Belém enfrenta um cenário peculiar no mercado de frutas. Nas últimas semanas, o morango, mesmo em plena safra, teve o preço duplicado em alguns pontos de venda da capital paraense, em resposta a uma tendência nas redes sociais: o chamado “morango do amor”. Com o aumento da procura pela fruta — tanto por consumidores quanto por docerias —, o preço subiu e a oferta ficou comprometida, criando um cenário típico do impacto do comportamento do consumidor na dinâmica de preços e trazendo à tona o conceito de inflação por demanda.
Em um ponto de venda no bairro do Umarizal, a procura aumentou 300% nas últimas semanas. Segundo Décio Borges, sócio do comércio, o boom da fruta gerou um impacto imediato no custo de aquisição, que dobrou de um dia para o outro. “Pagamos 100% a mais pelo produto, de repente. Tivemos que recorrer ao transporte aéreo para garantir o abastecimento, o que elevou ainda mais os custos. Tudo isso para dar conta da demanda”, afirma.
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“Foi um negócio que saiu do controle. Ninguém esperava. Tivemos que disputar com outros estados e, mesmo em plena safra, não conseguimos manter o abastecimento. Acabamos tendo que trazer a fruta por avião, via Brasília e São Paulo, o que elevou todos os custos”, relata.
E com todo esse aumento no custo do produto, o repasse para o cliente também cresceu. Na loja de Décio, o preço da fruta dobrou: “É inevitável o repasse, o custo subiu muito e muito rápido, por isso o aumento no valor é de 100%”.
Fenômeno econômico
Esse aumento repentino tem nome: inflação por demanda. “O que estamos vendo é um caso clássico. O produto está em safra, não há problemas climáticos ou de produção. Mas a explosão de consumo fez com que os preços disparassem localmente”, avalia o economista Everson Costa.
O fenômeno nada mais é que uma alta de preços provocada pelo aumento expressivo na procura por um produto ou serviço, sem que a oferta consiga acompanhar o ritmo. É diferente da inflação de custos, que está ligada ao aumento de insumos ou da produção. No caso do morango, o crescimento desordenado da demanda gerou uma escassez pontual e elevou os preços, mesmo durante a safra. “O TikTok e outras plataformas digitais hoje funcionam como grandes vitrines de consumo. Uma tendência que ganha visibilidade ali pode transformar completamente o comportamento do consumidor e gerar pressão sobre mercados inteiros — como ocorreu com o morango”, analisa.
O morango, que costuma ser mais consumido em datas específicas, como o Natal, agora figura entre os itens mais procurados nos pontos de venda da capital paraense. Docerias, cafeterias e ambulantes passaram a oferecer o doce feito com a fruta coberta de chocolate, mas, ao contrário do que se imagina, são os vendedores de morango in natura que estão enfrentando o maior desafio logístico e financeiro.
Hora de faturar
“Mesmo com a safra a todo vapor, não estamos dando conta. O impacto foi tão grande que tivemos que pausar temporariamente o atendimento por delivery para atender só no presencial. Nunca vi nada igual”, diz Décio.
O empresário conta que o movimento foi tão intenso que o ponto de venda bateu a meta mensal em questão de dias: “Conseguimos dobrar o faturamento em menos de uma semana. O que a gente previa vender em um mês, vendemos em poucos dias”, afirma.
A alta nos preços, no entanto, não desanimou os consumidores. O frisson segue forte e, segundo o comerciante, as vendas continuam aceleradas:“Hoje, 90% das encomendas que recebemos são feitas por doceiras ou para eventos. Muitas pessoas compram caixas inteiras”, diz.
Alerta aos empreendedores
Everson Costa também chama atenção para a necessidade de cautela dos comerciantes — tanto de doces quanto de frutas:“Esse tipo de movimento gera oportunidade de lucro, sem dúvida. Mas é importante lembrar que toda moda tem um ciclo. Quem compra grandes quantidades de insumos ou investe alto em estoque pode acabar no prejuízo se a procura cair repentinamente”, alerta.
O economista reforça que o momento exige planejamento:“Especialmente para quem está apostando na revenda da fruta ou na produção de doces”.
E o impacto não se limita ao setor de hortifrúti.“A gente está falando de um novo padrão de consumo. O digital influencia fortemente o comércio, a indústria e os serviços. As estratégias de marketing e os planos de negócio precisam levar em conta essas variações rápidas de comportamento. Quem souber reagir com inteligência a esses picos pode lucrar, mas também precisa se proteger dos riscos”, diz.
Por fim, ele orienta o consumidor a observar os preços com atenção e evitar pagar mais do que o necessário.“É importante não cair na armadilha da especulação. Se a oferta estiver limitada, vale pesquisar, comparar e esperar, se possível. A inflação por demanda é passageira na maioria dos casos. E com o tempo, o mercado costuma se reequilibrar”.
Fonte: O Liberal