O Supremo Tribunal Federal (STF) vai decidir se os decretos sobre o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) são constitucionais. A análise será feita tanto sobre o ato do governo federal, que elevou a alíquota do IOF como Congresso, que sustou o aumento por meio da aprovação de um Projeto de Decreto Legislativo (PDL).
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) emitiu decretos que aumentavam as alíquotas do IOF e alegou que o Executivo tem função extrafiscal para regulação econômica. Em resposta, o Congresso Nacional promulgou o PDL 314/25 para sustar esses decretos presidenciais e argumentou que o governo federal excedeu sua competência, já que o aumento do imposto teria função arrecadatória.
Diante disso, ações foram movidas no STF tanto para contestar os decretos de Lula quanto para garantir a sua constitucionalidade. O Partido Liberal (PL) protocolou uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) no começo de junho em que contestou o aumento do IOF. Após a derrubada do decreto presidencial, também por meio de uma ADI, o Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) buscou a derrubada do PDL do Congresso. Além disso, presidente Lula, por meio da Advocacia-Geral da União (AGU), solicitou ao STF a confirmação da validade dos decretos presidenciais.
Diante do impasse, o ministro Alexandre de Moraes, que é o relator das ações sobre o IOF, suspendeu liminarmente os decretos – tanto o do governo como o do Congresso.
Além de congelar os efeitos das normas, Moraes convocou Executivo e Legislativo para uma audiência de conciliação em 15 de julho. Apesar disso, não há prazo para o desfecho da questão. “Após a realização da audiência de conciliação, será analisada a necessidade de manutenção da medida liminar concedida”, destacou Moraes na decisão que suspendeu os decretos.
Se não houver conciliação, o Supremo deverá julgar o mérito das ações movidas por partidos políticos e pelo governo. Como as ações relacionadas ao caso estão sob relatoria de Moraes e tratam de matéria conexa, especialistas apontam que o mais provável é um julgamento conjunto, para evitar decisões contraditórias.
Assim, caso as negociações não avancem, o processo segue para julgamento no STF. O advogado e professor de Direito Constitucional Cristiano Carvalho explica que, se o Supremo considerar inconstitucional o decreto presidencial, o decreto legislativo perde objeto, já que não haveria mais norma a ser sustada. Por outro lado, se o STF validar o aumento do IOF, caberá ao tribunal decidir se o Congresso poderia, por decreto legislativo, sustar o ato presidencial.
Enquanto o julgamento não ocorre, permanece válida a regra anterior ao decreto presidencial. Ou seja, as alíquotas do IOF – cobradas em operações como empréstimos, compra de moeda estrangeira e seguros – permanecem nos níveis em que estão desde 25 de junho, quando o Legislativo suspendeu o aumento do IOF que havia sido decretado pelo governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT). E esses são os mesmos níveis em que estava o IOF até 22 de maio, antes de o governo promover as alterações todas – entre idas e vindas, avanços e recuos, Lula editou três decretos em poucos dias no fim daquele mês.
A medida de Moraes de convocar audiência de conciliação gerou divergências entre analistas. Constitucionalistas ouvidos pela Gazeta do Povo se dividiram entre críticas à decisão do ministro e o entendimento de que a opção pela conciliação adotada por Moraes é usual e recomendável.
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O que dizem as ações movidas no caso do aumento do IOF?
A disputa judicial sobre o aumento do IOF chegou ao Supremo por meio de três ações diretas de inconstitucionalidade, cada uma com argumentos distintos, mas que convergem para a controvérsia sobre a separação dos Poderes e a finalidade do imposto.
O PL argumenta que houve uma “atuação contraditória do Poder Executivo” e que a majoração das alíquotas do IOF configurou um “desvio de finalidade”. Para o partido, o presidente da República anunciou programas de crédito para pessoas de baixa renda e outras classes, e, ao mesmo tempo, elevou o IOF, o que seria contraditório.
Na ação movida pelo PSOL, o argumento contra o decreto legislativo é que a medida tomada pelo Congresso é inconstitucional por violar a separação entre os Poderes.
E na ação do governo federal, representado pela Advocacia-Geral da União (AGU), o pedido central é para que seja confirmada a constitucionalidade da elevação das alíquotas e a declaração de inconstitucionalidade do decreto legislativo. Segundo a AGU, o aumento do IOF é prerrogativa do chefe do Executivo, e a intervenção do Congresso teria violado o princípio da separação dos Poderes.
Em análise preliminar, o ministro considerou plausível a alegação de que os decretos presidenciais podem ter extrapolado a natureza extrafiscal e regulatória do IOF, pois propõem aumento superior a 60% na arrecadação desse tributo.
Na decisão em que suspendeu os decretos, Moraes aponta que a discussão constitucional central surge com a alegação de “desvio de finalidade” por parte do Poder Executivo. “Essa dúvida na finalidade da edição do Decreto, apontada por ambas as Casas do Congresso Nacional na edição do Decreto Legislativo, é razoável quando o Ministério da Fazenda divulgou um potencial acréscimo de dezenas de bilhões às contas públicas: R$ 20,5 bilhões em 2025 e R$ 41 bilhões em 2026 e, ainda, em pronunciamentos à mídia, defendeu a alta do IOF como medida eminentemente arrecadatória, necessária para atingir a meta fiscal e necessária para equilibrar as contas públicas eivadas por déficits”, detalhou o ministro relator.
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A discussão constitucional sobre o papel do STF
O embate e a proposta de conciliação apresentada por Moraes geraram ainda uma nova discussão constitucional sobre o alcance das atribuições da Corte. O centro do debate é se cabe ao Supremo atuar como mediador de conflitos políticos entre os Poderes.
Para o advogado e professor de Direito Constitucional Cristiano Carvalho, a resposta é negativa. “O STF não é uma Vara de Família, não é conselheiro de casais em crise. É uma Corte Constitucional. A Constituição não lhe atribuiu essa função de poder moderador da República”, critica. Segundo ele, a postura da Corte reforça a percepção de que o tribunal deixou de ser apenas jurisdicional para se tornar também político.
Carvalho destaca que o papel do Supremo é o de árbitro de litígios, quando provocado, e não de gestor político entre os Poderes. Ele reconhece que tentativas de conciliação são comuns entre entes federados — União e estados, por exemplo — como ocorreu no caso do ICMS sobre combustíveis, mas avalia que, quando envolve o Executivo e o Legislativo, a função do STF deve se restringir ao julgamento técnico das ações.
Na mesma linha, o advogado André Marsiglia classificou a decisão de Moraes como “uma aberração jurídica”. Para ele, se o ministro reconhecer a inconstitucionalidade do decreto presidencial por desvio de finalidade – ao conferir ao IOF caráter arrecadatório -, ele deveria ter suspendido apenas esse ato, julgando prejudicada a análise sobre o decreto legislativo.
“Se o ato anterior do Executivo é inconstitucional, perde relevância a regularidade do destino dado a ele. Por essa razão, e por falta de previsão legal, não há o que conciliar. O STF julga teses, não concilia partes subjetivas, nem é poder moderador”, escreveu Marsiglia.
Já Georges Humbert, pós-doutor em Direito e especialista em Direito Constitucional, pondera que a medida de Moraes não é inédita e tem amparo legal. Segundo ele, a iniciativa sinaliza uma tentativa do Supremo de reduzir o ativismo judicial e evitar novo tensionamento institucional. “É uma prática usual no mundo desenvolvido e que ganhou protagonismo no Brasil com o Novo Código de Processo Civil”, afirma.
Humbert aponta ainda precedentes de conciliações mediadas pelo STF e indica que, com base neles, é possível estimar que o processo não dure mais do que “alguns meses”. “Como precedente, houve uma consensualidade em casos específicos, como a ação relativa aos Planos Econômicos Bresser, Verão, Collor I e II e aos expurgos inflacionários em que houve a homologação de instrumento de acordo coletivo”, lembrou.
Em maio, o Supremo Tribunal Federal declarou a constitucionalidade dos planos econômicos Bresser, Verão, Collor I e Collor II, analisada na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 165. Com a decisão, os ministros ampliaram em 2 anos o prazo para que poupadores afetados pelos planos econômicos das décadas de 1980 e 1990 possam aderir ao acordo de indenização por perdas decorrentes de congelamentos, confisco ou limitações na correção das cadernetas de poupança.
Conversa prévia entre AGU e STF levanta suspeitas sobre ação do IOF
A controvérsia em torno do caso aumentou após declaração do advogado-geral da União, Jorge Messias, que admitiu ter conversado com ministros do Supremo sobre o aumento do IOF antes de protocolar a ação. A revelação foi feita em entrevista ao site Poder360 e criticada por parlamentares da oposição. Em publicação nas redes sociais, o deputado federal Nikolas Ferreira (PL-MG) classificou a situação como “absurda”.
Nikolas também sinalizou que deve protocolar um pedido de convocação de Messias na Comissão de Fiscalização Financeira e Controle da Câmara. A intenção é saber quais os ministros que foram consultados e o que foi tratado nas conversas. “O equilíbrio entre os Poderes exige respeito mútuo e limites claros. O STF não pode ser a assessoria jurídica do PT”, afirmou o deputado.
Para Cristiano Carvalho, esse tipo de interlocução antes do ajuizamento da ação fere o princípio da imparcialidade. “Não me parece nada republicano. É desleal com a outra parte do litígio. Se fosse após a distribuição do processo, seria legítimo, pois ambas as partes teriam direito. Antes, jamais”, afirmou o advogado.
Fonte: Gazeta