Em audiência pública no Supremo Tribunal Federal (STF), representantes da Câmara dos Deputados e do Senado defenderam as emendas parlamentares de execução obrigatória como instrumento legítimo de participação democrática no Orçamento da União. Do outro lado, governo federal, especialistas e o próprio relator das ações em julgamento, ministro Flávio Dino, apontaram risco de engessamento fiscal e questionaram a transparência e a constitucionalidade do atual modelo.
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A audiência foi convocada no âmbito de três Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) que contestam as regras sobre emendas impositivas. Juntas, essas emendas — individuais, de bancada e de comissão — somam cerca de R$ 50 bilhões, o equivalente a 25% das despesas discricionárias da União.
“O Orçamento é a expressão mais clara da disputa pelo poder. E o Parlamento é parte legítima nesse processo”, afirmou Gabriele Pereira, advogada do Senado.
O advogado da Câmara, Jules Pereira, defendeu que as emendas garantem voz às minorias no processo orçamentário e aproximam o Parlamento da população. Ele citou o exemplo dos EUA, onde, segundo ele, a oposição não teve participação efetiva no Orçamento durante o governo Trump por falta de maioria no Legislativo.
Pereira rebateu a crítica de que as emendas fragmentam o Orçamento e tornam o gasto público ineficiente: “O ‘seu’ Joaquim, lá de Mossoró (RN), tem seus anseios. E por conta do princípio da dignidade da pessoa humana, esses anseios são relevantes na democracia constitucional”, afirmou.
Ele também negou que o uso das emendas traga vantagens eleitorais para os parlamentares, citando a renovação superior a 40% nas últimas eleições para a Câmara. Ressaltou ainda que as emendas passam por 27 filtros técnicos previstos na Lei Complementar 210/2024.
Governo reconhece avanços, mas alerta para distorções
O advogado-geral da União, Jorge Messias, afirmou que o Executivo reconhece melhorias trazidas após decisões do STF e a edição da nova lei complementar. Citou 20 portarias com diretrizes para orientar os parlamentares e destacou mudanças nas chamadas “emendas pix”, como a exigência de identificação do autor, foco em obras inacabadas e apresentação de plano de trabalho.
Segundo Messias, entre 2020 e 2024, dos 35 mil planos exigidos, apenas 3 mil ainda não foram enviados.
Na abertura da audiência, o ministro Flávio Dino demonstrou preocupação com a escalada das emendas e seu impacto sobre a capacidade de gestão do Executivo. Segundo ele, o modelo está sendo replicado em assembleias legislativas e câmaras municipais, e o total nacional já pode ultrapassar R$ 100 bilhões.
“Esse debate não é de um governo, nem de um momento político. Os 11 ministros do Supremo, indicados por cinco presidentes diferentes, votaram unanimemente em decisões que buscaram trazer racionalidade ao uso das emendas”, destacou Dino.
Críticas ao modelo atual
O advogado do PSOL, Walfrido Jorge Júnior, foi mais duro: afirmou que as emendas impositivas retiram do Executivo o poder de executar o Orçamento e passaram a financiar campanhas eleitorais após o fim do financiamento empresarial.
Já o economista Felipe Salto, da Warren Investimentos, alertou para o risco de colapso fiscal. Segundo ele, 92% do Orçamento já são de execução obrigatória e as emendas cresceram 700% entre 2016 e 2024.
“Esse nível de rigidez ameaça a operação do Estado. Em nenhum país do mundo o Parlamento tem esse nível de apropriação de recursos do Executivo”, disse.
O consultor de Orçamento Hélio Tollini sugeriu limitar as emendas a um percentual das despesas discricionárias, como ocorre nos Estados Unidos, onde esse valor representa cerca de 1%.
O governador de Mato Grosso, Mauro Mendes, também criticou o atual modelo. Segundo ele, as emendas parlamentares no estado já chegam a R$ 600 milhões — cerca de 2% da receita estadual — e começaram a copiar a nomenclatura e estrutura do Congresso, criando “emendas de bancada” estaduais. *Com informações da Agência Câmara/STF
Fonte: Gazeta