Depois de articular com o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), a votação que impôs a principal derrota do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) até o momento – a derrubada do decreto do IOF -, o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), já dá sinais de que pretende retomar as negociações com o Palácio do Planalto. O recuo pode acontecer mesmo após o Executivo recorrer ao Supremo Tribunal Federal (STF) para manter o aumento do IOF. Liberação de emendas parlamentares e negociações por indicações de cargos no Executivo estão entre os motivos que contribuíram para a mudança de posicionamento do senador.
Logo após a derrubada do decreto sobre o IOF, o Planalto fez a liberação do pagamento de aproximadamente R$ 26 milhões das indicações feitas por Alcolumbre junto ao Orçamento deste ano. Esses recursos são destinados pelos deputados e senadores aos seus redutos eleitorais e em 2026 somam cerca de R$ 50 bilhões para o Congresso Nacional.
Em outra seara, existe ainda uma disputa pelo comando dos Correios, estatal que está sob o guarda-chuva do ministério das Comunicações. Atualmente, a empresa é presidida por Fabiano Silva, indicado pelo Prerrogativas, grupo de advogados ligados ao PT. O atual presidente, no entanto, trava um embate com o ministro da Casa Civil, Rui Costa, e já sinalizou que pode deixar o cargo. Neste cenário, Alcolumbre defende que o sucessor seja um nome escolhido pelo seu partido – o União Brasil.
Alcolumbre hoje é o padrinho político dos três ministérios ocupados pelo União Brasil no governo Lula: Turismo (Celso Sabino), Comunicações (Frederico Filho) e Integração e Desenvolvimento Regional (Waldez Góes), que não é filiado ao partido, mas foi indicação do senador. No caso da pasta das Comunicações, por exemplo, a nomeação aconteceu após o deputado Pedro Lucas Fernandes (União-MA) recusar o convite para integrar a gestão petista.
Alcolumbre deu aval para Motta pautar a derrubada do decreto do IOF
Apesar da proximidade com o governo Lula, Alcolumbre deu o aval para que Motta pautasse na Câmara o pedido para derrubar o decreto do governo que previa o aumento do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF). Com o acordo, o senador colocou o projeto em votação na Casa dos senadores no mesmo dia que ele passou pelo plenário dos deputados.
O episódio foi responsável por escalar a crise entre o governo Lula e o Congresso Nacional nos últimos dias. Na ocasião, o próprio Alcolumbre admitiu que a derrota imposta ao Executivo “foi construída a várias mãos”. Diferente de Motta, que passou a não atender aos principais ministros do Planalto, o presidente do Senado desde então tem feito gestos de reaproximação.
Depois de defender o direito de o governo recorrer ao Judiciário contra a decisão do Congresso sobre o IOF na terça-feira (1º), Alcolumbre articulou nos bastidores a aprovação de uma Medida Provisória (MP) que ampliou o uso do Fundo Social do Pré-Sal. A matéria, considerada prioritária para Lula, estava prestes a perder a validade.
No dia seguinte, por unanimidade, o plenário do Senado aprovou a criação do programa Acredita Exportação, iniciativa do governo federal para estimular atuação das micro e pequenas empresas no mercado internacional. No mesmo dia, os senadores também aprovaram a medida de crédito consignado de trabalhadores privados, incluindo trabalhadores de aplicativos.
Ainda na quarta-feira (2), o presidente do Senado recebeu o secretário-executivo do Ministério da Fazenda, Dario Durigan, e outros líderes do governo na residência oficial. Na ocasião, Alcolumbre disse que está disposto a mediar o conflito entre os Poderes, caso necessário, em busca de uma alternativa para distensionar a relação.
Agora, a expectativa é de que o presidente Lula se encontre pessoalmente com o senador a partir da próxima semana. O petista cumpre agendas fora de Brasília até a próxima segunda-feira (6).
“Eu vou para a Argentina receber a presidência do Mercosul, depois vou participar dos Brics no Rio de Janeiro e, quando voltar, vou conversar tranquilamente com Hugo [Motta] e Davi Alcolumbre. Vamos voltar à normalidade política desse país”, disse Lula em entrevista à TV Bahia.
Alcolumbre e Silveira travam embate por indicações em agências reguladoras
O escalonamento da crise com o governo aconteceu também por causa do impasse entre Alcolumbre e o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira. Desde o começo deste ano, o presidente do Senado tem travado um embate com o chefe da pasta de Lula sobre as indicações para diversas agências reguladoras.
A disputa inclusive fez com que as indicações feitas para agências como a Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica), a ANP (Agência Nacional do Petróleo) e a ANM (Agência Nacional de Mineração) ficassem paradas no Senado desde então. Os nomes dos indicados para os comandos desses órgãos dependem do aval dos senadores. Os postos estão vagos há meses e operam hoje com diretorias interinas.
Alexandre Silveira, no entanto, é visto como um dos ministros mais próximos do governo e Lula já sinalizou que não pretende trocá-lo. Por outro lado, como mencionado anteriormente, o Executivo fez um aceno ao presidente do Senado ao longo dos últimos dias por meio da liberação das emendas parlamentares.
Motta faz aceno no “Gilmarpalooza” e governo tenta conter ataques nas redes
Aos integrantes da liderança petista, Alcolumbre sinalizou o incômodo dos parlamentares com o discurso adotado pelo Executivo nas redes sociais ao longo da crise sobre o IOF. O presidente do Senado diz que o governo tem todo o direito de defender a “justiça tributária”, mas não criando um clima de divisão no país entre ricos e pobres.
Nas redes sociais, por exemplo, a Secretaria de Comunicação (Secom) da Presidência da República divulgou uma campanha com um cabo de guerra entre “super-ricos e classes média e baixa”. Assim como Alcolumbre, os vídeos encampados por militantes petistas também incomodaram o presidente da Câmara, Hugo Motta, que está em Portugal, onde participa do “Gilmarpalooza” até o final desta semana.
O evento é um seminário jurídico-acadêmico que reúne ministros, advogados, magistrados, políticos e empresários. O Fórum de Lisboa foi apelidado de “Gilmarpalooza” por ter como anfitrião o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF).
O deputado, inclusive, é alvo de críticas em uma série de vídeos, elaborados com inteligência artificial e sem identificação de seus criadores, que o retratam como “Hugo Não se Importa”, com ele reunido com empresários ricos e rindo dos pobres.
Para tentar uma reaproximação, a ministra das Relações Institucionais, Gleisi Hoffmann, publicou em suas redes uma mensagem dizendo que “o debate, a divergência, a disputa política fazem parte da democracia. Mas nada disso autoriza os ataques pessoais e desqualificados nas redes sociais contra o presidente da Câmara, deputado Hugo Motta, o que repudio”.
Já o líder do governo da Câmara dos Deputados, José Guimarães (PT-CE), afirmou: “Apesar do revés enfrentado recentemente pelo governo na votação do IOF, isso não pode ser usado como justificativa para ataques pessoais dirigidos” a Hugo Motta.
Enquanto os governistas tentam fazer a operação “abafa” nas redes sociais, outros ministros de Lula tentam um diálogo direto com Motta durante o evento organizado pelo ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), em Lisboa. Desde a derrubada do decreto do IOF, o presidente da Câmara vinha recusando qualquer tentativa de diálogo com o Planalto.
Nesta quinta-feira (3), Motta indicou, durante entrevista ao podcast Esfera Brasil, que o Congresso busca “manter convivência harmônica” com o Planalto. Já em entrevista à CNN Brasil sinalizou que pretende retomar o diálogo com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, sobre as pautas governistas.
A fala de Motta aconteceu horas depois de o ministro Jorge Messias, da Advocacia-Geral da União (AGU), também fazer um aceno ao deputado. “O presidente Hugo Motta, um deputado federal que foi forjado no diálogo, na boa política. Eu tenho certeza que todos nós, em conjunto, com a liderança do presidente Lula, que já sinalizou que deve ter um encontro com os dois [Motta e Alcolumbre] no retorno do Brics, nós vamos encontrar uma saída”, disse Messias, que também participa do “Gilmarpalooza”.
Oposição e Centrão planejam impor novas derrotas ao governo
Apesar do aceno, líderes do Centrão e da oposição aguardam o retorno de Motta ao Brasil para definirem os próximos passos na crise com o governo Lula. Parlamentares ouvidos pela reportagem admitem, por exemplo, que a Câmara tem em suas mãos um leque de possibilidades para impor novas derrotas ao Planalto.
Entre as propostas prioritárias e que ainda dependem do aval dos deputados, por exemplo, está a que prevê a isenção do Imposto de Renda (IR) para quem ganha até R$ 5 mil por mês. A aprovação desse projeto é vista como primordial para Lula tentar recuperar sua popularidade para a disputa de 2026.
O texto está sendo relatado pelo deputado Arthur Lira (PP-AL), ex-presidente da Câmara e responsável pela candidatura que elegeu Hugo Motta para sua sucessão. Na semana passada, Lira chegou a adiar a apresentação do seu parecer diante do desgaste da base governista.
Outro ponto de reação diz respeito à composição da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPMI) das fraudes no INSS, quando foram descobertos descontos irregulares nos benefícios de aposentados e pensionistas. O colegiado será instalado em agosto e existe uma pressão entre alguns líderes para que Motta, por exemplo, indique um nome da oposição para ser o relator, entre os cotados está o de Nikolas Ferreira (PL-MG).
O governo Lula tenta justamente ter maioria entre os parlamentares membros da CPMI, pois teme que o escândalo amplie ainda mais a impopularidade do petista.
Fonte: Gazeta