Depois de o Congresso impor uma derrota histórica ao governo do presidente Luiz Inácio Lula (PT) ao derrubar o decreto do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), nesta quarta-feira (25), deputados e senadores da oposição preparam uma nova ofensiva contra o Palácio do Planalto. Entre as pautas em que o Executivo deve enfrentar dificuldades no Parlamento estão uma medida provisória para aumentar a arrecadação, o projeto de isenção do Imposto de Renda (IR) para quem ganha até R$ 5 mil por mês e ainda a chamada PEC da Segurança.
Apesar dos diversos momentos de turbulência ao longo dos últimos anos, a derrubada do decreto do IOF foi vista como o principal recado de insatisfação dos parlamentares em relação ao governo Lula até agora. A última vez em que o Congresso havia derrubado um decreto presidencial tinha sido em 1992, no governo do ex-presidente Fernando Collor de Mello e ocorreu seis meses antes de a Câmara dos Deputados abrir um processo de impeachment contra ele.
Nesta quarta, a votação contra o Planalto foi expressiva, reunindo votos da oposição e de partidos do Centrão com cargos na Esplanada dos Ministérios. O placar no plenário da Câmara foi de 383 votos a favor da derrubada e 98 contra. No Senado, a votação foi na modalidade “simbólica”, sem a contagem individual dos senadores e apenas com a sinalização contrária da bancada do PT.
“Foi uma construção suprapartidária, com a maioria expressiva. A Câmara e o Senado derrubaram o decreto para evitar o aumento do Estado. Não tem o que explicar, está lá o resultado da votação, é o sentimento da Casa. Não tem mal-estar. Essas coisas são colocadas e cada Poder tem que entender o limite dele. É da democracia”, disse o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB).
A votação marcou ainda uma sintonia inédita entre Motta e o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), já que a votação ocorreu no mesmo dia nas duas Casas. “O que nós não podemos aceitar e não vamos aceitar são ofensas e agressões por uma decisão legítima do Parlamento de deliberar um projeto de decreto legislativo. A demonstração de hoje é a demonstração de quem está há dois anos ajudando na agenda do governo (…) mesmo sabendo que é, sim, uma derrota para o governo, mas construída a várias mãos”, disse Alcolumbre.
Antes da troca no comando do Congresso, em fevereiro deste ano, o governo costumava se fiar na relação com o senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG) quando sofria derrotas impostas por Arthur Lira (PP-AL) na Câmara.
“Essa derrota é mais um capítulo na saga de fragilidade do governo Lula, que parece estar lutando para impor sua agenda política. A pressão da sociedade, somada às críticas sobre a constitucionalidade da medida, mostra que o governo não tem o apoio necessário para suas políticas, o que pode comprometer sua capacidade de governar”, defendeu o analista político e advogado tributarista Arcênio Rodrigues.
Pacote alternativo ao IOF de Lula também enfrenta resistências do Congresso
Antes de o decreto ser derrubado pelo Congresso, o governo chegou a publicar uma Medida Provisória (MP) como alternativa ao aumento do IOF. O texto eleva de 12% para 18% a alíquota dos impostos sobre o faturamento das empresas de apostas esportivas, as chamadas Bets.
A MP prevê ainda o fim da isenção das aplicações em LCIs (Letras de Crédito Imobiliário) e LCAs (Letras de Crédito Agrícola). Essa medida entrou em vigor imediatamente após a publicação, mas o Congresso tem um prazo de até 120 dias para analisar o texto.
Apesar de já estar em vigor, a MP precisa ser votada até 28 de agosto para não perder a sua validade. A discussão depende de instalação de uma comissão mista por parte de Davi Alcolumbre, o que não aconteceu até o momento.
O próprio líder do governo na Câmara, deputado José Guimarães (PT-CE), admitiu que a MP tem ainda mais resistência que o decreto do IOF que já foi derrubado pelo Congresso. “A resistência maior foi em cima da MP. A principal divergência é sobre os pontos levantados sobre a medida provisória, como a ampliação das taxações dos grandes bancos e a questão dos incentivos”, disse o petista.
Principal bancada do Congresso Nacional, a Frente Parlamentar do Agronegócio (FPA), por exemplo, se mobilizou contra o trecho da MP que acaba com a isenção da LCA. O título, negociado no mercado de aplicações financeiras, é considerado um dos mais atraentes ao investidor pessoa física, que não paga Imposto de Renda sobre o rendimento deles. A LCA é usada, principalmente, no financiamento do agronegócio brasileiro.
“Temos um entendimento muito claro que o governo tentou a questão do IOF, sabendo que não teria sucesso, e agora tenta inovar com alternativas. A taxação da LCA é um golpe muito duro no agro e um ataque direto no setor. É algo que nos preocupa muito”, afirmou o deputado Pedro Lupion (PP-PR), presidente da FPA.
No Senado, o senador Carlos Viana (MG), líder do Podemos, já indicou que a proposta também encontra resistência tanto na oposição quanto na base do próprio governo. “A base, a própria oposição, a questão do agro, por exemplo, os títulos, nós não concordamos, definitivamente, com qualquer tipo de aumento [de tributo] ao agro brasileiro e aos investidores. Outras áreas, como bets, as fintechs, isso está na mesa para ser discutido com razoabilidade. Mas o pacote inteiro, com toda a sinceridade, eu acredito que não vai ser aprovado”, disse Viana.
Isenção do IR e PEC da Segurança estão travados na Câmara
Enquanto a insatisfação com o governo Lula perdurar, propostas de interesse do Executivo – como a que isenta o Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil e a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Segurança – seguirão paradas na Câmara. Esses projetos são tidos como prioridades para o Executivo e seriam usados como vitrine eleitoral para o PT em 2026.
“Essa situação pode ter implicações profundas para a governabilidade e a capacidade do presidente Lula de levar adiante suas propostas. A Câmara, ao agir dessa forma, demonstra que está disposta a questionar e contrariar o Executivo quando julga necessário. Agora, resta saber como o governo reagirá a essa derrota e se conseguirá recuperar o apoio necessário para avançar em suas políticas”, explica o analista Arcênio Rodrigues.
O relator da proposta da isenção do IR, o deputado Arthur Lira adiou a apresentação do seu parecer, que estava prevista para esta sexta-feira (27). Aliados do ex-presidente da Câmara avaliam que o momento de crise entre Executivo e Congresso inviabiliza o andamento da proposta.
O governo articulava para que a medida fosse aprovada pelos deputados ainda neste primeiro semestre, antes do recesso do Legislativo, que começa em 17 de julho. Nos cálculos do Planalto, a votação no segundo semestre pelo Senado permitiria que a medida entrasse em vigor já em 2026, antes do período eleitoral.
A isenção do IR deve gerar uma renúncia fiscal de receitas de R$ 27 bilhões para a União. O texto do governo estabelece como forma de compensação a taxação de dividendos dos mais ricos, que ganhem acima de R$ 600 mil por ano.
A alíquota começa em zero e vai subir gradativamente, até que quem recebe mais de R$ 1,2 milhão todos os anos pague, pelo menos, 10% de imposto sobre sua renda, incluindo dividendos — modelo de distribuição de lucros pelas empresas que hoje é isento para pessoa física. O relator, no entanto, já afirmou que há um “descompasso” nos cálculos do governo.
Outra mudança avaliada por Lira é inclusão de uma compensação direta aos estados e municípios pela perda de arrecadação com o aumento da faixa de isenção. O mecanismo teria de ser de transferência direta para os entes federativos, sem passar pelos fundos. Isso porque, as prefeituras e estados retêm parte dos salários dos servidores na fonte, também como parte do Imposto de Renda.
Além dessa proposta, a chamada PEC da Segurança também não deve avançar no primeiro semestre. O deputado Hugo Motta chegou a defender o projeto, mas o atual clima com Executivo inviabiliza a votação do parecer pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara.
O objetivo da proposta é unificar o sistema de segurança e combate ao crime organizado no Brasil, com ações coordenadas entre a União, estados e municípios. A PEC, no entanto, enfrenta resistência por parte de diversos governadores.
“Esta proposta já começa viciada desde seu bojo, com políticos que querem centralizar a gestão da segurança em Brasília. Não vai ter como consertar depois. Já que a PEC fere cláusula pétrea da Constituição, que prevê que não se pode mudar a forma federativa do Estado. Vamos rejeitar esta PEC”, defende a deputada Caroline de Toni (PL-SC), líder da Minoria na Câmara.
Emendas e recursos ao STF viram alternativas para o governo contra o Congresso
Apesar do cenário de derrotas, Lula tem sinalizado aos seus assessores e aliados nas últimas semanas que não pretende ceder ao Congresso Nacional. Antes da votação sobre o decreto do IOF, o petista realizou uma reunião com os seus líderes e na sequência disse que “quem decide o que vai ser feito ou não no país é ele como presidente, ouvindo as pessoas necessárias”.
Nas próximas semanas, o governo pretende tentar minimizar o clima de insatisfação dos parlamentares da base por meio da liberação das emendas. Segundo dados do Sistema Integrado de Planejamento e Orçamento (Siop), somente nesta quarta, o Executivo reservou aproximadamente R$ 1 bilhão para o pagamento das indicações de senadores e deputados ao Orçamento.
Esse foi o maior salto no montante reservado para emendas parlamentares ao longo de 2025. Para este ano, o Congresso aprovou cerca de R$ 50 bilhões desses recursos direcionados por deputados e senadores para suas bases eleitorais. A maior parte é de emendas individuais (R$ 24,7 bilhões), ou seja, de pagamento obrigatório pelo Executivo.
Por outro lado, o governo não descarta recorrer ao Supremo Tribunal Federal (STF) para tentar reverter a derrota sobre o decreto do IOF. Em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, disse que as alternativas estudadas pelo Executivo envolvem ir à Justiça contra a decisão do Congresso, buscar uma nova fonte de receita ou fazer um novo corte no Orçamento que atinja a todos.
A equipe econômica argumenta que a decisão do Congresso é inconstitucional e por isso quer recorrer ao STF. A ala política do governo tem dúvidas por temer que a medida acirre ainda mais os ânimos no Congresso.
Em nota, a Advocacia-Geral da União (AGU) informou que as questões jurídicas serão abordadas “tecnicamente, após oitiva da equipe econômica” e que uma eventual judicialização do caso será comunicada exclusivamente pelo advogado-geral da União, Jorge Messias.
“A Advocacia-Geral da União informa que, em resposta às notícias divulgadas na mídia sobre a judicialização do Decreto do IOF, que não há qualquer decisão tomada e que todas as questões jurídicas serão abordadas tecnicamente pela AGU, após oitiva da equipe econômica. A comunicação sobre os eventuais desdobramentos jurídicos do caso será feita exclusivamente pelo Advogado-Geral, no momento apropriado”, disse o órgão.
Presidente do partido de Hugo Motta, o deputado Marcos Pereira (Republicanos-SP) criticou a possibilidade de o governo recorrer ao STF. “Além de ignorar a vontade do Congresso, o governo tenta transformar um fracasso político em questão judicial. Um movimento perigoso que desrespeita a democracia e esvazia o papel do Legislativo”, afirmou Pereira.
Fonte: Gazeta