O Congresso Nacional, com 594 parlamentares eleitos por quase 160 milhões de brasileiros, e com orçamento anual acima dos R$ 15 bilhões (valor que deve aumentar consideravelmente nos próximos anos), tem cada vez mais papel de mero figurante entre os três Poderes.
Nas decisões que mais importam – sejam de natureza econômica, política, social ou ambiental –, o que os representantes do povo decidem já não tem valor se não recebe a chancela dos ministros com mais poder dentro do Supremo Tribunal Federal (STF).
Reduzido a destinar verbas, legislar sobre temas periféricos e submeter-se às vontades do Supremo nas questões mais importantes, o Congresso tornou-se o retrato mais evidente do fim da democracia no Brasil, diagnosticado pela Gazeta do Povo em editorial.
Votações esmagadoras e leis aprovadas por ampla maioria têm sido desfeitas por decisões judiciais monocráticas antes mesmo de entrarem em vigor, como no caso recente do IOF, em que os votos de 383 deputados foram atropelados pela vontade soberana de Alexandre de Moraes.
O presidente Lula editou, por decreto, um aumento das alíquotas do imposto. A Câmara, com ampla maioria (383 votos dos 513 possíveis), sustou o decreto. Após convocar uma audiência de conciliação com ares de fachada, Moraes passou por cima da vontade parlamentar sozinho, com decisão monocrática, e restabeleceu quase todo o aumento, alegando que o Legislativo havia extrapolado sua competência.
O episódio não é isolado. Ele segue um padrão que tem se repetido com frequência escandalosa desde 2019 e que ganhou força após 2023, com a posse de Lula: o Congresso aprova um projeto ou redefine uma regra com base no debate parlamentar; o STF é provocado por partidos ou entidades simpáticas à esquerda, ou pela própria Advocacia-Geral da União (AGU), e decide suspender ou reinterpretar aquilo que o Congresso havia definido, alegando inconstitucionalidade, omissão legislativa ou risco a direitos fundamentais.
O caso do Marco Civil da Internet é o mais emblemático: a Corte passou duas vezes com o trator por cima do Congresso. Primeiro, atropelou o próprio Marco Civil – uma lei relativamente recente, de 2014, com menos de dez anos de vigência quando o STF começou a discutir a inconstitucionalidade de seu artigo 19. Em 2023, o Congresso decidiu não mexer nessa lei. Em junho deste ano, o Supremo afirmou não só que a lei de 2014, aprovada pelo Congresso, era inconstitucional, como também a decisão do Congresso sobre não modificá-la era ilegal. Caberia ao Judiciário suprir a lacuna que os congressistas deixaram – justificativa que, na prática, permite à Corte legislar sobre qualquer tema que os ministros com mais poder considerarem inaceitável deixar sem regulação.
Com a aprovação, na madrugada da quinta-feira (17), do projeto da flexibilização do licenciamento ambiental, mais uma decisão do Congresso deverá ser reavaliada pelo STF. O projeto recebeu 267 votos favoráveis e 116 contrários. A proposta agora segue para sanção presidencial, mas diversos meios de comunicação e parlamentares já apontam que, como nos casos anteriores, a judicialização acontecerá a pedido de grupos de esquerda.
Parlamentares reconhecem que Congresso não tem mais poder
A percepção de impotência já atinge os próprios parlamentares da oposição, que passaram a expressar publicamente a visão de que o Congresso não tem mais funcionamento efetivo.
Nikolas Ferreira (PL-MG), deputado mais votado do Brasil em 2022, afirmou via X: “Alexandre de Moraes derruba a decisão do Congresso restabelecendo o aumento do IOF. A partir de hoje a Constituição foi alterada e temos somente dois Poderes: o Executivo e a Assessoria Jurídica do Governo, mais comumente chamada de STF. O Congresso Nacional pode fechar já”.
O deputado Marcel van Hattem (Novo-RS) provocou Hugo Motta (Republicanos-PB) e Davi Alcolumbre (União-AP): “Ou os presidentes da Câmara e do Senado reagem à altura ou o Congresso estará definitivamente fechado pelo Alexandre de Moraes e pelo STF”.
O deputado Kim Kataguiri (União-SP) também protestou: “O ministro Alexandre de Moraes acaba de atacar a soberania do Congresso Nacional. Ele derrubou o veto da Câmara ao decreto do presidente Lula que aumentava o IOF. Isso não pode ser tolerado! Onde estão os senadores para defender a autoridade do Poder Legislativo?”
O senador Oriovisto Guimarães (PSDB-PR) disse que “um homem sozinho, ministro Alexandre de Moraes, em uma decisão monocrática, disse à nação brasileira: eu sozinho posso mais que 513 deputados, que 81 senadores e do que a Presidência da República”. Já o líder da oposição no Senado, Izalci Lucas (PSDB-DF), disse que “mais uma vez, uma decisão judicial atropela a vontade do Congresso e penaliza o cidadão comum”.
Os senadores Eduardo Girão e Jaime Bagattoli (PL-RO) ironizaram propondo um aumento do recesso do Congresso. “Se nada for feito em relação a uma reação a essa invasão de competência, é melhor estabelecer o recesso prolongado até o ano que vem”, disse Girão. “Não precisa dar recesso até dia 5, vai todo mundo para casa. Eu concordo em ficar o restante do mandato sem precisar vir aqui, porque não há necessidade de votar”, afirmou Bagattoli.
Fonte: Gazeta