O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) criticou duramente a Organização das Nações Unidas (ONU), a suposta crise do multilateralismo mundial e o aumento dos investimentos em defesa por países desenvolvidos do mundo durante a abertura da Cúpula do Brics, neste domingo (6) no Rio de Janeiro.
Lula adotou um forte tom geopolítico no discurso e defendeu que os países do Brics assumam um papel central na construção de uma nova ordem internacional. Uma campanha que ele tem feito desde o início de seu governo, principalmente para a inclusão de mais países no Conselho de Segurança da ONU.
“A ONU completou 80 anos no último dia 26 de junho e presenciamos colapso sem paralelo do multilateralismo. O advento da ONU marcou a derrota do nazi-fascismo e o nascimento de uma esperança coletiva. […] Com o multilateralismo sob ataque, nossa autonomia está novamente em xeque. Avanços arduamente conquistados, como os regimes de clima e comércio, estão ameaçados”, disparou Lula no discurso lido, sem improvisos.
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O presidente brasileiro afirmou que Conselho de Segurança da ONU sofre de uma “perda de credibilidade e paralisia” e está alheia às principais decisões que envolvem conflitos armados. O colegiado, diz, ultimamente “sequer é consultado antes do início de ações bélicas”, em que “velhas manobras retóricas são recicladas para justificar intervenções ilegais”.
Lula ainda criticou o aumento dos gastos com defesa entre os países desenvolvidos, impulsionado pela recente decisão da Otan de destinar ao menos 5% do PIB para despesas militares, enquanto promessas como o repasse de 0,7% para a assistência ao desenvolvimento seguem descumpridas.
“Isso evidencia que os recursos para implementar a Agenda 2030 existem, mas não estão disponíveis por falta de prioridade política. É sempre mais fácil investir na guerra do que na paz”, pontuou.
Lula também apontou o avanço do terrorismo no mundo como consequência de intervenções internacionais sem respaldo legal, e fez um paralelo com os ataques terroristas do Hamas a Israel. Apesar disso, voltou a criticar a reação israelense na Faixa de Gaza.
“Absolutamente nada justifica as ações terroristas perpetradas pelo Hamas. Mas não podemos permanecer indiferentes ao genocídio praticado por Israel em Gaza e a matança indiscriminada de civis inocentes e o uso da fome como arma de guerra”, afirmou defendendo o fim da ocupação e o estabelecimento de um Estado palestino soberano seguindo o acordo de 1967 que delimitou as fronteiras.
Em relação à guerra na Ucrânia, Lula reforçou a posição do Brasil em defesa de uma saída negociada e condenou a violação da integridade territorial tanto do país europeu como do Irã. Ele, no entanto, não fez qualquer citação à Rússia como país agressor – a nação comandada pelo ditador Vladimir Putin, que participará da Cúpula por videoconferência, é um dos membros fundadores do Brics.
Lula também seguiu na crítica ao que seria um desmonte e instrumentalização de órgãos técnicos como a Agência Internacional de Energia Atômica, o que comprometeria sua credibilidade e aumentaria o temor de uma nova catástrofe nuclear.
“As violações recorrentes da integridade territorial dos Estados, em detrimento de soluções negociadas, solapam os esforços de não-proliferação de armas atômicas”, pontuou.
Brics como protagonista da nova ordem mundial
Ainda durante o discurso, Lula lembrou que, apesar de avanços históricos promovidos pela ONU — como o processo de descolonização e a proibição de armas biológicas e químicas —, sua estrutura atual não reflete a realidade multipolar do século 21.
“Se a governança internacional não reflete a nova realidade multipolar do século 21, cabe ao Brics contribuir para sua atualização. Sua representatividade e diversidade o torna uma força capaz de promover a paz e de prevenir e mediar conflitos. Podemos lançar as bases de uma governança revigorada”, afirmou.
Para ele, o Brics é o “herdeiro do Movimento Não-Alinhado” e possui legitimidade para propor um novo modelo de governança global, entre eles a necessidade urgente de reforma do Conselho de Segurança da ONU. O colegiado, a seu ver, deveria incluir novos membros permanentes da Ásia, África, América Latina e Caribe.
“É mais do que uma questão de justiça. É garantir a própria sobrevivência da ONU”, pontuou.
Segundo o presidente, adiar essa reforma torna o mundo mais instável e perigoso por conta de uma “estrutura internacional arcaica e excludente”.
Fonte: Gazeta