Em uma escalada das tensões comerciais, os Estados Unidos lançaram nesta terça-feira (15) uma investigação comercial contra o Brasil, por ordem do presidente Donald Trump, para apurar uma série de práticas comerciais consideradas “irrazoáveis ou discriminatórias”. A investigação deve abranger áreas como comércio digital e serviços de pagamento, como o Pix, além de combate à corrupção, etanol e desmatamento ilegal.
Esta medida ocorre após o anúncio de Trump de impor tarifas de 50% sobre as importações brasileiras a partir de 1º de agosto de 2025, e depois que o secretário-geral da Otan, Mark Rutte, alertou que o Brasil e outros parceiros comerciais da Rússia podem ser fortemente atingidos por tarifas secundárias dos EUA contra Moscou, caso não seja alcançado um acordo para interromper a guerra na Ucrânia.
A investigação anunciada nesta terça está sendo feita pelo Escritório do Representante Comercial dos EUA (USTR), sob os parâmetros da Seção 301 da Lei de Comércio de 1974, que foi criada para responder a práticas estrangeiras “discriminatórias” que afetem o comércio americano. Se as práticas forem consideradas desleais, os EUA podem impor medidas corretivas, que incluem tarifas e medidas não tarifárias.
A investigação do USTR se concentrará em seis áreas principais. Veja a seguir.
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1. Ações contra redes sociais e Pix
Os EUA alegam que o Brasil adota ações que podem minar a competitividade de empresas americanas nos setores de comércio digital e serviços de pagamento eletrônico. Isso inclui, segundo eles, a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de responsabilizar as redes sociais, como X e Instagram, por publicações de usuários, o que poderia levar à remoção preventiva de conteúdo e aumentar o risco econômico para empresas americanas.
O documento do USTR repetiu o que Trump já havia dito em carta a Lula: que tribunais brasileiros emitiram ordens secretas para que empresas americanas censurassem milhares de postagens e desativassem dezenas de perfis de críticos políticos, inclusive cidadãos americanos. A recusa em cumprir essas ordens resultou em multas substanciais, suspensão de plataformas no Brasil e ameaças de prisão ou processo criminal a executivos americanos.
Há também preocupações com restrições “excessivamente amplas” à transferência de dados pessoais para fora do Brasil, o que, segundo as autoridades americanas, pode impedir o processamento seguro de dados em servidores americanos.
O USTR especificamente aponta que o Brasil “parece se envolver em uma série de práticas desleais com relação a serviços de pagamento eletrônico, incluindo, entre outras, a promoção de seus serviços de pagamento eletrônico desenvolvidos pelo governo”, sugerindo que o Pix estaria prejudicando empresas americanas, como Visa e Mastercard.
2. Tarifas “injustas”
Os EUA afirmam que o Brasil concede tratamento tarifário preferencial a certos grandes parceiros comerciais, como Índia e México, enquanto os americanos são desfavorecidos pela aplicação de tarifas mais altas. Eles afirmam que o Brasil aplica uma tarifa média de 12,2% nas exportações, maior que a de 3,3% aplicada pelos EUA.
Em 2023, argumenta o USTR, o Brasil importou cerca de US$ 5,5 bilhões com tarifas preferenciais de outros parceiros comerciais, incluindo quase US$ 1,7 bilhão em veículos motorizados e peças do México com tarifa zero, enquanto os mesmos produtos dos EUA foram sujeitos a taxas de 14% a 35%. Segundo os EUA, isso impede condições justas para as exportações americanas.
3. Combate à corrupção
Os EUA também apontam que houve um enfraquecimento dos esforços anticorrupção no Brasil, citando “acordos opacos” para conceder leniência a empresas envolvidas em corrupção e conflitos de interesse em decisões judiciais.
O USTR cita que “um caso notório de suborno de funcionários públicos e lavagem de dinheiro teve sentenças anuladas por um ministro do Supremo Tribunal Federal”, em referência a decisões do ministro Dias Toffoli, que anulou provas e ações da Lava Jato contra a Odebrecht e vários políticos e empresários envolvidos no escândalo de corrupção que ficou conhecido como “Petrolão”.
Os EUA apontam que a falta de aplicação de medidas anticorrupção e a falta de transparência no Brasil podem prejudicar empresas americanas que atuam no comércio e nos investimentos no país.
4. Propriedade intelectual e a 25 de Março
Os EUA dizem que o Brasil falha em combater efetivamente a importação, distribuição, venda e uso generalizado de produtos falsificados e dispositivos de streaming ilícitos. Eles citam a Rua 25 de Março, em São Paulo, como um grande mercado de produtos falsificados.
Eles reclamam também da demora nos pedidos de patentes: quase 7 anos em média, e 9,5 anos para patentes farmacêuticas.
5. Acesso ao mercado de etanol
Os EUA reclamam de tarifas mais altas sobre o etanol brasileiro e de um desequilíbrio comercial, após o Brasil abandonar um tratamento de quase isenção de impostos que beneficiava ambos os países.
O Brasil e os EUA são os maiores produtores mundiais de etanol. Entre 2010 e 2017, oa países estabeleceram um comércio bilateral de etanol praticamente livre de tarifas. No entanto, a partir de setembro de 2017, o Brasil abandonou essa abordagem, segundo o USTR, impondo uma cota tarifária de 600 milhões de litros anuais com uma taxa para o volume excedente, que já foi de 20% e atualmente está em 16%.
Como resultado, afirmam os EUA, as exportações de etanol dos americanos para o Brasil, que atingiram o pico de US$ 761 milhões em 2018, caíram drasticamente para US$ 140 mil em 2023. Segundo os EUA, isso teria gerado uma desvantagem significativa para os produtores americanos.
6. Desmatamento ilegal
Os EUA alegam que o Brasil não aplica suas leis ambientais efetivamente e isso tem contribuído para o desmatamento ilegal. Segundo os americanos, o uso de terras ilegalmente desmatadas para produção agropecuária oferece uma vantagem competitiva injusta ao reduzir custos.
O Brasil é um grande competidor dos EUA em vendas globais de produtos agrícolas e o USTR diz que produtos agrícolas produzidos em terras ilegalmente desmatadas podem continuar a competir com os produtos dos EUA.
Além disso, eles apontam que relatórios sugerem níveis significativos de extração ilegal de madeira, com mais de um terço da madeira amazônica sendo de origem ilegal. Os americanos afirmam no documento que a entrada de madeira ilegal no mercado dos EUA, a preços mais baixos, cria uma vantagem desleal sobre os produtos americanos produzidos legalmente.
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Próximos passos
Depois de abrir a investigação, o USTR ouviu comitês e solicitou conversas com o governo brasileiro. Uma audiência pública está agendada para 3 de setembro, com prazo final para comentários públicos até 18 de agosto.
O escritório americano deve determinar se as práticas investigadas violam as regras comerciais americanas. Se a determinação for afirmativa, o representante comercial dos EUA determinará se e qual ação tomar. As ações podem incluir medidas tarifárias e não-tarifárias, como o corte de benefícios comerciais, proibições de importação e a retirada total de bens do mercado.
Embora a Seção 301 não tenha jurisdição para punir indivíduos, outras leis, como a Lei Magnitsky, podem ser combinadas em processos para sancionar pessoas físicas ou autoridades, se suas condutas forem consideradas ilegais.
Fonte: Gazeta