O recuo da desaprovação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) é visto por analistas como um fator que pode motivar o Palácio do Planalto a querer prolongar o impasse tarifário com os Estados Unidos. A imagem do petista registrou uma leve melhora após o governo se posicionar contra a tarifa de 50% imposta a produtos brasileiros pela gestão de Donald Trump.
Pesquisa Quaest divulgada nesta quarta-feira (16) mostrou que a desaprovação do petista oscilou quatro pontos para baixo, no limite da margem de erro, e está em 53%. Já a aprovação subiu três pontos percentuais, chegando a 43% dos entrevistados. O mesmo instituto também avaliou que 72% dos brasileiros entendem que Trump errou ao impor as novas taxas sob o argumento de que há perseguição judicial ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Apenas 19% acreditam que ele está certo.
A Quaest entrevistou 2.004 pessoas de forma presencial entre os dias 10 e 14 de julho. A margem de erro é de dois pontos porcentuais e o índice de confiança é de 95%.
Para além da pesquisa, a percepção de que o atrito com Trump pode trazer benefícios no campo político também encontra eco na reação de agentes do mercado e representantes produtivos. Desde que a taxação foi anunciada para o Brasil, em 9 de julho, Lula tem conversado com setores que até então permaneciam distantes do Executivo, como o agronegócio.
“O Trump, hoje, é o melhor cabo eleitoral de Lula”, afirma o analista político Alexandre Bandeira, professor da pós-graduação em Comunicação de Governo e Sociedade da ESPM. Para ele, o embate com o ex-presidente norte-americano, que inclui críticas ao Pix e a imposição de tarifas, tem favorecido politicamente o presidente brasileiro. “Não só pelo tarifaço, mas agora também pela crítica ao Pix, que é o meio de pagamento mais utilizado no Brasil, seja por pobres ou ricos.”
Segundo Bandeira, o governo tem se beneficiado do conflito sem precisar tomar medidas concretas. “Quanto mais esse atrito resistir, melhor para o presidente brasileiro. Até porque a atuação reside exclusivamente no discurso. Nada de concreto precisa ser feito.”
O analista destaca ainda que, pela primeira vez, o governo Lula conseguiu romper sua bolha de apoio original. “Vemos que, pela primeira vez, o governo federal furou a bolha que o elegeu para conversar com a democracia fluida”, diz, referindo-se ao eleitorado que decide eleições no Brasil. “São pessoas pragmáticas que não se importam em votar em um candidato ou outro, de acordo com o momento político e econômico do país.”
Lula terá que lidar com “jeito Trump” de negociar
Apesar do ganho de popularidade, Lula terá que lidar com o “jeito Trump” de fazer negociação. Sejam inimigos ou aliados, o republicano se utiliza de polêmicas no campo político para influenciar questões econômicas de interesse dos Estados Unidos. A pressão feita pelo chefe do Executivo norte-americano sobre a Otan é um exemplo.
Em dezembro do ano passado, Trump chegou a ameaçar retirar os Estados Unidos do grupo e cortar recursos americanos se os países-membros não aumentassem os gastos com defesa. Com a pressão, os 32 países que integram a aliança militar se comprometeram a investir 5% de seus Produtos Internos Brutos (PIB) — percentual mínimo exigido pelos EUA.
Para o cientista político Adriano Cerqueira, professor do Ibmec de Belo Horizonte, a imposição de tarifas por parte de Donald Trump ao Brasil não pode ser compreendida apenas sob a ótica econômica. Trata-se, segundo ele, de uma estratégia geopolítica que mistura interesses comerciais, posicionamentos ideológicos e até ressentimentos pessoais.
“O Trump está fazendo geopolítica”, afirma Cerqueira. “Ele usa o fato de os Estados Unidos serem o principal país comprador do mundo para impor o peso político e econômico norte-americano.” A tática, segundo o analista, rompe com o multilateralismo e força negociações diretas. “Ele começa com uma tarifa grande, mas, havendo o início da discussão, tem cedido. A ideia é forçar os governos a sentarem com ele para negociar tête-à-tête.”
Crise diplomática expõe desprestígio da diplomacia profissional
As recentes reações do Palácio do Planalto também indicam um eventual desinteresse de Lula em negociar as tarifas com Trump. Em vez de enviar um representante do primeiro escalão do governo a Washington, como outros países fizeram, o vice-presidente e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, Geraldo Alckmin (PSB), afirmou que o Executivo enviará uma nova carta oficial aos Estados Unidos, cobrando resposta a um contato feito há dois meses sobre o acordo comercial entre os dois países.
O caso mais recente ocorreu com a Indonésia, que havia sido ameaçada por Trump com uma tarifa de 32% a partir de 1º de agosto. Na quinta-feira (15), o presidente americano anunciou que chegou a um acordo com o país após uma visita do ministro coordenador de Assuntos Econômicos da Indonésia, Airlangga Hartarto, ocorrida uma semana antes. Na ocasião, o negociador se reuniu com o representante de Comércio, Jamieson Greer, o secretário de Comércio, Howard Lutnick, e o secretário do Tesouro, Scott Bessent, para costurar um acordo mais favorável ao país asiático.
Para o cientista político Elton Gomes, professor da Universidade Federal do Piauí (UFPI), a condução da crise diplomática com os Estados Unidos ignora completamente a tradição e a estrutura profissional da diplomacia brasileira. “É surreal que, diante de tais circunstâncias, a representação diplomática do Brasil no exterior não seja considerada”, afirma.
O especialista também aponta o apagamento de figuras-chave da diplomacia. “Você não ouve falar da embaixadora Maria Luiza Viotti. E o ministro Mauro Vieira é tratado como um despachante, enquanto Celso Amorim atua como chanceler oficioso do governo.”
Para ele, a situação atual é um retrato do enfraquecimento institucional: “Os Estados Unidos nem sequer têm um embaixador no Brasil. Quem toca os assuntos é o número três da embaixada. É um sinal de terra arrasada, como poucas vezes se viu.”
Críticas de Lula a Trump agravaram tensão entre Brasil e Estados Unidos
As provocações de Lula a Trump se tornaram mais do que episódios retóricos e podem estar alimentando a escalada de atritos entre Brasil e Estados Unidos. Em junho de 2024, ele declarou apoio aberto à candidatura de Kamala Harris, vice de Joe Biden, e associou o eventual retorno de Trump à presidência à volta do “fascismo e nazismo” nos Estados Unidos. Segundo Lula, a invasão ao Capitólio, em 2021, deveria servir de alerta ao eleitorado americano sobre os riscos de autoritarismo, caso o republicano volte ao poder.
As críticas se tornaram ainda mais diretas quando Trump, em discurso, ameaçou impor tarifas elevadas ao aço e alumínio do Brasil, e Lula rebateu publicamente. O petista disse que aprendeu a “não ter medo de cara feia” e cobrou respeito do republicano.
A fala de Lula ocorreu em um momento em que o governo brasileiro avalia estratégias para contornar o impacto das barreiras comerciais, mas o tom duro do presidente acabou sendo interpretado como um recado direto à base trumpista.
Outro ponto de atrito ocorreu quando Lula criticou a demora dos Estados Unidos em nomear um embaixador no Brasil, alegando que a ausência de um interlocutor direto em Brasília representava falta de respeito diplomático e desprestígio nas relações bilaterais. Desde o final da gestão Biden, o Brasil aguarda um novo embaixador americano, em um sinal de distanciamento que tem gerado desconforto no Itamaraty.
Em encontros do Brics e em discursos no exterior, Lula tem destacado a necessidade de fortalecer alianças com China, Rússia, Irã e países africanos, apresentando o Brasil como parte de um bloco que não aceita “ordens de gringo” e que está disposto a enfrentar pressões externas. O presidente brasileiro afirmou que Trump “precisa entender que o mundo mudou” e que os EUA não são mais os donos do sistema internacional.
Na agenda internacional, Lula também ampliou as críticas à postura americana em relação ao conflito em Gaza, chamando de “genocídio” a atuação dos aliados de Trump e defendendo uma solução que respeite o direito dos palestinos. Segundo o presidente, a política de Trump no Oriente Médio desestabilizou a região e contribuiu para o agravamento da crise humanitária na Faixa de Gaza.
As provocações de Lula não se restringiram a temas internacionais. O petista também reagiu quando Trump criticou a condução do Brasil em temas ambientais, dizendo que “os EUA não têm moral para cobrar nada” em relação ao desmatamento, mencionando que os americanos “são os maiores poluidores históricos do planeta”. A fala ocorreu em um evento em Brasília, no qual Lula prometeu defender a soberania brasileira sobre a Amazônia.
Outro ponto de tensão foi o posicionamento de Lula sobre a guerra na Ucrânia, ao criticar o envio de armas por países ocidentais, incluindo os EUA, e ao afirmar que “Trump e Biden só pensam em armas e não em diálogo”. Para o presidente brasileiro, a escalada do conflito se deve em parte ao interesse americano de manter influência na região, uma fala que gerou reações negativas entre diplomatas em Washington. Aliado da Rússia, Lula também chegou a dizer que tanto o país invasor quanto a nação invadida, a Ucrânia, eram responsáveis pelo conflito.
Fonte: Gazeta