A vida no oceano acaba de surpreender mais uma vez. Recentemente, cientistas chineses registraram imagens impressionantes de formas de vida raras a cerca de 9 km de profundidade.
A missão, liderada pelo Instituto de Ciência e Engenharia do Mar Profundo (IDSSE), da Academia Chinesa de Ciências, explorou áreas remotas do noroeste do Oceano Pacífico a bordo do submersível Fendouzhe – capaz de operar a cerca de 10 km nas profundezas.
Como os pesquisadores encontraram vida nas profundezas do oceano?
Ao longo de 24 mergulhos, entre os dias 8 de julho e 17 de agosto de 2024, a equipe percorreu mais de 2.500 km, explorando trincheiras em profundidades que variam de 5,8 a 9,5 km. Tudo pela busca de respostas sobre os limites da vida em nosso planeta.
As observações renderam um artigo na revista Nature, publicado no dia 30 de julho. Embora já fosse aceito entre os cientistas marinhos que haveria vida no fundo dos oceanos, os pesquisadores afirmaram que a abundância de animais que viram pelas janelas do submersível foi “surpreendente”. O que encontraram foi além de qualquer expectativa.
Câmeras de alta definição revelaram campos inteiros cobertos por vermes tubulares, bancos de moluscos, tapetes de bactérias e até vertebrados vivendo em plena atividade em um ambiente que, para os padrões humanos, seria completamente inóspito.
Como é a vida nas profundezas do oceano?
Essas novas espécies vivem no oceano profundo, no escuro absoluto, em temperaturas próximas ao congelamento e sob pressões capazes de esmagar a maioria das formas de vida conhecidas. Ainda assim, adaptaram-se para sobreviver e prosperar em um dos lugares mais extremos da Terra.
Na ausência total de luz solar, a energia que sustenta essa biodiversidade oceânica não vem da fotossíntese, mas de um processo chamado quimiossíntese – no qual organismos convertem compostos químicos como metano e sulfeto de hidrogênio, liberados por fissuras na crosta oceânica.
Essa estratégia biológica permite que moluscos, vermes e bactérias formem comunidades complexas e densas, muitas das quais nunca haviam sido documentadas.
Espécies como a Macellicephaloides Grandicirra, uma criatura branca e espinhosa, surgem em colônias densas entre os vermes tubulares que podem alcançar até 30 centímetros de comprimento.
Em estudos futuros, os cientistas esperam descobrir como os corpos dessas criaturas quimiossintéticas – ou seja, movidas a substâncias químicas – convertem esses compostos em energia.
“Eles também devem ter alguns ‘truques’ nos seus organismos e metabolismos para se adaptarem tão bem à vida em altíssima pressão”, afirma Mengran Du, coautora do artigo, à revista New Scientist. “Essa é outra questão muito interessante que precisamos responder na continuidade de nosso estudo”.
Recorde: ninguém antes havia encontrado vida em águas tão profundas
A profundidade extrema torna essa descoberta ainda mais impressionante. Até pouco tempo, o recorde de observação de vida em grandes profundidades pertencia a um peixe-caracol – registrado a 8.336 metros. Agora, os registros chegam a 9 km de profundidade. Assim, novas descobertas do oceano profundo colocam em xeque antigas suposições sobre os limites da vida.
Para os cientistas, o fato sugere que esses ecossistemas podem ser mais comuns e complexos do que se imaginava, abrindo caminho para a revisão de modelos ecológicos e geobiológicos.
“É emocionante ir a um lugar que os seres humanos ainda não exploraram. É uma ótima oportunidade para descobrir coisas novas, e o que vimos foi incrível”, relata Xiaotong Peng, um dos autores do projeto, à BBC News.
A tecnologia envolvida nesse avanço é digna de nota. O submersível Fendouzhe foi essencial para alcançar o abismo oceânico, permitindo à equipe permanecer em operação contínua por várias horas em profundidades extremas.
Equipado com sensores de alta precisão, braços robóticos e sistemas de imagem em alta resolução, o veículo é um exemplo do que há de mais avançado na pesquisa oceanográfica atual.
O que essa descoberta significa para a possibilidade de vida fora da Terra?
Além de revelar segredos sobre a vida a 9 km de profundidade, a expedição abre portas para reflexões que vão muito além do nosso planeta.
Ambientes como esse, sem luz solar, sob uma pressão esmagadora e com fontes químicas como única forma de energia, são considerados análogos às condições de mundos distantes, como as luas geladas Europa (de Júpiter) e Encélado (de Saturno).
Para a astrobiologia, que investiga a possibilidade de vida fora da Terra, o oceano profundo funciona como um laboratório natural para testar hipóteses. Isso porque tanto Europa quanto Encélado apresentam evidências de vastos oceanos escondidos sob suas crostas de gelo.
Um experimento da Nasa indica que, se esses mares extraterrestres podem abrigar vida, suas moléculas orgânicas produzidas por organismos poderiam persistir logo abaixo do gelo, mesmo enfrentando intensa radiação cósmica.
Para os pesquisadores envolvidos, a experiência de explorar o abismo oceânico vai muito além da ciência: é também um encontro profundo com a beleza e a resistência da vida em condições extremas.
Mengran Du, descreveu a sensação de estar diante desse cenário como algo inspirador.
“Algumas pessoas podem achar assustadora a ideia de descer a profundezas tão extremas e escuras, mas eu sempre incentivo meus alunos a olharem pela janela para o fundo do mar”, pontua Du. “Sua resiliência e beleza me deixaram impressionada. Tentáculos vermelho-sangue se abrindo como flores delicadas na trincheira, um desafio impressionante à escuridão áspera e esmagadora.”
Mesmo com todas as revelações, o abismo oceânico continua sendo uma das maiores fronteiras inexploradas da ciência. Apenas 0,001% do oceano profundo foi visualmente documentado, conforme estudo publicado na revista Science Advances pela Ocean Discovery League.
A descoberta recente de outras vidas no oceano profundo não é apenas uma vitória científica, mas um lembrete de que, apesar de séculos de exploração, o planeta Terra ainda guarda segredos sob suas águas mais profundas.
Fonte: Gazeta
