Uma das imagens mais marcantes da primeira presidência de Donald Trump (2017-2021) foi o aperto de mão com o ditador da Coreia do Norte, Kim Jong-un, num encontro em Singapura em 2018, mas as conversas do mandatário republicano com o tirano de Pyongyang não evoluíram para um acordo de desnuclearização da ditadura comunista, como desejavam os Estados Unidos.
No seu segundo mandato, que teve início em janeiro, Trump vem priorizando outros temas na sua agenda internacional: a guerra entre Rússia e Ucrânia, um novo acordo nuclear com o Irã, Israel, a disputa tarifária.
Em segundo plano nas preocupações do presidente dos Estados Unidos, a Coreia do Norte tem aproveitado para acelerar os testes de mísseis, segundo um relatório recém-divulgado pelo Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais (CSIS, na sigla em inglês).
O think tank americano contabilizou os números de testes desse tipo feitos por Pyongyang durante os cem primeiros dias de governo de todos os presidentes dos Estados Unidos desde Richard Nixon (1969-74).
Entre 20 de janeiro e 30 de abril, quando a segunda gestão Trump chegou à marca centenária em dias, a Coreia do Norte realizou cinco testes de mísseis. É o segundo maior patamar nos cem primeiros dias de um novo governo americano desde 1969 – o recorde é o da primeira gestão Trump, quando Pyongyang fez oito testes.
No caso do republicano, o CSIS compilou dados separados porque seus mandatos não foram consecutivos, ao contrário dos outros presidentes americanos que tiveram mais de um mandato nos últimos 56 anos.
Nos cem primeiros dias dos governos de George W. Bush (presidente americano entre 2001 e 2009), George H. W. Bush (1989-1993), Ronald Reagan (1981-1989) e Jimmy Carter (1977-1981), a Coreia do Norte não realizou testes de mísseis.
No início dos governos de Barack Obama (2009-2017), Bill Clinton (1993-2001) e Gerald Ford (1974-1977), ocorreu apenas um teste em cada; nos cem primeiros dias da gestão Joe Biden (2021-2025), foram dois; e no começo do governo Nixon, três.
No seu relatório, entretanto, o CSIS destacou que as provocações da Coreia do Norte não têm se resumido aos testes de mísseis.
“Nos primeiros cem dias da segunda presidência de Trump, a Coreia do Norte de Kim realizou discretamente cinco testes de mísseis, roubou US$ 1,5 bilhão em criptomoedas, enviou mais 3 mil soldados à Rússia para lutar na guerra brutal de [Vladimir] Putin na Ucrânia e revelou seu maior contratorpedeiro de mísseis moderno, o Choe Hyon”, alertou o think tank americano.
“A capacidade de Trump de reatar relações com Kim será prejudicada pelo aprofundamento das relações de Kim com a Rússia e pelo colapso do regime de sanções da ONU”, projetou o CSIS, ao destacar que as punições econômicas do Ocidente à Coreia do Norte não estão sendo suficientes para frear sua verve militarista.
A provocação chegou ao ponto de a Coreia do Norte ter criticado em maio o projeto de Trump do Domo Dourado, um sistema de satélites e mísseis capaz de detectar e interceptar ataques ao território americano que deve estar em funcionamento até o início de 2029.
O Ministério das Relações Exteriores de Pyongyang chamou o projeto de “cúmulo da hipocrisia e da arrogância” e acusou os Estados Unidos de estarem “determinados” a “militarizar o espaço sideral” e gerando o risco de “uma corrida armamentista nuclear e espacial global”.
Apesar do discurso desafiador, o lançamento em maio do Choe Hyon, citado pelo CSIS e que foi acompanhado pessoalmente por Kim, foi marcado por um grave acidente, quando virou parcialmente, o que deixou o ditador furioso.
“Kim Jong-un fez uma avaliação severa, afirmando que foi um acidente grave e um ato criminoso causado por absoluta negligência, irresponsabilidade e empirismo anticientífico, e que não poderia ser tolerado”, informou a agência estatal KCNA.
Na semana passada, pesquisadores dos Estados Unidos que analisaram imagens de satélite afirmaram que aparentemente o Choe Hyon já havia sido recolocado na posição vertical.
Dias depois, novas imagens de satélite mostraram que o contratorpedeiro estava em uma doca seca no porto de Rajin, parte da zona econômica especial de Rason, na fronteira com a Rússia.
O almirante sul-coreano Kim Duk-ki disse à CNN que a Coreia do Norte provavelmente precisará de ajuda de países parceiros para consertar a embarcação, já que o sistema de sonar do contratorpedeiro foi danificado e a Coreia do Norte não tem essa tecnologia – dessa forma, o deslocamento para perto da fronteira com a Rússia indica que Moscou ajudará nos reparos.
Especialista afirma que a Coreia do Norte não é a mesma do primeiro mandato de Trump
Por ora, a gestão Trump não parece ter pressa de retomar as conversas com Pyongyang. No final de abril, um alto funcionário do governo americano disse ao site Axios que a Casa Branca estava mantendo discussões discretas e consultando especialistas externos a respeito das opções para retomar o diálogo com a Coreia do Norte.
“Estamos convocando agências para entender a situação atual dos norte-coreanos. Muita coisa mudou nos últimos quatro anos [período da gestão Biden]. Estamos avaliando, diagnosticando e discutindo possíveis caminhos, incluindo o engajamento”, disse o funcionário. Entretanto, desde então, não houve novidades sobre o assunto.
Em artigo para o site especializado em temas geopolíticos World Politics Review, Theresa Lou, ex-assessora sobre questões da região do Indo-Pacífico para a representação dos Estados Unidos nas Nações Unidas, fez o mesmo diagnóstico do funcionário ouvido pelo Axios: a Coreia do Norte não é a mesma da primeira gestão Trump.
“Naquela época, a pressão internacional sobre Pyongyang estava, sem dúvida, no auge e proporcionou uma ferramenta crucial para a diplomacia de Trump, em nível de liderança. O mundo de hoje é muito diferente”, escreveu Lou.
“O Conselho de Segurança [da ONU] está paralisado por um impasse geopolítico. A Rússia se juntou à China na proteção ativa de Pyongyang contra a condenação internacional e a pressão das sanções. E a Coreia do Norte se tornou mais capaz financeira e militarmente em um momento em que as alianças dos EUA com outros países estão tensas”, alertou.
Fonte: Gazeta