Pressionado pelas contas públicas, o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) está confiante numa decisão favorável do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), a favor da constitucionalidade do decreto que aumentou o Imposto Sobre Operações Financeiras (IOF). A decisão de Moraes será crucial para a Fazenda driblar a encruzilhada fiscal e garantir as receitas previstas – em torno de R$ 12 bilhões – para cumprir a meta do arcabouço.
Na audiência de conciliação desta terça-feira (15), que terminou sem acordo, representantes do Legislativo chegaram a pedir mais tempo para a negociação entre os Poderes. Mas o advogado-geral da União, Jorge Messias, optou por aguardar a decisão judicial sobre o mérito da ação, mostrando que o governo aposta suas fichas na manutenção do decreto, conforme havia antecipado o ministro da Casa Civil, Rui Costa, na véspera.
A audiência foi marcada após o Palácio do Planalto recorrer ao Judiciário para tentar reverter a decisão do Congresso, que derrubou o decreto presidencial por meio de Projeto de Decreto Legislativo (PDL) numa derrota histórica para o Executivo. Antes da conciliação, Moraes suspendeu os efeitos dos dois decretos, o que na prática, interrompeu a arrecadação aos cofres da União.
Sem previsão da decisão de Moraes, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, deve apresentar alternativas que compensem a frustração de receita e garantam ao menos um mínimo de equilíbrio do Orçamento no próximo Relatório de Avaliação de Receitas e Despesas Primárias (RARDP), na semana que vem.
O RARDP é um documento bimestral previsto pela Lei de Responsabilidade Fiscal, que avalia se a arrecadação e os gastos do governo estão alinhados com a meta fiscal do ano. Quando há risco de descumprimento, o relatório determina o bloqueio de despesas.
Ao derrubarem o decreto, deputados e senadores retiraram uma parte do remendo improvisado que mantém o arcabouço fiscal de pé, e agora parece fadado a naufragar.
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Haddad deve compensar IOF com MP
Na avaliação de Murilo Viana, analista de contas públicas, o governo pode optar por um novo contingenciamento em julho, que se somaria aos R$ 30 bilhões já congelados em maio. Mas também pode vincular os resultados do ano à aprovação da Medida Provisória nº 1.303, editada às pressas neste mês, que prevê novas fontes de arrecadação. A expectativa é arrecadar cerca de R$ 10,5 bilhões em 2025 e R$ 20,6 bilhões em 2026.
“A Fazenda pode contar com a antecipação das receitas projetadas para flexibilizar o tamanho do bloqueio ou contingenciamento”, afirma Viana.
A MP prevê o aumento da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) de 9% para 15% sobre instituições como fintechs e operadoras de cartão, a tributação de apostas online, a taxação de aplicações atualmente isentas (como LCI, LCA, CRI e debêntures incentivadas) e a criação de uma alíquota única de 17,5% sobre ganhos de capital, incluindo criptoativos.
Embora significativas, apenas a tributação sobre as apostas online entrou em vigor imediatamente após a publicação da MP. As demais estão sujeitas à noventena (fintechs e instituições de pagamentos) ou só passam a valer no próximo ano, como o IR sobre LCI/LCA, aplicações financeiras, JCP e criptoativos.
Para este ano, segundo Viana, o governo ainda tem alternativas, inclusive com possibilidade de receitas relativas ao petróleo. A ideia do Planalto é antecipar a venda de sua participação na produção de petróleo nas áreas do pré-sal que ainda não têm contratos de exploração. “Mas, para o próximo ano, as alternativas diminuem porque o governo não vai querer abrir mão de receitas discricionárias em um ano eleitoral.”
IOF traduz imbroglio fiscal e político
Mesmo com alternativas de compensação fiscal, o desfecho do impasse do IOF é significativo por acirrar o relacionamento entre o Planalto e o Legislativo, num xadrez político que envolve também a disputa pelas emendas impositivas, hoje travadas no Judiciário.
O recurso do governo ao STF para reverter uma decisão política já tomada pelo Legislativo gerou forte reação dos parlamentares. E uma decisão favorável de Moraes pode jogar ainda mais combustível no embate.
O governo Lula espera que Moraes considere inválida apenas a tributação do risco sacado, tipo de operação em que o fornecedor recebe à vista de uma instituição financeira e a dívida é quitada pela compradora, num prazo mais longo. O restante do decreto, com o aumento de alíquotas de IOF, deve ser mantido.
“Não é um xadrez só fiscal, mas político”, avalia Viana. “O governo precisa do Congresso para aprovar as medidas de compensação.” Entre elas, destaca-se a mais significativa: a isenção do Imposto de Renda para salários até R$ 5 mil por mês, principal bandeira eleitoral de Lula para 2026.
O Planalto, no entanto, acredita que o governo está mais fortalecido para as negociações junto ao Legislativo. A aposta é que o governo ganhou musculatura a partir do atrito com o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump.
O embate em torno das tarifas de 50% sobre produtos brasileiros, consideradas exageradas e de viés político por setores do agronegócio, teria gerado um “sentimento de unidade” no país e favorecido Lula. O governo também avalia que teve êxito na comunicação oficial do IOF nas redes sociais, reforçando o discurso da “justiça tributária”.
Mesmo com reforma da renda, colapso fiscal está no horizonte
Para Felipe Salto, da Warren Rena Investimentos, a “reforma da renda” é a única que tem chances de prosseguir neste momento de “alta tensão institucional e risco político”. “Ela carrega elevado apelo eleitoral e estrategicamente serve como “vacina” no conflito criado em torno da narrativa “Pobres vs. Ricos”, que está em curso”, diz o economista.
Murilo Viana acredita que, mesmo com sucesso em todas as iniciativas futuras de aumento de arrecadação, o ministro Fernando Haddad não conseguirá cumprir o arcabouço fiscal sem cortar gastos.
Embora a elevação das receitas possa ajudar a alcançar a meta de resultado primário, ela não resolve uma exigência central do novo regime fiscal, o teto para o crescimento das despesas. Pelas regras definidas pela equipe econômica, os gastos públicos só podem crescer até 2,5% ao ano acima da inflação.
Até aqui, o governo tem conseguido se manter dentro do limite com o uso de algumas brechas, como a exclusão de precatórios e outras despesas da regra geral, e com a compressão das despesas discricionárias – aquelas que não são obrigatórias, como os investimentos e o custeio da máquina pública. Mas essa estratégia não pode ser permanente.
Com os gastos obrigatórios abocanhando fatias cada vez maiores do Orçamento e com o retorno dos precatórios ao teto de despesas previsto para 2027, restará pouco ou nenhum espaço para cortes”, diz.
Salto também alerta para o risco do colapso da máquina pública. “A paralisia da agenda fiscal do governo está no horizonte”, diz.
Fonte: Gazeta