A taxação de 50% imposta pelo presidente Donald Trump na importação de produtos brasileiros colocou Jair Bolsonaro (PL) em uma encruzilhada política. Se, de um lado, o ex-presidente colhe dividendos do apoio norte-americano em seu embate com o Supremo Tribunal Federal (STF), por outro, passa a ser acusado pelo governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) de prejudicar economicamente o país ao priorizar suas disputas políticas.
Bolsonaro se pronunciou pela rede social X no domingo e deu uma pista sobre qual caminho deve seguir. Ele escreveu que “a carta do Presidente Donald Trump tem muito mais, ou quase tudo, a ver com valores e liberdade, do que com economia.” Também apontou que a forma de negociar com Trump a diminuição da tarifa comercial para o Brasil é a aprovação da anistia.
Nesta segunda-feira (14) voltou a publicar na rede social afirmando que a perseguição política traz risco para ele e para toda a população. “O sistema nunca quis apenas me tirar do caminho. A verdade é mais dura: querem me destruir por completo – eliminar fisicamente, como já tentaram – para que possam, enfim, alcançar você. O cidadão comum. A sua liberdade. A sua fé. A sua família. A sua forma de pensar. Sem que reste qualquer possibilidade de reação”, escreveu.
Mas o cenário ainda está em aberto e não está claro se Bolsonaro dobrará a aposta de Trump para recuperar sua elegibilidade ou buscará outras alternativas no momento em que lideranças do Centro diminuem o embate com o governo do presidente Lula para se posicionar contra Trump.
Na sexta-feira (11), Trump voltou a elogiar Bolsonaro, afirmando que o ex-presidente brasileiro está sendo tratado de forma “muito injusta” e relembrou quando negociou com ele durante seu primeiro mandato. “Eu o conheço bem [Bolsonaro]. Negociei com ele. Posso dizer que ele é um homem muito honesto”, afirmou Trump, em meio a críticas ao STF e a Lula. Bolsonaro destacou o papel de Trump como “o mais proeminente representante dos valores que sustentam a civilização ocidental”.
Analistas ouvidos pela Gazeta do Povo apontam que Bolsonaro tem diante de si ao menos três caminhos possíveis para lidar com a crise das tarifas impostas pelo aliado norte-americano. Veja abaixo quais são eles.
Acompanhar pressão feita por Trump em busca de anistia ou mais poder no Congresso
Bolsonaro pode seguir no caminho de dobrar a pressão política feita por Trump para buscar a anistia e eventualmente a recuperação de sua elegibilidade para as eleições de 2026.
Para o doutor em Direito Internacional pela Universidade de São Paulo (USP) Luiz Augusto Módolo, a fala de Bolsonaro no fim de semana defendendo a anistia não deve ser vista como um gesto isolado, mas como parte de um projeto político de longo prazo: voltar ao centro do jogo político, seja como candidato em 2026 ou como arquiteto de uma nova maioria legislativa em 2027, com poder suficiente para influenciar ou até reconfigurar a composição do STF.
“A anistia é o principal objetivo. Mantém a liberdade e pretende recuperar a elegibilidade. Caso não consiga isso, ainda assim Jair Bolsonaro aproveita para continuar sendo figura de destaque no cenário político e ator estratégico dentro da direita”, avalia o cientista político Leando Gabiati, da DOminium Consultoria.
Advogados que atuam no julgamento do suposto golpe de Estado afirmaram sob anonimato acreditar que a ameaça de Trump tende a endurecer mais o posicionamento do STF contra Bolsonaro e seus aliados.
Por isso, a anistia teria que partir de uma iniciativa do Congresso. Embora os presidentes da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), e do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), tenham se posicionado contra as tarifas de Trump para mostrar força publicamente, nos bastidores tendem a optar por uma opção negociada.
Há um esforço da oposição para retomar um projeto de anistia na tentativa de evitar a efetivação da ameaça de elevação da tarifa americana. Mas não está claro se ela teria força para incluir Bolsonaro ou se seria restrita aos manifestantes de 8 de janeiro.
Mesmo que não recupere o direito de concorrer à Presidência em 2026, Bolsonaro pode apostar em dobrar a pressão de Donald Trump sobre o STF como estratégia de polarização, mirando o controle do parlamento em 2027, avalia o analista político Alexandre Bandeira, professor da pós-graduação em Comunicação de Governo e Sociedade pela ESPM.
“Um aspecto relevante e que deve tornar a eleição de 2026 diferente das demais é a crescente importância que o controle do parlamento, e principalmente do Senado, onde são julgados os impeachments de ministros do Supremo, terão”, explica Bandeira. Segundo ele, Bolsonaro já deixou claro em discursos recentes que governar a partir do Congresso será uma prioridade caso seu grupo político volte ao poder.
“Me deem 50% da Câmara e do Senado que eu mudo o destino do Brasil, nem preciso ser presidente”, disse Bolsonaro durante ato na Av. Paulista (SP), em 29 de junho.
Para Bandeira, a crise provocada pelo tarifaço de Trump pode se transformar em mais um instrumento para Bolsonaro inflamar sua base contra o STF e o governo Lula, ampliando a polarização com o objetivo de conquistar uma maioria legislativa robusta em 2026.
A definição de que a defesa do Brasil ficaria a cargo da Advocacia-Geral da União (AGU) foi interpretada pelo entorno de Bolsonaro como um gesto de alinhamento entre o STF e o Planalto, o que, na visão do analista, poderá ser explorado politicamente pelo ex-presidente como argumento para reforçar sua bandeira de que há uma “perseguição institucionalizada” contra ele.
Nesse cenário, Bolsonaro poderia mirar especialmente o Senado, que detém o poder de processar e julgar ministros do STF em casos de impeachment.
Gesto simbólico a Trump pode ser a saída para Bolsonaro evitar desgaste com tarifas
Entre as alternativas em discussão no entorno de Bolsonaro, um pedido público para que Donald Trump reduza a tarifa sobre produtos brasileiros pode se tornar uma opção viável no curto prazo para o ex-presidente. A avaliação é do cientista político Juan Carlos Arruda, CEO do Ranking dos Políticos, que enxerga nessa estratégia uma forma de Bolsonaro reforçar a narrativa de perseguição política no Brasil e, ao mesmo tempo, tentar transferir para o STF e para o governo Lula a responsabilidade pelos prejuízos gerados pela taxação americana.
“Entre todos os cenários, o mais plausível no curto prazo é Bolsonaro reforçar a narrativa de perseguição política e tentar transferir o custo das tarifas impostas por Trump para o STF e para o governo Lula”, afirma Arruda. Segundo ele, o gesto simbólico de Bolsonaro pedir a Trump que não penalize o povo brasileiro, mesmo sendo alvo de “perseguição política”, seria politicamente viável e preservaria sua imagem junto à base.
Além disso, o movimento permitiria ao ex-presidente sinalizar que não está disposto a sacrificar os interesses do país em função de sua agenda pessoal, afastando-se da narrativa de que está alinhado com medidas que prejudicam a economia brasileira.
Bolsonaro publicou em uma rede social nesta segunda-feira (14): “Não luto por mim. Luto por algo muito maior. Luto pela maioria esmagadora dos brasileiros que não se curvaram. Luto porque não aceito ver o país escravizado por um sistema podre, sustentado por uma imprensa comprada, por poucos juízes militantes e por políticos que sabem que é sua última chance de implementar seu sonho ideológico nefasto neste país maravilhoso.”
Para Arruda, o ex-presidente pode ter sucesso se conseguir acertar esse tom e optar por um pedido público para Trump amenizar a tarifa. “Se for bem articulado, esse pedido público poderia desarmar a estratégia do governo Lula de responsabilizar Bolsonaro e Eduardo Bolsonaro pela taxação e, ao mesmo tempo, manter a aliança com Trump sem enfraquecer sua posição interna”, avalia o cientista político.
O gesto, no entanto, envolve riscos. Uma redução de tarifa por parte de Trump poderia sinalizar que ele se submeteu ao desejo de um aliado mais fraco, algo que não combina com o perfil do presidente americano. Caso Trump não atenda ao pedido, Bolsonaro ficaria exposto a desgaste e sua influência com os Estados Unidos seria questionada. Mas Bolsonaro ainda poderia argumentar que a eventual manutenção de uma tarifa alta por Trump foi resultado da intransigência e combatividade do governo Lula.
Pedido de asilo nos EUA é opção extrema
Embora seja um cenário extremo, o pedido de asilo político nos Estados Unidos não pode ser descartado por Jair Bolsonaro diante do risco de prisão no Brasil, avalia o cientista político Antônio Henrique Lucena, professor da Universidade Católica de Pernambuco (Unicap).
Segundo ele, caso o ex-presidente seja alvo de uma ordem de prisão ou de prisão domiciliar, o exílio poderia ser utilizado como ferramenta para fortalecer a narrativa de perseguição política e manter a mobilização de sua base.
“Pedir asilo político pode ser sim uma opção possível”, diz Lucena. Para o cientista político, o ex-presidente teria condições de utilizar o asilo como um palco para manter a imagem de perseguido, tentando comandar a oposição a partir do exterior e evitar o desgaste de um encarceramento que possa enfraquecer sua capacidade de articulação interna.
No entanto, Lucena também aponta que há outro caminho possível: Bolsonaro pode arcar com o custo de ser preso, transformando o episódio em combustível para reforçar seu discurso de perseguição, em uma estratégia semelhante à utilizada por Lula em 2018. “Ele se coloca como perseguido político, busca tentar se candidatar às eleições, que é um cenário muito próximo do que Lula fez com o Haddad. Sem conseguir fazer isso, ele passa por outra pessoa e tenta capitalizar politicamente esse outro indivíduo”, analisa Lucena.
Neste cenário, mesmo que impedido de disputar as eleições, Bolsonaro poderia atuar como um catalisador de votos dentro da direita, mantendo-se como principal referência da direita e transferindo seu capital político para um aliado, tal como Lula fez com Fernando Haddad em 2018.
Fonte: Gazeta