avaliação do cientista político Adriano Cerqueira, o principal desafio de Michelle será demonstrar autonomia e conquistar a confiança dos eleitores, especialmente se o ex‑presidente for preso.
“Para ela, o maior desafio será se impor na ausência de Bolsonaro, já que, preso, ele não terá grande capacidade de influência. Mas, quem mais [está em contato com o ex-presidente] é a própria Michelle — e, se o ex‑presidente quiser emplacá‑la, seu principal trunfo será esse apoio nos bastidores e o desempenho dela nas urnas.”
O especialista também cita os pontos fortes de Michelle: “ser mulher, articulada e muito religiosa torna‑a atraente para o eleitorado evangélico – talvez até mais do que o marido. Se ela conseguir capturar parte do eleitorado feminino que costumava fugir de Bolsonaro em favor de Lula, aumenta consideravelmente suas chances”, disse Cerqueira.
Ex‑primeira‑dama se destaca como opção menos “beligerante”
Para o cientista político Alexandre Bandeira, professor da ESPM, Michelle tem se consolidado como uma figura política com apelo além da base tradicional do ex‑presidente. Para ele, sua imagem mais moderada e menos desgastada pode ser um diferencial importante nas próximas eleições.
“Michelle é uma reconstrução do bolsonarismo menos beligerante, com menor rejeição e mais apta a alcançar o eleitorado independente – que não se preocupa em votar na direita ou na esquerda”, disse o cientista político.
Bandeira também destaca que o surgimento de nomes alternativos, como os dos governadores aliados de Bolsonaro, pode ser um desafio para Michelle em uma eventual disputa presidencial.
“Existe hoje no país uma direita que acredita que não é igual a Bolsonaro. Daí nomes como o do governador de São Paulo, Tarcísio Freitas, e o de Goiás, Ronaldo Caiado, despontam como alternativa. Em um cenário com tantas possibilidades, a probabilidade de as partes não abrirem mão de suas posições é real, o que pode dividir o voto da direita e favorecer uma candidatura de esquerda.”
Atuação nas eleições municipais ampliou visibilidade de Michelle
À frente do PL Mulher, Michelle Bolsonaro assumiu papel estratégico nas eleições municipais, tornando-se uma das principais vozes do conservadorismo feminino no país. Sua atuação envolveu viagens, articulações e discursos em eventos locais, como no Rio Grande do Sul, para apoiar candidaturas alinhadas aos valores do partido.
Na época, ela participou de agendas em Porto Alegre, Canoas, Caxias do Sul e Pelotas a convite do deputado federal Luciano Zucco (PL‑RS) e da presidente do PL Mulher RS, Adriane Cerini.
Ela também realizou agendas em outras oito capitais. No primeiro turno, seis candidatos do PL que tiveram eventos com a ex‑primeira‑dama avançaram ao segundo turno: Bruno Engler (PL), em Belo Horizonte (MG); Fred Rodrigues (PL), em Goiânia (GO); Delegado Éder Mauro (PL), em Belém (PA); Marcelo Queiroga (PL), em João Pessoa (PB); Mariana Carvalho (União Brasil), em Porto Velho (RO); e Capitão Alberto Neto (PL), em Manaus (AM).
Outros dois candidatos que fizeram agendas com Michelle garantiram a reeleição ainda no primeiro turno: Tião Bocalom (PL), em Rio Branco (AC), e Topázio Neto (PSD), em Florianópolis (SC).
Além da mobilização, Michelle impôs diretrizes claras ao segmento feminino da legenda: proibiu coligações do PL Mulher com partidos de esquerda, reforçando a identidade conservadora da sigla. A medida foi interpretada como tentativa de blindar o partido de contradições internas e garantir coesão ideológica.
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Metodologia
*: Contratada pelo banco Genial Investimentos, a Quaest ouviu 2.004 pessoas presencialmente, entre os dias 29 de maio e 1º de junho. O índice de confiança é de 95%. A margem de erro é de 2 pontos percentuais para mais ou para menos.
**: A pesquisa Quaest foi encomendada pela Genial Investimentos e realizada entre os dias 10 e 14 de julho. Foram ouvidas 2.004 pessoas com 16 anos ou mais, em 120 municípios do país. A margem de erro é de 2 pontos percentuais para mais ou para menos.
Fonte: Gazeta