Apesar do potencial de desgaste para a economia brasileira, a taxação anunciada pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, contra o Brasil foi vista dentro do Palácio do Planalto como uma “janela de oportunidade” para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tentar capitalizar a crise em cima da oposição e do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
Além de entrevistas para as principais emissoras do país e dos discursos nas redes sociais, o petista publicou artigos em jornais de ao menos nove países criticando o modelo de tarifas adotado pelo norte-americano.
As respostas de Lula e da militância petista vêm sendo costuradas pelo ministro Sidônio Palmeira, da Secretaria de Comunicação (Secom), desde o anúncio feito por Trump na quarta-feira (9). A partir desse momento, uma das estratégias do Palácio do Planalto é investir no discurso de defesa da soberania nacional e de impor aos aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro à responsabilidade pelas taxas anunciadas contra os produtos brasileiros.
A oposição, por outro lado, diz que o governo se esforça para criar um inimigo externo e tirar o foco dos problemas econômicos e de governabilidade. Para eles, a culpa pela situação é de Lula e de seu discurso antiamericano. Saiba mais sobre a estratégia da oposição na reportagem ““Defenda o Brasil do PT”: como a oposição direciona a ofensiva digital contra Lula”.
Com relação ao governo, nesta sexta-feira (11), por exemplo, Lula apareceu durante um evento no Espírito Santo usando o boné com o slogan “o Brasil é dos brasileiros”. A peça foi criada pelo ministro da Secom ainda no começo deste ano para fazer frente aos parlamentares da oposição que posaram com um boné vermelho estampado com a frase “Make America Great Again” — símbolo das campanhas de Trump nos Estados Unidos. Em outros momentos, Lula e integrantes da atual gestão apareceram segurando a bandeira do Brasil.
Um dos principais alvos do PT após os anúncios feitos por Trump foi justamente o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos). Em entrevista à Record, na quinta-feira (10), Lula inclusive citou que o aliado do ex-presidente Bolsonaro agora “escondia” o boné do norte-americano.
“O seu Tarcísio não vai tentar esconder o chapéuzinho do Trump, não. Pode ficar mostrando para a gente saber quem você é. Está cheio de lobo em pele de cordeiro por aí”, disse o petista.
Apesar das críticas de Lula, Tarcísio de Freitas pediu ao encarregado de negócios da Embaixada dos Estados Unidos no Brasil, Gabriel Escobar, para que seja revista a taxação de 50%. O pedido foi feito durante um encontro do governador com Escobar, nesta sexta (11), no escritório de representação do governo de São Paulo em Brasília, onde ele cumpre agenda.
Além da entrevista para a Record, Lula também aproveitou a crise com Trump para falar com a Globo no Jornal Nacional. Na ocasião, a estratégia do petista foi tentar mandar recados para os setores empresariais que podem ser impactados pela taxação aos produtos brasileiros.
O Planalto quer usar a crise para tentar se aproximar de grupos resistentes ao PT, como por exemplo o agronegócio. Antes do início das tarifas, previsto para 1º de agosto, Lula deve tentar negociar com o governo norte-americano.
“E os empresários, eu espero que estejam aliados ao governo brasileiro. Porque se existir algum empresário que acha que o governo brasileiro tem que ceder e fazer tudo o que o presidente de outro país quer, sinceramente, esse cidadão não tem nenhum orgulho de ser brasileiro”, disse Lula.
Militância do PT usa redes sociais para criticar tarifaço de Trump
Em outra frente, a militância petista e a comunicação do Planalto estão buscando ampliar a participação do governo nas redes sociais por meio da crise. A estratégia das peças e dos slogans é criar uma mobilização em torno da defesa da soberania nacional.
O ministro da Secom, Sidônio Palmeira, inclusive tenta embalar o discurso contra as tarifas de Trump com a campanha sobre a taxação dos ricos, que mirou o Congresso Nacional nas últimas semanas. Nas redes, o chefe da pasta da Comunicação afirmou que, enquanto “Lula quer taxar os super ricos”, o ex-presidente Jair Bolsonaro, aliado de Trump, “quer taxar o Brasil”.
Já o PT publicou um card para tentar vender o discurso de defesa do Brasil. “Defenda o Brasil sempre que atacarem a sua origem, a sua cultura, sempre que tentarem dizer que somos menos, que valemos menos”, diz a postagem.
O partido de Lula também traçou como estratégia o impulsionamento nas redes sociais de uma entrevista concedida pelo petista em 2019, onde ele crítica brasileiros que prestam continência à bandeira dos EUA. A declaração foi dada ao jornal Folha de S. Paulo quando o agora presidente estava preso na sede da Polícia Federal, em Curitiba.
“Eu nunca vi um presidente bater continência para a bandeira americana. Eu nunca vi um presidente ficar falando ‘eu amo os Estados Unidos’”, a ideia do petista é impulsionar esse trecho justamente para fazer frente ao ex-presidente Bolsonaro.
Antiamericanismo de Lula não atinge eleitor de centro e de direita
Apesar do otimismo apontado pelos integrantes do PT, analistas ouvidos pela Gazeta do Povo apontam que o discurso não deve trazer uma aproximação com o eleitorado de centro ou de direita.
“Lula está desenvolvendo um discurso populista de esquerda a partir dessa carta de Trump, tentando explorar um sentimento antiamericano que, na realidade, é mais restrito à esquerda brasileira. A direita e o centro, em geral, admiram os Estados Unidos como modelo de país”, avalia Adriano Cerqueira, cientista político e professor do Ibmec-BH.
Para o advogado e professor livre-docente de Direito da USP Cristiano Carvalho, o governo Lula tenta transformar a taxação anunciada por Donald Trump em peça de propaganda política, numa estratégia antiga de culpar um “inimigo externo” pelos problemas internos do país.
“Dado que o governo enfrenta seu pior índice de aprovação desde o início do mandato e em comparação com gestões anteriores do PT, as tarifas servem para alimentar essa narrativa, assim como ocorreu em episódios históricos, como a guerra das Malvinas e o embargo americano a Cuba”, afirma.
Segundo ele, “o Brasil, no entanto, não é Cuba nem uma ditadura isolada e, por isso, a tentativa dificilmente encontrará eco na sociedade e no setor produtivo”.
“Cuba é uma ditadura há mais de 60 anos e a opressão e miséria do povo cubano decorre exclusivamente do regime totalitário de lá. Lembrando que Cuba pode comercializar com todos os demais países, a restrição é apenas com os EUA. No entanto, a narrativa do regime culpa os EUA pelo fracasso econômico cubano”, pontuou Carvalho.
Já o cientista político Elton Gomes, professor da Universidade Federal do Piauí (UFPI) e senior fellow [pesquisador sênior] do Instituto de Pesquisas Estratégicas em Relações Internacionais e Diplomacia (Iperid), o anúncio das tarifas de 50% pelos Estados Unidos sobre produtos brasileiros abriu espaço imediato para que governo e oposição tentassem capitalizar politicamente a medida.
Segundo ele, enquanto o governo Lula busca responsabilizar a oposição e Bolsonaro pela sanção que recai sobre setores estratégicos da economia nacional – como o agronegócio e a indústria -, a oposição atribui o tarifaço à postura confrontacionista do Brasil na arena internacional, que teria se afastado da tradição diplomática pragmática do Itamaraty.
“É exótico que esse grupo [PT], cuja trajetória sempre endossou pautas internacionalistas, assuma agora a retórica nacionalista”, observa Gomes.
Lula tenta espalhar discurso contra Trump por meio de artigos na imprensa internacional
Além da busca pela polarização no Brasil, o presidente Lula preparou uma ofensiva internacional contra as tarifas de Trump. Um artigo com críticas do petista ao norte-americano foi publicado em ao menos nove países até o momento.
“A lei do mais forte também ameaça o sistema multilateral de comércio. Tarifas abrangentes corrompem as cadeias de valor e empurram a economia global para uma espiral de preços altos e estagnação”, diz o texto assinado pelo presidente, publicado em inglês.
Sem mencionar Trump e o aumento da sobretaxa aos produtos brasileiros, o texto também cita um esvaziamento da Organização Mundial do Comércio (OMC) e diz que “ninguém se lembra da Rodada de Doha” – ciclo de negociações comerciais que ficam sob controle da organização. O texto foi publicado em veículos de países como China, Argentina, Inglaterra, Japão, Itália, Espanha, Alemanha, França e México. Nenhum jornal dos EUA reproduziu o texto.
Segundo o Palácio do Planalto, o artigo foi negociado antes do tarifaço de Trump e tinha como pano de fundo a cúpula do Brics realizada no Brasil. A ideia, segundo os governistas, era defender o multilateralismo, mas acabou colaborando com a estratégia de rebater o presidente dos EUA.
O cientista político Adriano Cerqueira é cético quanto à estratégia do governo de publicar artigos em veículos internacionais para denunciar as tarifas e defender o multilateralismo. “Essa tentativa de sair do isolamento diplomático não deve ter grandes consequências. O Brasil perdeu protagonismo e não exerce liderança efetiva. Esses artigos serão vistos como protesto de mais um país atingido pelas medidas de Trump”, analisa.
Ele lembra que outros países também sofreram com taxações na gestão Trump e que o próprio Lula, ao admitir o esvaziamento do multilateralismo, reconhece a limitação desse caminho. “O problema do Brasil não é a falta de artigos, mas o rumo equivocado e ideologizado à esquerda que a política externa tomou. O que poderia melhorar a imagem do país seria adotar uma postura mais independente e pragmática no cenário internacional”, destaca.
Na mesma linha, Cristiano Carvalho avalia ainda que as tarifas são resultado direto de anos de provocações e medidas hostis contra os Estados Unidos, tanto por parte do governo como do Supremo Tribunal Federal (STF).
“Estamos deixando de ser vistos como uma democracia ocidental para sermos associados a regimes autoritários, como China, Irã e Venezuela. Se o governo brasileiro optar por retaliar ou dobrar a aposta, o país corre o risco de se isolar ainda mais do bloco das democracias, com consequências econômicas ainda mais severas”, alerta.
Fonte: Gazeta