A reforma administrativa, que está sendo elaborada pelo Congresso Nacional em parceria com o governo federal, não mexerá em questões estruturais e sensíveis para a modernização e ganho de eficiência da administração pública, como a revisão ou delimitação de supersalários e a estabilidade dos funcionários públicos.
Nesta terça-feira, o deputado Pedro Paulo (PSD-RJ), que coordenou o grupo de trabalho responsável por debater a proposta, entregou três anteprojetos ao presidente da Casa, Hugo Motta (Republicanos-PB). No entanto, os textos só serão debatidos pelo Congresso na volta do recesso parlamentar, a partir de 1º de agosto.
Aa reforma administrativa em debate está dividida em três textos: uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC), um Projeto de Lei (PL) e um Projeto de Lei Complementar (PLP). Segundo o relator, elas ainda não foram protocoladas para que sejam debatidas com as bancadas.
Tamanho do Estado segue como tabu político
Segundo o parlamentar, o objetivo será dar as balizas para um Estado mais eficiente. Antes mesmo de entregar os anteprojetos, cujos textos não foram ainda divulgados, o relator já havia anunciado que as propostas não abarcariam medidas de ajuste fiscal e, muito menos, a discussão do “tamanho do Estado”.
“Reforma administrativa para aumentar a eficiência do Estado não pode ser confundida com ajuste fiscal e muito menos com retirar recursos da saúde e educação”, defendeu o deputado.
Wagner Lenhart, CEO do Instituto Millenium e ex-secretário de Gestão e Desempenho de Pessoal do Ministério da Economia, no governo Bolsonaro, afirma que a modernização do Estado não se faz em um único ato. No entanto, afirma que, caso a proposta de reforma administrativa não ataque os temas sensíveis agora, isso terá que ser feito mais adiante.
O diretor-presidente do Centro de Liderança Pública (CLP), Tadeu Barros, disse que uma reforma administrativa precisa passar necessariamente por três pilares fundamentais: modernização da máquina pública, revisão de privilégios e qualificação do gasto público..
“Em relação aos gastos públicos, apesar de o Brasil apresentar uma carga tributária elevada (superior a 33% do PIB), os resultados em serviços públicos poderiam ser muito melhores, especialmente em áreas como educação, saúde, segurança e infraestrutura”, disse.
Segunda maior despesa do governo é com servidores
Arnaldo Lima, economista da Polo Capital, explica que a reforma administrativa deveria funcionar como uma âncora fiscal no novo arranjo institucional, sobretudo porque cerca de 30% da força de trabalho no governo federal irá se aposentar em cerca de dez anos. Os gastos com pessoal representam 16,9% da despesa total do governo federal, ficando atrás apenas da Previdência Social (43,3%).
Ele afirma que a reforma administrativa seria uma oportunidade estratégica para alinhar a máquina pública às necessidades reais da sociedade e aos limites fiscais do Estado.
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Reforma evita debate sobre estabilidade no serviço público
Segundo o relator, também foi deixada de fora a revisão da aposentadoria dos militares — já que há uma proposta do governo em trâmite no Congresso. A reforma também não mexe na estabilidade dos servidores, o que é visto pelos deputados como uma forma de avançar nos textos.
De acordo com Pedro Paulo, as propostas anteriores, como a PEC 32, apresentada pelo governo do ex-presidente Jair Bolsonaro, não passaram pelo Congresso no passado por “vilanizarem” o servidor público.
“A estabilidade não pode acabar, assim como não se pode reduzir os direitos do servidor. Olhá-lo como vilão e causador da ineficiência do Estado é um equívoco”, diz Pedro Paulo.
Supersalários fora da reforma mantêm imagem de privilégios
Além da discussão do tamanho do Estado, as limitações aos supersalários também ficaram de fora dos anteprojetos da reforma administrativa. De acordo com Pedro Paulo, o GT traçou de 17 a 20 pontos em relação ao tema, mas é preciso acordo entre os líderes no Congresso e entre os Poderes para que o tema entre na reforma.
Tadeu Barros, do CLP, afirma que os supersalários são inadmissíveis sob três aspectos: moral, fiscal e social. “A ausência de medidas para combater os supersalários reforça a imagem de que há proteção a privilégios de grupos específicos dentro da administração pública, o que deve ser combatido pelo Executivo, o Legislativo e o Judiciário”, disse.
Ele cita estudo recente do Movimento Pessoas à Frente, segundo o qual o impacto dos supersalários nas contas públicas em 2023 chegou a R$ 11 bilhões — mais que o dobro do orçamento anual do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA) em 2025. “Esses recursos poderiam ser alocados em políticas públicas – como saúde, educação, segurança, infraestrutura, saneamento básico e proteção ambiental”, afirma.
O que está nos textos da reforma
Segundo o relator, os textos contam com um total de 66 propostas, dentre as quais se incluem:
- Medidas para avaliação de desempenho individual com uma bonificação para servidores públicos que cumprirem metas estabelecidas;
- Concurso Nacional Unificado (CNU) para estados e municípios;
- Transformação digital do poder público, incluindo as normativas do Ministério da Gestão e Inovação em Serviços Públicos que tratam sobre trabalho remoto (home office);
- Cadastro nacional para contratação temporária de funcionários públicos, estendido para uso de todos os entes;
- Flexibilização de contratos temporários.
O que falta para uma reforma administrativa de verdade
Segundo Wagner Lenhart, um dos responsáveis pela elaboração da PEC 32 no governo Bolsonaro,uma reforma administrativa deveria se sustentar em seis pilares:
- Estrutural: um governo que foque em fiscalizar, regulamentar e acompanhar indicadores de execução, investindo cada vez mais em parcerias público-privadas para execução dos serviços;
- Pessoas: uma administração que faça uma gestão de pessoas, selecionando bem, acompanhando desempenho, desenvolvendo e adotando política de consequências, fazendo gestão da folha de pagamento;
- Compras: é preciso um sistema mais ágil e inteligente;
- Orçamento: é necessário desvincular, desindexar e destravar o orçamento, tornando-o mais dinâmico e simples de executar;
- Modernização do controle: hoje, o incentivo para o agente público é dizer não, fazer as coisas do mesmo jeito; o controle é importante, mas não pode matar a iniciativa e a inovação;
- Governo digital: continuar e aprofundar a transformação digital do Estado brasileiro, facilitando a vida do cidadão e racionalizando os processos internos.
Ele afirma que indicadores de performance institucional e uma gestão de desempenho dos servidores públicos, como proposto nos anteprojetos, são fundamentais, mas não suficientes.
Arnaldo Lima, da Polo Capital, ainda afirma que, para garantir a efetividade, a reforma deveria incorporar mecanismos de avaliação direta pela sociedade. Além disso, seria essencial estabelecer comparativos transparentes entre o setor público e a iniciativa privada, especialmente dos salários iniciais, dado que servidores trabalham menos horas (40h contra 44h semanais), possuem estabilidade e, em muitos casos, recebem remunerações superiores.
Ele também menciona que deveriam ser incluídos incentivos para transição ao setor privado, com portabilidade do benefício previdenciário especial, funcionando como um instrumento de PDV (Plano de Demissão Voluntária) para servidores estatutários.
Em relação à mobilidade, ele ainda defende que a cessão de servidores que recebam proposta de cargo gerencial em outro órgão deveria ser obrigatória, promovendo meritocracia e ganho de produtividade.
“Com 36.912 cargos comissionados e funções para 573.485 servidores civis (16,6% do total), é fundamental que cargos de liderança sejam ocupados com base em mérito e que a progressão por tempo de serviço seja restringida, como já ocorre nas estatais após a reforma trabalhista”, disse.
Fonte: Gazeta