O direito de falar ou de permanecer em silêncio durante um depoimento ou interrogatório às autoridades policiais ou judiciárias em um processo penal é uma garantia prevista na Constituição Federal e ratificada pelo Código de Processo Penal.
O tema tem chamado a atenção durante os depoimentos à Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) dos réus acusados pela suposta tentativa de golpe de Estado após as eleições de 2022. O general Augusto Heleno, por exemplo, decidiu se manter em silêncio diante das perguntas feitas pelo ministro Alexandre de Moraes, relator do caso, mas respondeu aos questionamentos de sua defesa. Apesar de formulados de forma diferente das do ministro, abordaram os mesmos temas. (Leia abaixo o que disse Heleno.)
Segundo o procurador-jurídico da Associação Nacional da Advocacia Criminal (Anacrim), Marcio Berti, o silêncio não pode ser interpretado como confissão de culpa. O réu não pode ser coagido a falar e a autoridade deve informar expressamente que ele tem o direito de permanecer calado. Sendo assim, é um direito imprescindível.
O direito ao silêncio é uma proteção jurídica fundamental, e a escolha de usá-lo depende da estratégia da defesa, do momento do processo e da situação. Em outra análise, Berti acrescenta que um investigado não é obrigado a produzir prova contra si mesmo — o chamado princípio da não autoincriminação.
Já o advogado Alessandro Chioratino explica que, quando um réu decide não responder às perguntas, isso não pode ser interpretado como sinal de culpa. O silêncio do réu não significa que a acusação esteja certa, pois é a acusação que deve provar o que está dizendo.
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Garantia fundamental do processo penal
O advogado Marcio Berti explica alguns fundamentos sobre o direito ao silêncio. Um deles é a presunção de inocência. “Se o Estado presume que o réu é inocente até que se prove o contrário, não faz sentido exigir que ele fale ou se defenda obrigatoriamente. O ônus da prova é da acusação”, destaca Berti.
Ele também explica o porquê de o réu não ser obrigado a falar e ter a garantia constitucional do direito ao silêncio.“Se o réu fosse obrigado a falar, o processo penal deixaria de ser um instrumento de justiça para se tornar um mecanismo de opressão estatal”, afirma.
Além dos aspectos técnicos, Berti salienta que o direito ao silêncio também está relacionado ao princípio da dignidade da pessoa humana. Essa garantia, inclusive, está respaldada em tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário, como o Pacto de San José da Costa Rica e o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, que asseguram o direito de toda pessoa a não ser forçada a testemunhar contra si mesma.
Sobre o motivo pelo qual alguns réus escolhem falar enquanto outros permanecem em silêncio, o especialista diz que “é impossível apontar uma única razão”. Segundo ele, “isso varia conforme o caso, o perfil do acusado e, muitas vezes, é uma estratégia orientada pela própria defesa técnica”.
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Heleno respondeu aos questionamentos de sua defesa
Ao responder às perguntas de seu advogado sobre temas diversos relacionados ao suposto golpe de Estado, o general Augusto Heleno afirmou ter aceitado o resultado das eleições de 2022, ainda que com ressalvas, dizendo que “tinha que aceitar, não havia outra solução”. Ele também declarou ser favorável ao voto impresso, mas ponderou que as urnas eletrônicas poderiam passar por melhorias.
Heleno destacou que não se opôs à transição de governo no Gabinete de Segurança Institucional (GSI). Segundo ele, recebeu pessoalmente o indicado do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o general Gonçalves Dias, apresentando-o à equipe e garantindo liberdade para que fizesse as mudanças que considerasse necessárias.
“Procurei fazer da melhor forma possível. Sabia o quanto era complicado o GSI. As missões do GSI não são fáceis e eu achava importante que o futuro chefe tomasse conhecimento dessas dificuldades”, afirmou.
O general também mencionou que o GSI participou da cerimônia de posse de Lula, mas reiterou que ele já estava afastado do cargo antes da nova gestão assumir.
Heleno reconheceu que pessoas próximas a ele permaneceram no Palácio do Planalto durante os atos de 8 de janeiro, mas justificou que isso ocorreu para auxiliar na transição de governo — e com o consentimento de Gonçalves Dias, que, segundo ele, foi flagrado andando entre os invasores sem agir para impedi-los.
Por fim, Heleno negou envolvimento nos atos supostamente golpistas e refutou qualquer participação em suposto plano de golpe de Estado, execução de autoridades ou instalação de um gabinete de crise sob sua liderança, caso o então presidente Jair Bolsonaro decretasse estado de sítio ou de defesa.
Fonte: Gazeta