Após o ataque dos Estados Unidos contra instalações nucleares do Irã, no fim de semana, o regime de Ali Khamenei recorreu à Rússia para achar uma forma de responder à agressão. Contudo, uma ajuda militar foi recusada por Moscou, sinalizando um enfraquecimento crescente da influência do líder russo Vladimir Putin no Oriente Médio.
Apesar da parceria estratégica pactuada entre as ditaduras amigas no início do ano, incluindo a área de defesa, os recentes bombardeios sofridos pelo Irã foram acompanhados de longe por Putin, que resumiu seu apoio a uma retórica condenatória, mas pouco fez, de fato, para reduzir os danos ao regime dos aiatolás.
No dia seguinte ao ataque americano, o Ministério das Relações Exteriores da Rússia divulgou um comunicado classificando as operações militares como “irresponsáveis”, exigindo “o fim da agressão”.
Na segunda-feira, dois dias depois dos bombardeios a três instalações nucleares no Irã, Putin recebeu o ministro das Relações Exteriores iraniano, Abbas Araqchi, e tratou o caso como uma “agressão injustificada”, mas não mencionou qualquer apoio militar em seus comentários públicos.
Pelo contrário, sugeriu apenas que os países resolvessem a situação por meio de diplomacia e se ofereceu para uma mediação. Contudo, Trump rejeitou a proposta, dizendo que ele deveria se concentrar primeiro em resolver a situação na Ucrânia.
Na semana anterior – quando os ataques ainda eram apenas uma ameaça do governo de Donald Trump – Putin já havia descartado uma possível participação russa no conflito, alegando que tal opção não está contemplada no acordo de parceria estratégica assinado pelos dois países no início do ano.
O Irã foi um parceiro fundamental no início da invasão russa na Ucrânia, enviando munição e milhares de drones para Moscou, que causaram danos terríveis a tropas e civis ucranianos. Contudo, a retribuição do favor em um momento crucial para Teerã parece inviável da parte de Putin, visto que seu exército está atolado na Ucrânia e vulnerável a sanções ocidentais, o que coloca o ditador russo em uma situação sensível para escolher apoiar aliados e manter um relacionamento instável com Israel e Trump.
Essa mesma conduta de Putin foi observada na queda do ditador sírio Bashar al-Assad no ano passado, que recebeu da Rússia apenas asilo para si e sua família após o país ser tomado por insurgentes.
Nem tão amigos
Ao The Wall Street Journal (WSJ), Fabrice Pothier, ex-assessor sênior da liderança da Organização do Tratado do Atlântico Norte disse que “a Rússia não é tão amiga dos ditadores quanto finge: Putin frequentemente vira as costas para seus amigos autocráticos quando eles precisam dele”.
A maior derrota direta de Teerã em décadas também coloca em xeque a aliança do país com outros parceiros anti-Ocidente: China e Coreia do Norte. Se os três países apoiassem militarmente o regime de Khamenei na resposta aos EUA e Israel, os prejuízos imediatos poderiam ser reduzidos, mas isso envolveria outras frentes no conflito, o que esses países evitam.
A ausência de auxílio expõe ainda a divergência de interesses entre o Irã e aliados, que receberam o apelido de “Crink – China, Rússia, Irã e Coreia do Norte – por algumas autoridades ocidentais. Nos últimos anos, esses países se aproximaram com o objetivo de lidar com as sanções do Ocidente e minar a influência americana no mundo.
No momento, Rússia e China estão realizando negociações importantes com o governo Trump – Moscou para retomar um diálogo perdido com a guerra na Ucrânia e a China para lidar com sua economia instável – o que torna o envolvimento em conflitos fora de casa um tema sensível. A Coreia do Norte, por sua vez, possui recursos limitados e já está envolvida em uma guerra estrangeira na Rússia, um aliado importante para Pyongyang.
Reconstrução iraniana
Apesar da falta de suporte evidente num momento crítico, o Irã deve ser acudido na reconstrução de seu programa nuclear e militar.
Segundo o WSJ, as perdas militares do Irã abrem as portas para o rearmamento, que pode vir dos norte-coreanos, fornecedores de longa data de Teerã.
Segundo Bruce Bechtol, ex-oficial de inteligência dos EUA e professor na Angelo State University, no Texas, o regime de Kim Jong-un provavelmente está muito disposto a ajudar o Irã a reconstruir seu programa nuclear, embora essa ajuda deva ser secreta.
“Ninguém faz túneis subterrâneos melhor do que os norte-coreanos. Nem os russos, nem os chineses, nem mesmo os americanos”, disse ele. Pyongyang ajudou a projetar os túneis subterrâneos usados em instalações nucleares do Irã.
Já a Rússia e a China envolveram centenas de especialistas nucleares no programa do país persa de enriquecimento de urânio. Um relatório da ONU, de 2008, apontou ainda que as duas potências ajudaram Teerã a desenvolver sua primeira mina de urânio, Saghand.
Nikolay Kozhanov, especialista em relações Rússia-Irã da Universidade do Catar, explicou ao WSJ que “deixar o Irã sem qualquer apoio é muito complicado para Moscou, mas a principal tarefa de Moscou no momento é não prejudicar as relações com ninguém”.
Fonte: Gazeta
