Com falas controversas fora do país, gafes, posturas polêmicas em temas sensíveis e crescente desprestígio em eventos com líderes globais, inclusive os organizados pelo Brasil, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) viu seu sonho de protagonismo na cena externa afundar antes do fim do mandato.
Esse retrato de decadência e isolamento foi resumido por reportagem da revista britânica The Economist, apontando que o Brasil, outrora símbolo de projeção dentre os países emergentes, se tornou irrelevante em debates geopolíticos centrais e está cada vez mais desalinhado do Ocidente.
O texto destaca a incoerência da política externa brasileira, com notório distanciamento dos Estados Unidos e aproximação crescente de regimes autoritários, como China, Irã e Rússia. A crítica maior vem ao citar nota do Itamaraty que condenou ataques americanos a alvos nucleares iranianos.
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Sem Xi Jinping e Putin, cúpula do Brics não terá a relevância que o governo Lula queria
A vinda de delegação iraniana à cúpula do Brics, que inicia no domingo (6), no Rio de Janeiro, é vista pela revista como prova de antagonismo com os EUA. O Brasil transparece como refém das agendas de China e Rússia, cujos líderes autocráticos, Vladimir Putin e Xi Jinping, não comparecerão ao encontro.
Putin está impedido de vir, pois pode ser preso. Xi Jinping pode ter ficado desconfortável com o governo brasileiro desde a visita de Lula a Pequim, marcada por situações desconcertantes envolvendo a primeira-dama Rosângela da Silva, a Janja.
Em maio, na China, Janja teria reclamado, diretamente a Xi Jinping, que o algoritmo da plataforma chinesa favorece conteúdos da direita no Brasil. O líder chinês teria respondido que o Brasil tem o direito de regular ou banir o TikTok. A fala da primeira-dama sobre o TikTok teria causado constrangimento durante a reunião do presidente brasileiro com o ditador chinês. Com a repercussão negativa do incidente, Janja alegou ter sido “vítima de machismo”.
Recep Erdogan, da Turquia, e Claudia Sheinbaum, do México, também não virão ao Rio, mas irão enviar representantes. Outra ausência no evento será a do ditador do Egito, general Abdel Fattah al-Sisi.
Itamaraty rebate crítica à política externa e vê “autoridade moral” de Lula
O Itamaraty enviou carta do chanceler Mauro Vieira à Embaixada em Londres em que rebateu as críticas da The Economist, e destacou a autoridade moral de Lula. A diplomacia brasileira afirmou ainda que poucos são os líderes atuais que, como ele, se mantêm firmes na defesa da democracia, sustentabilidade, paz e multilateralismo.
Para analistas ouvidos pela Gazeta do Povo, Lula, que já foi chamado de “o cara” por Barack Obama, agora sofre crescente exclusão internacional. Isso se deve à diplomacia baseada em uma retórica superada e sem conexão com a realidade atual, sob comando do chanceler de fato, Celso Amorim.
“O ambicioso projeto de Lula para reverter o que chamou de isolamento criado pelo governo de Jair Bolsonaro (PL), além de ampliar o próprio capital político, se mostrou frágil, sustentado mais por simbolismo do que por resultados”, avalia Márcio Coimbra, diretor do Monitor da Democracia.
O cientista político lembra que, apesar da intensa agenda diplomática, com mais de 40 viagens internacionais nos primeiros 18 meses de governo, e do discurso do “Brasil de volta”, a estratégia de Lula priorizou espaços multilaterais como ONU, G20 e BRICS, sem alicerçá-la em ganhos concretos.
Por fim, pesaram contradições nas pautas democrática e ambiental e a defesa do chamado Sul Global (grupo outrora chamado de países em desenvolvimento), como contrapeso à hegemonia ocidental, que esbarrou na fragmentação do bloco e na estagnação brasileira. “A reindustrialização e atração de investimentos não vieram”, ressaltou Coimbra.
Lula e o Brasil ficaram de fora dos grandes debates globais, comenta professor
Para o professor Daniel Afonso Silva, da USP, o cenário internacional não dá margem real de protagonismo a Lula. “Temas centrais como o embate comercial entre EUA e China seguem ocorrendo à margem da diplomacia brasileira, e as tentativas de Lula de se inserir neles ainda geram ruídos”, diz.
Silva explica que a relativa impotência do Brasil diante dos grandes dilemas geopolíticos decorre, em parte, do rebaixamento da diplomacia nacional desde o governo da ex-presidente Dilma Rousseff (PT). “Lula tentou reabilitar o prestígio perdido, mas esbarrou em suas limitações e no contexto global”, pontua.
Para o professor, com uma realidade interna de crise de legitimidade política, paralisia econômica e ausência de reformas estruturais, Lula não tem muito o que apresentar ao mundo. “Embora Lula presida os BRICS, participe do G7 e se prepare para sediar a COP-30 [conferência do clima], essas credenciais não deram influência real”.
Na avaliação do especialista, a agenda brasileira é vista como “anacrônica e desalinhada com novos centros de gravidade do debate internacional”. A imagem que resta, diz ele, é a de “um presidente que segue nadando para não afundar — mas cuja exaustão e a do próprio país é visível a olhos nus”.
“Lula é até recebido lá fora. Mas ninguém dá a mínima atenção para o que ele fala”, resumiu Silva.
Para o líder da oposição na Câmara, Luciano Zucco (PL-RS), a dependência de Lula em se alinhar com ditaduras mostra a incapacidade do petista em liderar discussões internacionais. “O que se vê é um governo ancorado em discursos ideológicos defasados, com uma gestão marcada por improvisos, revanchismos e ineficiência. O Brasil de Lula já não empolga nem convence. A tentativa de posar como líder global do Sul geopolítico não se sustenta diante de contradições evidentes”, defendeu.
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Plano para retomar protagonismo na cena global começou ainda em 2019
Logo após deixar a prisão e resgatar os direitos políticos, em 2019, Lula iniciou a campanha de reconstrução da imagem no cenário global. Apresentando-se como vítima de perseguição judicial e militante da democracia, o petista viu a chance de retomar protagonismo depois de voltar ao poder em 2022.
A recepção calorosa por líderes como Emmanuel Macron, da França, e Joe Biden, dos EUA, reforçou a ambição de Lula por liderar a fase de articulação global baseada no multilateralismo, no combate às desigualdades sociais e entre países e na agenda climática. Nenhuma dessas frentes prosperou.
Na cúpula do G7 e no encontro do BRICS no Rio, Lula viu-se marginalizado e ainda pressionado pela postura anti-Israel nos conflitos no Oriente Médio e até por tensões diplomáticas após as iminentes sanções americanas ao ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF).
Fonte: Gazeta