Nos últimos seis meses, um homem com uma profissão comum de historiador, até então desconhecido, vem se destacando no cenário político da Polônia com uma vitória surpreendente nas eleições presidenciais.
Karol Nawrocki assumiu oficialmente a presidência da Polônia em uma cerimônia no Parlamento no último dia 6. Em seu discurso de posse, o historiador de 42 anos prometeu defender valores conservadores e deixou claras as principais diretrizes de seu mandato: “não à imigração ilegal e não a uma Polônia A e uma Polônia B”.
O novo presidente polonês foi enfático ao dizer que fiscalizará de perto projetos de lei e as ações do governo de coalizão liderado pelo primeiro-ministro centrista-liberal Donald Tusk. Durante a campanha, Nawrocki chegou a declarar que as eleições eram um “referendo para destituir Donald Tusk”, um opositor que ele vem criticando há muito tempo.
O historiador, que recebeu apoio do presidente Donald Trump e do primeiro-ministro da Hungria, Viktor Orbán, nas eleições de junho, prometeu fiscalizar as iniciativas liberais do governo de Tusk, a quem se dirigiu do púlpito no dia 6, advertindo-o de que “espera ser pontualmente informado” sobre todos os seus projetos políticos.
O recém-empossado presidente adiantou que continuará intervindo no Poder Judiciário para “devolver a Polônia ao caminho do Estado de direito” e que se recusará a nomear juízes “que prejudiquem a ordem constitucional”. Ele também anunciou que agirá contra “o procurador-geral, eleito ilegalmente”, em referência ao atual ministro da Justiça, nomeado por Tusk, que também é procurador-geral.
Nawrocki é declaradamente um conservador que defende valores tradicionais e cristãos. Ele também se apresenta como um firme defensor da soberania nacional contra as imposições externas, como da União Europeia (UE). Sua vitória decisiva dá impulso a um avanço que vem sendo observado da direita na Europa.
Ex-boxeador, segurança de hotel e historiador “perseguido por Putin”
Até o ano passado, quando foi apoiado como candidato presidencial pelo partido de oposição Lei e Justiça (PiS), Karol Nawrocki dirigia o Instituto de Memória Nacional (IPN), focado em defender narrativas históricas relacionados ao país e investigar crimes da ocupação nazista e do período comunista.
À frente do IPN, o historiador liderou esforços para derrubar monumentos do Exército Vermelho Soviético na Polônia após a invasão russa na Ucrânia, o que desagradou a Rússia, que respondeu colocando-o em uma lista de procurados, segundo relatos da mídia polonesa.
“Diante dos nossos olhos, a história se tornou uma experiência viva. Não há lugar no espaço público polonês para qualquer comemoração do regime comunista totalitário e seu povo”, disse Nawrocki, citado pela Associated Press.
Doutor em humanidade, o novo presidente da Polônia também dirigiu o Museu da Segunda Guerra Mundial em Gdansk, onde nasceu. Alguns posicionamentos dele nessa época receberam duras críticas por sua suposta deslegitimação de pesquisas sobre antissemitismo na Polônia ou informações distorcidas sobre poloneses que mataram judeus durante o avanço nazista.
Segundo o The New York Times, ele reformulou o museu de Gdansk para se concentrar no sofrimento polonês durante a guerra e tem sido criticado por minimizar o Holocausto, que ocorreu principalmente em campos nazistas na Polônia ocupada. Ele escreveu ou editou sete livros, destacou o jornal.
Antes de ser historiador e professor, Nawrocki chegou a trabalhar como segurança de hotel. Durante a campanha, a comitiva do recém-empossado presidente da Polônia o apresentou como um homem modesto, defensor da família e de valores cristãos. Uma informação curiosa sobre Nawrocki é que ele praticava boxe na juventude, esporte que lhe rendeu o título de campeão da categoria juvenil na época.
Outro aspecto que relaciona a imagem do presidente à de um homem comum é que ele conseguiu obter um mestrado em humanidades estudando à noite e trabalhando duro durante o dia, realidade de muitos cidadãos, que passaram a enxergá-lo como um líder que entende o povo e que pode gerar mudanças num cenário político cada vez mais ligado a pautas liberais.
Frequentemente, ele publica fotos nas redes sociais de sua jovem família e imagens relacionadas à fé católica. Ele também compartilha imagens de si mesmo na academia, lutando boxe ou praticando tiros.
Paralelamente, o governo do primeiro-ministro Donald Tusk tem apostado em pautas antagônicas a valores conservadores na sociedade polonesa, como a busca por legalizar o aborto até a 12ª semana de gravidez.
O historiador e professor, agora presidente, também anunciou sua intenção de “devolver a normalidade” às escolas públicas polonesas, promovendo “leituras polonesas, história polonesa” e “freando” a difusão da “ideologia LGBT”.
Para impulsionar sua política, Nawrocki anunciou a criação de um Conselho para a Reparação do Sistema Estatal, composto por um gabinete de colaboradores cuja composição será anunciada em breve e que, segundo ele, gostaria “que incluísse políticos e acadêmicos de todos os círculos ideológicos”.
Favorável a mais investimentos no Exército, que já é o maior da Europa
O novo presidente da Polônia também deixou clara sua posição de que apoia mais investimentos no Exército, atualmente o maior da União Europeia.
Ele ainda sinalizou que continuará apoiando a Ucrânia contra a invasão russa, por meio do fornecimento de armas. Apesar disso, não se mostrou favorável em permitir a chegada de refugiados ucranianos no país.
Controvérsias
Antes de se tornar presidente, Karol Nawrocki se envolveu em algumas polêmicas que ganharam destaque na imprensa local.
Uma delas é que o político afirmou que possuía apenas um pequeno apartamento em sua cidade natal, Gdansk (norte do país), mas posteriormente foi pressionado a admitir a posse de uma segunda propriedade, que adquiriu em troca de cuidar de um vizinho doente, a quem ele alegou ter ajudado “desinteressadamente”, e acabou doando o apartamento para a caridade.
Também foram divulgadas na imprensa local, durante as eleições, fotos do político com um membro de uma gangue e outros criminosos. Ele negou ser próximo deles.
Outro episódio inusitado envolve a publicação de um livro sobre a vida de um gângster sob um pseudônimo. Nawrocki teria ligado para um programa de televisão usando sua voz disfarçada para recomendar a obra, mas foi descoberto.
Fonte: Gazeta