O Knesset, Parlamento israelense, aprovou na quarta-feira (23) uma resolução que afirma o direito de Israel “à soberania na Judeia e Samaria” — território também conhecido como Cisjordânia —, alegando que o local é parte inseparável da pátria histórica, cultural e espiritual do povo judeu, e que cidades como Hebrom, Siquém (Nablus), Siló e Betel refletem a continuidade histórica da existência judaica na Terra de Israel.
A moção conclama o governo a “aplicar a soberania, a lei, o julgamento e a administração israelenses a todas as áreas de assentamento judaico de todos os tipos na Judeia, Samaria e no Vale do Jordão”.
Um dos parlamentares que apresentaram a moção é o deputado do Likud Dan Illouz, que já criticou o Judiciário brasileiro. Na ocasião, Illouz repudiou o fato de a Justiça brasileira investigar um soldado israelense por “crimes de guerra”. Ele descreveu o Brasil como um Estado “patrocinador de terroristas”.
A moção aprovada pelo Parlamento também afirma que, em razão do ataque terrorista perpetrado pelo Hamas no dia 7 de outubro de 2023 — cuja ação assassinou cerca de 1,2 mil pessoas, incluindo crianças e bebês —, comprovou-se que o estabelecimento de um Estado palestino representaria uma ameaça existencial a Israel e minaria a estabilidade regional.
De acordo com resolução aprovada, a medida “fortalecerá o Estado judeu, sua segurança e evitará qualquer desafio ao direito básico do povo judeu à paz e à segurança em sua terra”.
Na conclusão, a resolução apelou aos aliados de Israel ao redor do mundo para “apoiar o retorno de Sião e a visão dos profetas” e apoiar o Estado de Israel em seu direito de aplicar plena soberania nesses territórios.
A aprovação pelo parlamento se deu por 71 votos a 13, sendo rechaçada pelos partidos árabes e de esquerda.
Em entrevista à Gazeta do Povo, o uruguaio Daniel Osowicki, professor mestre em história e especialista em Oriente Médio, explicou que a resolução aprovada pelo Knesset é “uma resposta muito esperada em relação ao massacre do dia 7 de outubro” e é a oficialização de que não há vontade por parte do Estado de Israel de que exista um Estado Palestino.
“É como uma conclusão do 7 de outubro. A oficialização, que, no Parlamento israelense, demonstrado pelos partidos de direita e de centro, não há vontade alguma que exista um Estado palestino”, afirmou.
Território
Israel conquistou a Judeia e Samaria da Jordânia na Guerra dos Seis Dias em 1967, e estima-se que o território abriga mais de 500 mil cidadãos israelenses assentados, além de milhões de palestinos.
Grande parte da comunidade internacional afirma que Israel está ocupando ilegalmente o território e considera os assentamentos uma violação do direito internacional, o que é contestado pelo governo liderado por Benjamin Netanyahu.
Em 2019, antes de uma eleição, Netanyahu já havia prometido anexar o Vale do Jordão — longa depressão que se estende por Israel e Jordânia —, mas a proposta não caminhou. A anexação dos territórios é algo almejado pela direita nacionalista israelense e pelos partidos ultraortodoxos.
O local é sagrado para o judaísmo em razão de ser considerado o berço da civilização judaica e alguns dos principais patriarcas da religião estarem enterrados ali. Abraão, Isaque e Jacó têm seus túmulos na cidade de Hebron, e Josué, próximo a Nablus.
Em maio desse ano, Israel aprovou 22 novos assentamentos judaicos no local, sendo considerada pela ONG Peace Now a maior expansão dos assentamentos desde os Acordos de Oslo de 1993.
Os Acordos de Oslo, firmados no dia 13 de setembro de 1993 pelo primeiro-ministro de Israel, Yitzhak Rabin, e pelo presidente da OLP, Yasser Arafat, com mediação do presidente dos Estados Unidos, Bill Clinton, visava marcar o início do processo de paz entre israelenses e palestinos.
O feito criou a Autoridade Palestina (AP), cujo objetivo era garantir um governo autônomo provisório durante os próximos cinco anos.
No acordo, o território foi dividido em três áreas — A, B e C —, sendo que a Autoridade Palestina recebeu o controle das Áreas A e B, enquanto Israel manteve o controle da Área C.
(Imagem: Creative Commons)
A imagem representa a região após os Acordos de Oslo. As áreas em pintadas em vermelho indicam as Áreas A e B, e as linhas vermelhas diagonais correspondem à Área C. Embora seja controlada atualmente pelo grupo terrorista Hamas, após ganhar as eleições no local, na época, a Faixa de Gaza era de controle da AP.
Área A
- Representa cerca de 20% do território.
- Total controle palestino: autoridade civil e segurança sob responsabilidade exclusiva da Autoridade Palestina.
- Inclui importantes cidades palestinas, como Ramallah, Nablus e Jenin.
- É a área mais povoada por palestinos
Área B
- Corresponde a também cerca de 20% do território.
- Controle civil palestino e controle de segurança compartilhado com Israel.
- Estão localizadas áreas mais rurais e vilarejos palestinos.
Área C
- Compreende cerca de 60% do território.
- Total controle israelense, tanto civil quanto militar.
- Isso inclui assentamentos israelenses, zonas militarizadas e Vale do Jordão
Para Osowicki, resolução é “um passo prévio a uma anexação”
Na opinião do historiador Daniel Osowicki, a declaração é “um passo prévio a uma anexação”. Ele explicou que os territórios da Judeia e Samaria ainda não foram anexados e estão sob controle militar israelense, o que é diferente de ser parte integral do Estado de Israel.
Ele vê as discussões para a existência do Estado Palestino como “fora da agenda” – algo que antes do 7 de outubro estava em debate, principalmente, na primeira gestão do presidente americano, Donald Trump.
“Eu não vejo nenhum tipo de possibilidade nos próximos anos da discussão da criação de um Estado Palestino, porque seria visto por Israel como uma premiação após o 7 de outubro”, afirmou Osowicki.
“Para eles [deputados que aprovaram a moção], o 7 de outubro demonstrou que, se existisse um Estado palestino na Judeia e Samaria, junto com Gaza, a situação teria sido ainda mais crítica.”
O historiador destacou que a resolução “tem um conteúdo de natureza religiosa e ideológica muito forte, mencionando a conexão dessas regiões com o ‘espírito do povo judeu'”.
Ele reforçou que, atualmente, Israel conta com “o apoio do governo Trump”.
Trump já propôs a anexação parcial dos assentamentos e a criação da Palestina
No “Acordo do Século”, apresentado no dia 28 de janeiro de 2020, Trump propôs a criação de um Estado Palestino coexistente com Israel. De acordo com o plano, Israel teria Jerusalém como sua capital, e a Palestina, a leste de Jerusalém, ficaria do lado de fora do muro construído por Israel.
Osowicki ressaltou que a proposta “previa no futuro, a anexação da Judeia e Samaria por parte de Israel” e esse foi um dos motivos do tema ter sido recusado pelos palestinos.
Desde que reassumiu o cargo, em janeiro deste ano, Trump tem se aproximado dos grupos ultraortodoxos que têm foco na anexação dos territórios assentados por Israel. Logo depois de assumir, o atual mandatário americano retirou sanções contra grupos considerados colonos pela liderança palestina.
Na ocasião, Trump revogou a Ordem Executiva 14.115, assinada e emitida por Biden em 1º de fevereiro de 2024, que autorizou a imposição de certas sanções “a pessoas que comprometam a Paz”.
Fonte: Gazeta