Em mais um revés para a política internacional do governo Lula 3, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) abre neste domingo (6), no Rio de Janeiro, a cúpula do Brics sem a presença dos principais representantes do bloco. Com a ausência de líderes autocráticos como Xi Jinping, da China, e Vladimir Putin, da Rússia, na foto oficial do evento, o petista vai precisar recorrer ao discurso sobre multilateralismo, meio ambiente e inteligência artificial.
Além do Brasil, China e Rússia, o grupo tem ainda em sua formação original a Índia e a África do Sul. Recentemente, o bloco aprovou a entrada de Egito, Irã, Emirados Árabes Unidos, Etiópia, Indonésia e Arábia Saudita. Apesar das expectativas do governo Lula de transformar a cúpula em um dos principais eventos diplomáticos deste ano, a expectativa é de que a reunião seja esvaziada e a diplomacia ainda faz ajustes para tentar consenso sobre uma declaração final entre os países.
Do grupo, estão confirmados apenas os líderes de Etiópia (Abiy Ahmed), África do Sul (Cyril Ramaphosa), Índia (Narendra Modi) e Indonésia (Prabowo Subianto). Das ausências, a de Putin já era esperada diante do mandado de prisão contra ele, expedido pelo Tribunal Penal Internacional (TPI) por crimes de guerra na Ucrânia.
Por fazer parte do Estatuto de Roma, que criou o TPI em 1998, o Brasil teria obrigação de prender o russo caso ele desembarcasse em solo brasileiro. Com isso, Putin fará apenas uma participação por videoconferência e enviou o ministro Sergey Lavrov, de Relações Exteriores.
Já Xi Jinping, da China, enviou ao Brasil o primeiro-ministro, Li Qiang. Essa será a primeira vez que o ditador chinês não participa de cúpulas do Brics desde que chegou ao poder em Pequim, em 2013. Paralelamente, os conflitos no Oriente Médio também impactaram para o esvaziamento do evento diplomático de Lula.
O presidente do Egito, Abdel Fattah al-Sisi, citou a guerra na Faixa de Gaza como empecilho para estar presente no evento do Brics. O país enviará como chefe da delegação o primeiro-ministro, Mostafa Madbouly.
Ainda na mesma região, o presidente do Irã, Masoud Pezeshkian, cancelou sua participação no evento após os ataques dos Estados Unidos e de Israel às bases nucleares iranianas no mês de junho. Ele será substituído pelo chanceler Abbas Araqchi.
Nesse episódio, o governo brasileiro “condenou veementemente” a ação americana e disse que os ataques foram uma “violação da soberania do Irã e do direito internacional”. Essa linguagem colocou o Brasil em desacordo com todas as outras democracias ocidentais, que apoiaram os ataques dos EUA ou expressaram preocupação. A nota antecipou o tom do que poderá ser aprovado numa declaração final da cúpula do Brics.
Mesmo sem acordo, Lula mantém discurso contra o dólar
Apesar do evento esvaziado, o presidente Lula já indicou que pretende usar a presidência do Brasil no bloco para discutir a criação de um sistema próprio para as transações financeiras internacionais, que não passe pelo dólar, entre os países do Brics. Essa movimentação tem potencial de abrir embates com o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, que já indicou que pode aplicar sanções contra os países que adotassem uma moeda alternativa ao do seu país em suas transações comerciais.
Mesmo com o discurso, a discussão sobre o Brics Pay não deve ter grandes avanços diante da ausência dos principais líderes do bloco durante a cúpula no Rio de Janeiro. A diplomacia trabalha para que essa proposta seja passada para a próxima presidência do Brics, a Índia.
A possibilidade desse sistema de pagamentos facilitado já havia sido falada em 2023, durante a presidência sul-africana do grupo, e foi mencionada pelo Brasil quando o país assumiu o comando do bloco.
“De forma a cumprir o mandato estabelecido pelos líderes do Brics na Cúpula de Johanesburgo em 2023, a presidência do Brasil dará continuidade aos esforços de cooperação para desenvolver instrumentos de pagamento locais que facilitem o comércio e o investimento, aproveitando sistemas de pagamento mais acessíveis, transparentes, seguros e inclusivos entre os membros do Brics”, diz o documento com as prioridades brasileiras na presidência do Brics.
Apesar de não conseguir tirar esse plano do papel durante a realização da cúpula no Brasil, Lula voltou a tratar sobre o tema na sexta-feira (4) ao discursar durante reunião do Novo Banco de Desenvolvimento (NBD), conhecido como banco do Brics.
“Essas lideranças políticas é que têm que tomar as decisões sobre as questões econômicas. Por isso que a discussão de vocês [representantes do banco] sobre uma nova moeda de comércio é extremamente importante. É complicado? Eu sei. Tem problemas políticos? Eu sei. Mas se a gente não encontrar uma nova fórmula, a gente vai terminar o século 21 igual a gente começou o século 20. E isso não será benéfico para a humanidade”, disse Lula.
Além do petista, a uso de modelos de pagamento alternativos ao dólar tem forte apoio da Rússia e da ex-presidente Dilma Rousseff, que é a atual presidente do banco do Brics.
Para Marcelo Suano, professor e analista de Relações Internacionais, o evento esvaziado de Lula mostra a dependência do brasileiro dos líderes chineses e russos para manter o Brics.
“Isso mostra uma reunião fraca, a fragilidade da força do Brasil e do governo atual, que demonstra não ter capacidade de ser protagonista. Lula perdeu as condições que poderia ter como mediador internacional ao se mostrar da maneira como se mostrou em duas das guerras atuais, por exemplo”, explica o analista.
Cúpula do Brics vira “esquenta” para a COP 30 de novembro
Para tentar contornar o esvaziamento da cúpula no Rio de Janeiro, a diplomacia brasileira vai investir no discurso de “preservação do multilateralismo”. Além disso, o evento virou uma espécie de “esquenta” para a Conferência do Clima (COP 30), que será realizada em Belém (PA) no mês de novembro.
O tom será o mesmo que Lula usou durante a cúpula do Mercosul, nesta semana, quando o Brasil recebeu a presidência do bloco da Argentina. O foco desta vez, no entanto, deve ser pautado na busca de um protagonismo comercial entre os países do chamado Sul Global, segundo integrantes do governo.
Outra aposta do evento será na discussão sobre o uso das tecnologias de Inteligência Artificial (IA) entre os países membros do Brics. Sobre esse tema, o comunicado final deve focar na “questão dos dados e na defesa de um maior controle de informações sensíveis”.
Já no texto sobre as questões climáticas, os países do grupo discutem o financiamento e como deve haver maior empenho das nações em investir em medidas de mitigação e adaptação climática. Os países do Brics, no entanto, não devem se estender sobre questões de transição energética, uma das bandeiras do Brasil.
Como o Brics é um grupo sem caráter vinculativo, os países não são obrigados a seguir as determinações desses comunicados. “Basta a China, a Rússia e todos aqueles que não estiveram presentes, de repente, mudarem sua perspectiva que as decisões que foram tomadas ali perdem a validade e serão retomadas numa próxima presidência – o que mostra que é uma reunião fraca. Demonstra a fragilidade, a pouca força do Brasil e demonstra a fragilidade do governo atual, que está mostrando que não tem capacidade de ser protagonista”, afirma o analista Marcelo Suano.
Apesar disso, a movimentação da diplomacia brasileira é de ao menos tentar chamar atenção dos demais países para a COP 30. Assim como a cúpula dos Brics, o evento climático também corre o risco de ser esvaziado, diante da posição do presidente Donald Trump, que retirou os EUA do Acordo de Paris.
O tratado de metas ambientais deve ser renovado durante o evento organizado pelo governo Lula em Belém (PA), mas sem os norte-americanos não terá a mesma relevância.
Fonte: Gazeta