Este mês, o presidente americano, Donald Trump, anunciou que abriu um processo contra o The Wall Street Journal (WSJ) e seus proprietários, a família Murdoch, depois que o periódico publicou uma reportagem que apontava que o mandatário republicano teria mandado em 2003 uma carta com uma mensagem de aniversário ao financista Jeffrey Epstein com um desenho de uma mulher nua.
Trump enfrenta desgaste atualmente na sua base porque seu governo confirmou que a morte do financista em 2019, quando aguardava julgamento por acusações de tráfico sexual, foi um suicídio e porque alegou que uma lista de clientes famosos de Epstein não existe, contrariando teorias de apoiadores do presidente americano.
O mandatário alega que não é o autor do desenho revelado pelo WSJ. “Estou ansioso para que Rupert Murdoch [fundador do clã] testemunhe no meu processo contra ele e seu ‘monte de lixo’ de jornal, o WSJ. Vai ser uma experiência interessante!”, escreveu Trump na rede Truth Social.
O processo chama a atenção porque os grupos de comunicação da família Murdoch, Fox Corporation e News Corp (desde 2023 administrados por Lachlan, filho mais velho de Rupert), foram decisivos na construção da carreira política de Trump: a Fox News e o tabloide The New York Post, especialmente, foram grandes apoiadores do republicano e ferozes opositores dos democratas.
No seu livro “A Queda: o Fim da Fox News e do Império Murdoch” (lançado no Brasil pela editora Objetiva), o jornalista Michael Wolff afirmou que essa relação contrariou impressões pessoais de Rupert Murdoch.
Mais ligado a jornais impressos do que à televisão e à internet, o magnata nascido na Austrália despreza Trump e preferia outros republicanos, descreveu Wolff.
Em conversas privadas, se referia ao empresário nova-iorquino como um “tremendo idiota”, mas percebeu que a presença de Trump nos seus órgãos de imprensa (especialmente na Fox News) atraíam público e permitiu que o apoiassem.
Não foi uma relação sem percalços, entretanto: em 2023, a Fox News concordou em pagar US$ 787,5 milhões à fabricante de máquinas de votação Dominion, num acordo para encerrar um processo ingressado depois que comentaristas da emissora endossaram teorias de que teria havido fraude para eleger Joe Biden na disputa contra Trump na eleição presidencial de 2020.
Antes desse acordo, nas eleições de meio de mandato de 2022, quando candidatos apoiados por Trump fracassaram, a Fox News e o New York Post tentaram vender o governador da Flórida, Ron DeSantis, como o futuro dos republicanos e se voltaram contra Trump.
“O que os resultados da noite de terça-feira sugerem é que Trump talvez seja o mais profundo repelente de votos da história americana moderna”, escreveu John Podhoretz, colunista do NY Post.
Segundo o livro de Wolff, em 2023, Rupert Murdoch instruiu Lachlan a tirar Trump do ar e promover DeSantis na Fox News.
Entretanto, quando começou a ficar claro que Trump passaria como um trator pelas primárias republicanas de 2024 e que voltaria à Casa Branca, a família Murdoch voltou a apoiar o empresário.
“Hoje, Trump exibe a mesma força e vigor de 2016, apesar da vergonhosa e sem precedentes instrumentalização do sistema de Justiça contra ele, duas tentativas de assassinato e a constante e muito familiar enxurrada de ataques histéricos da imprensa contra ele”, afirmou o New York Post em outubro, ao declarar apoio ao republicano na disputa com a democrata Kamala Harris.
Trump, que já chamou Rupert Murdoch de “lendário”, retribuiu o carinho, sempre dando muitas entrevistas à Fox News, e como prova da afinidade entre presidente e emissora, indicou 23 nomes do canal de notícias para o gabinete do seu segundo mandato – incluindo o secretário de Defesa, Pete Hegseth.
Em fevereiro, Trump recebeu Rupert na Casa Branca e cobriu o magnata de elogios, mas sinalizou na ocasião que a relação já estava comprometida por mágoas.
“Só respeito, tenho muito respeito por Rupert Murdoch. Discordo dele muitas vezes com o The Wall Street Journal, mas tudo bem. Já discordamos antes. E tenho certeza de que eles não tinham a mínima ideia do que [os repórteres do jornal] estavam falando”, declarou Trump.
De “lendário” a “monte de lixo”, como Trump se referiu ao WSJ, foi um longo caminho – mas, levando-se em conta que os Murdoch já tentaram “se livrar” do republicano e não conseguiram, o futuro de uma das relações mais férteis da história dos Estados Unidos entre um político e um grande grupo de imprensa segue difícil de prever.
Fonte: Gazeta