O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) pode chegar ao final deste ano com menos apoio dos partidos do Centrão. Atores políticos do Congresso Nacional entendem que a agenda arrecadatória do Ministério da Fazenda e a queda acentuada de popularidade de Lula colocam o Executivo sob uma corrida contra o tempo para garantir alguma governabilidade em 2026, ano em que haverá eleições para presidente e para outros cargos.
Pressionado pelo Centrão e pela oposição, o presidente da Câmara, Hugo Motta prepara para esta segunda-feira (16) uma pauta de votações que vai afrontar o governo. O principal ponto é a votação da urgência de um Projeto de Decreto Legislativo para derrubar um decreto sobre o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), que havia sido criado pelo Executivo para elevar a carga de impostos e cobrir os gastos do governo.
A pauta da Câmara inclui ainda outro Projeto de Decreto Legislativo para suspender uma portaria do Executivo que pretende dar poder aos sindicatos, determinando que eles tenham que autorizar estabelecimentos comerciais nos feriados que queiram abrir nos feriados. A medida pode entrar em vigor em 1º de julho se não for derrubada pelos parlamentares.
Nesse contexto, fontes ouvidas pela reportagem afirmam que o desembarque dos partidos do Centrão é contabilizado como algo com data marcada para ocorrer, seja no final de 2025 ou início de 2026.
Um líder de partido na Câmara dos Deputados, que pediu para não ter o nome revelado por comentar assuntos sensíveis, afirmou à reportagem que a falta de agenda do governo, aliada às sucessivas crises, como o aumento do Imposto sobre Operação Financeira (IOF) e o escândalo do INSS, vão tornando o apoio público ao governo cada vez mais difícil. No caso do IOF, o impacto para o cidadão e o setor produtivo é avaliado como risco político para quem estiver próximo ao Palácio do Planalto.
O Centrão começou a mostrar impaciência quando Motta deu um prazo para o governo apresentar uma solução alternativa para equilibrar o orçamento sem a nova elevação do IOF. O governo Lula apresentou na semana passada uma nova proposta que diminui a perspectiva de arrecadação, com mudanças no IOF e elevação de taxação de empresas, de R$ 19 bilhões para entre R$ 6 bilhões e R$ 7 bilhões.
Mas a mudança não foi considerada suficiente porque não veio acompanhada por nenhuma proposta de redução de gastos. Segundo Motta, já há 320 votos para pautar a urgência do Projeto de Decreto Legislativo, mas o governo ainda pode apresentar uma nova proposta enquanto o mérito da questão não é votado.
Desaprovação de Lula estimula Centrão a se afastar, mas emendas falam mais alto
Uma pesquisa divulgada no último sábado pelo instituto Datafolha mostrou que Lula tem uma rejeição de 46% dos eleitores. A rejeição ao ex-presidente Jair Bolsonaro é de 43% segundo o levantamento.
Outro indício da piora da popularidade de Lula é que em estudos anteriores do instituto ele vencia candidatos da direita em uma simulação de segundo turno e agora no máximo empata tecnicamente. Lula teria 43% dos votos e Bolsonaro 42%. Em abril, Lula tinha 49% das intenções de voto e Bolsonaro 40%.
Em uma disputa com Tarcísio de Freitas (Republicanos), Lula receberia 43% dos votos contra 42% do atual governador de São Paulo segundo o levantamento atual. A relação em abril era de 48% a 39%
O Datafolha entrevistou 2004 eleitores em 136 cidades entre os dias 10 e 11 de junho. A margem de erro da pesquisa é de dois pontos percentuais.
Segundo um deputado federal do MDB, que pediu para não ter o nome revelado, os números de queda de popularidade de Lula mostram que o governo pode estar numa trajetória sem volta para 2026. Na leitura dele, a relação entre os partidos e o governo se tornará cada vez mais pragmática e o custo político cada vez mais alto.
A tendência de queda, no entanto, faz o Centrão adotar estratégias diversas contra o governo. Se de um lado ele procura um distanciamento do atual chefe do Executivo, por outro, deverá continuar negociando com o petista para garantir o pagamento de emendas.
No final de maio, o Palácio do Planalto anunciou o possível bloqueio de mais R$ 7 bilhões em emendas parlamentares. Na semana passada, voltou a liberar emendas (mais de R$ 7 milhões) em meio a negociações para não ter decretos derrubados e evitar uma CPMI do INSS.
Segundo o cientista político Paulo Kramer, “a prioridade dos políticos do Centrão é fortalecer a competitividade dos seus parlamentares, sobretudo os deputados federais, a fim de garantir fatias suculentas dos fundos partidário e eleitoral”.
Kramer explica que essa estratégia se desdobra em duas frentes dentro do próprio grupo: “Enquanto uma ala dessas bancadas fica no governo para chupar-lhe o último tutano dos seus ossos, a outra ala, mais ‘oposicionista’, se afasta desde já do Planalto”.
Independentemente do resultado das eleições, o Centrão se reorganiza para manter sua influência. “Ao fim e ao cabo, independente de quem vier a vencer a disputa presidencial, a ala vitoriosa ajuda a ala derrotada a se recompor com o governo, seja quem for o presidente”, afirma o cientista político. Ele conclui citando uma frase do deputado Arthur Lira (PP-AL) que resume o atual momento da gestão petista: “Ninguém entra em barco que está naufragando”.
Federações serão decisivas para Centrão até o fim do ano
A união entre partidos do Centrão também é avaliada como outro movimento que pode consolidar a saída de legendas como União Brasil, PP, Republicanos e MDB. No caso dos dois primeiros partidos, seus caciques defenderam publicamente que os ministros de ambos os partidos deixem as pastas e integrem o bloco de oposição. “Eu defenderei que nenhum membro ocupe cargos no governo Lula”, disse o vice-presidente do União Brasil, ACM Neto, em entrevista ao jornal O Globo.
Questionado sobre a possibilidade de o União Brasil repetir 2022 e adotar uma postura de neutralidade em 2026, ACM Neto se colocou “completamente contrário” e reforçou a necessidade de construir uma candidatura alternativa. Atualmente a sigla possui três ministérios: Turismo (Celso Sabino), Comunicações (Frederico Siqueira) e Integração e Desenvolvimento Regional (Waldez Góes).
Apesar da declaração de ACM, o União Brasil encontra resistências internas para desembarcar da gestão petista. Um exemplo dessa situação é a pasta do Desenvolvimento Regional, cuja indicação foi de Alcolumbre. Embora não seja do União Brasil, o ministro Waldez Góes representa uma ponte entre os interesses do senador amapaense e o governo Lula, principalmente no que se refere à exploração de petróleo na margem equatorial, próxima ao Amapá.
Outros partidos já ensaiam a formação de federações, como o MDB e Republicanos, com três e um ministros na Esplanada, respectivamente. No caso do MDB, parte da legenda defende o desembarque, enquanto outra parte defende a aliança com Lula para 2026.
A aproximação entre Baleia Rossi (MDB) e Marcos Pereira (Republicanos) indica que os emedebistas de oposição ao governo podem estar ganhando espaço no partido. Em reserva, um interlocutor do MDB confirmou que a federação ainda não foi formalizada por questões estratégicas. Caso houvesse a efetivação do movimento, Lula poderia entender a ação como desembarque e retirar de imediato os ministros ligados às legendas.
Embora não tenha comentado sobre quem a sigla deva apoiar em 2026, o ministro dos Transportes, Renan Filho (MDB), defendeu a aliança entre os dois partidos.
“O namoro do MDB com o Republicanos vai muito bem. Eu defendo que nós façamos uma federação por um motivo muito simples e objetivo. Eu digo ao MDB e ao Republicanos que, ou a gente forma uma federação, e vamos para próximo de 100 deputados na Câmara e a maior bancada no Senado Federal, ou então vamos para a série B da política, e não combina com o MDB a série B”, afirmou Renan Filho.
O cientista político Elton Gomes, professor da Universidade Federal do Piauí (UFPI), avalia que os partidos de centro, historicamente marcados por pragmatismo, antecipam a fragilidade do governo e a dificuldade de reeleição do presidente Lula.
“Eles querem se desvincular de medidas impopulares, como a elevação de tributos, mas, ao mesmo tempo, permanecem usufruindo das benesses da coalizão governista”, analisa.
Para Gomes, esse movimento revela uma estratégia de “jogo duplo”: partidos como MDB e PSD buscam se fortalecer eleitoralmente por meio de federações, ampliando sua presença no Brasil profundo e, ao mesmo tempo, essas siglas mantêm uma postura discreta de apoio ao governo. Dessa forma, tentam evitar associação direta a políticas que possam prejudicar seu desempenho nas urnas em 2026.
Com esquerda em baixa, Centrão se apoia na direita para vencer em 2026
Além do desembarque do governo, a queda de popularidade de Lula também pode estimular o Centrão a repetir o movimento feito nas eleições municipais de 2024, quando se aproximou da direita para conquistar prefeituras.
Além do Legislativo federal, o bloco de partidos também se movimenta para estar em uma chapa composta por um candidato de direita, seja Tarcísio de Freitas, governador de São Paulo, ou outro indicado de Bolsonaro.
Em maio, o presidente nacional do PSD, Gilberto Kassab, afirmou que a legenda apoiará o governador paulista em uma eventual candidatura à presidência da República em 2026 e que não faz parte da base Lula – mesmo tendo três ministérios no governo.
“Caso o governador seja candidato, se coloque à disposição [para sair à Presidência], será mais do que natural apoiá-lo”, disse Kassab no início de maio.
Segundo o cientista político Adriano Cerqueira, professor do Ibmec de Belo Horizonte, o Lula não conseguiu consolidar em seu terceiro mandato uma base de apoio sólida no Congresso, o que abriu espaço para o fortalecimento do Centrão em alianças com a direita.
“O Centrão — esse grupo de partidos de centro-direita — nunca formalizou totalmente seu apoio ao governo Lula. Mesmo quando algumas legendas, como o Republicanos, tentaram se aproximar, os parlamentares não mantiveram fidelidade nas votações”, afirmou.
Para o especialista, a queda de popularidade de Lula, aliada a crises e escândalos, fortalece a percepção de que a esquerda já não tem força para liderar o processo eleitoral de 2026.
“A parcela de centro que ajudou Lula a vencer em 2022 hoje já não está mais com ele. Os partidos do Centrão estão buscando uma candidatura menos radical, mas que ainda dialogue com o eleitorado direitista”, ressaltou.
Fonte: Gazeta