Apesar dos painéis sobre diversos temas na programação oficial na 13ª edição do Fórum de Lisboa – evento apelidado de “Gilmarpalooza” por ter como anfitrião o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF) -, foi o embate entre o Congresso Nacional e o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na crise do aumento do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) que tomou conta das conversas entre as diversas autoridades presentes no primeiro dia do fórum.
Ao chegar para abertura do evento, Gilmar Mendes afirmou que a crise envolvendo a judicialização da derrubada do decreto do IOF é “a ponta do iceberg” de uma crise que precisa ser resolvida. Segundo ele, o embate político revela a falta de diálogo e coordenação entre os Poderes.
Integrantes do governo Lula apostam justamente no evento em Portugal para tentar costurar um acordo com o Congresso Nacional. A ofensiva acontece uma semana após a Câmara e o Senado derrubarem o decreto sobre o aumento do IOF e imporem uma derrota ao petista.
Presidente da Câmara, o deputado Hugo Motta (Republicanos-PB) participou da abertura do evento nesta quarta, mas deixou o local sem falar com os jornalistas. O parlamentar não atende aos principais ministros de Lula desde a derrubada do decreto.
Antes de embarcar para Portugal, no entanto, Motta usou as redes sociais para distribuir recados ao Palácio do Planalto. Segundo ele, há uma tentativa de criar uma “polarização social”, uma espécie de “nós contra eles”.
“Quem alimenta o nós contra eles acaba governando contra todos. A Câmara dos Deputados, com 383 votos de deputados de esquerda e direita, decidiu derrubar um aumento de imposto sobre o IOF, um imposto que afeta toda a cadeia econômica. A polarização política do Brasil tem cansado muita gente e, agora, querem criar a polarização social”, afirmou o deputado.
Sem o aval dos parlamentares para impor sua agenda fiscal, Lula recorreu ao STF para tentar restabelecer o decreto do aumento de IOF por meio do Judiciário. O pedido foi apresentado nesta terça-feira (1º) pela Advocacia-Geral da União (AGU) e será relatado pelo ministro Alexandre de Moraes, que está em Portugal nesta semana.
Presente no “Gilmarpalooza”, o ministro Jorge Messias, da AGU, tentou fazer um aceno ao presidente da Câmara. “O presidente Hugo Motta, um deputado federal que foi forjado no diálogo, na boa política. Eu tenho certeza que todos nós, em conjunto, com a liderança do presidente Lula, que já sinalizou que deve ter um encontro com os dois no retorno do Brics, nós vamos encontrar uma saída”, disse Messias.
O chefe da pasta tem atuado diretamente para costurar uma saída favorável ao governo por meio do STF. “Eu tenho discutido [o tema do IOF] com os ministros do Supremo, até pelo papel que exerço na condição de advogado-geral da União, antes mesmo de qualquer judicialização. Esse é um tema de interesse da sociedade”, afirmou o ministro da AGU.
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Além do chefe da AGU, outros ministros de Lula estarão presentes durante toda a semana de programação do evento organizado pelo ministro Gilmar Mendes. A lista inclui nomes como Alexandre Silveira (Minas e Energia); Camilo Santana (Educação); Jader Filho (Cidades) e Ricardo Lewandowski (Justiça).
Entre os membros do STF, além de Gilmar Mendes e Alexandre de Moraes, o evento conta ainda com Luís Roberto Barroso, presidente da Corte, André Mendonça e Flávio Dino.
Ex-ministro da Suprema Corte e integrante do governo Lula, Ricardo Lewandowski afirmou que a tensão entre o Executivo e o Legislativo é um episódio comum em democracias e será resolvida pela via judicial. “Nas relações de vizinhança, nas relações comerciais, nem sempre se voa em céu de brigadeiro. Há momentos de turbulência, há momentos de concordância, isso é absolutamente normal numa democracia”, afirmou Lewandowski.
“Ainda bem que essa questão vai ser discutida e dirimida pelo Judiciário, e não por outro meio qualquer. É o direito que vai decidir quem tem razão”, completou o ministro da Justiça.
A expectativa entre os governistas é de que o “Gilmapaloosa” viabilize justamente uma reaproximação dos ministros palacianos com Hugo Motta. O presidente Lula, no entanto, não tem minimizado as críticas ao deputado. Aqui no Brasil, o petista afirmou que o presidente da Câmara “quebrou um acordo com o governo” quando pautou em plenário o pedido de derrubada do decreto do IOF.
“O presidente da República não rompe com o Congresso, o presidente da República reconhece o papel que o Congresso tem. Eles têm os seus direitos, eu tenho os meus direitos. Nem eu me meto no direito deles nem eles se metem no meu direito. E, quando os dois não se entenderem, a Justiça resolve”, disse Lula em entrevista à TV Bahia.
Lula deve se reunir presencialmente com Motta e Davi Alcolumbre apenas na próxima semana após o fim da programação do “Gilmarpalooza”. O petista também está fora de Brasília nos próximos dias e só retorna na segunda-feira (6), após a cúpula do Brics, no Rio de Janeiro.
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Na Câmara dos Deputados, líderes da oposição e de partidos da base já admitem nos bastidores que o governo deve ganhar o recurso no STF e retomar o aumento do IOF. Contudo, os parlamentares avaliam que Hugo Motta tem em suas mãos um leque de possibilidades para impor novas derrotas ao Planalto.
Entre as propostas prioritárias e que ainda dependem do aval dos deputados está, por exemplo, a que prevê a isenção do Imposto de Renda (IR) para quem ganha até R$ 5 mil por mês. A aprovação desse projeto é vista como primordial para Lula tentar recuperar sua popularidade para a disputa de 2026.
O texto está sendo relatado pelo deputado Arthur Lira (PP-AL), ex-presidente da Câmara e responsável pela candidatura que elegeu Hugo Motta para sua sucessão. Na semana passada, Lira chegou a adiar a apresentação do seu parecer diante do desgaste da base governista.
Outro ponto de reação diz respeito à composição da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPMI) das fraudes no INSS. O colegiado será instalado em agosto e existe uma pressão entre alguns líderes para que Motta, por exemplo, indique um nome da oposição para ser o relator, entre os cotados está o de Nikolas Ferreira (PL-MG).
O governo Lula tenta justamente ter maioria entre os parlamentares membros da CPMI, pois teme que o escândalo dos descontos irregulares nos benefícios de aposentados e pensionistas amplie ainda mais a impopularidade do petista.
“Assim que o presidente Hugo Motta chegar de Lisboa, sentaremos com ele para buscar uma concertação em torno do que é prioridade”, disse o líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE).
“Apesar do revés enfrentado recentemente pelo governo na votação do IOF, isso não pode ser usado como justificativa para ataques pessoais dirigidos ao presidente da Câmara”, completou o petista.
Entre os parlamentares do Centrão, a sinalização é de que Motta só deve se posicionar sobre o tema quando retornar ao Brasil. A expectativa é de que o deputado justamente escute o Colégio de Líderes sobre qualquer posição da Câmara em relação ao governo após o “Gilmapaloosa”.
Fora de Brasília, Motta comentou a pesquisa da Quaest divulgada nesta quarta, segundo a qual 68% dos deputados avaliam como positivo (bom ou ótimo) o trabalho dele à frente da Câmara. Na publicação, ele afirmou que conta com o apoio dos parlamentares para seguirem “juntos, unidos, com diálogo, equilíbrio e responsabilidade”.
Aliado de Motta e presente no evento de Gilmar Mendes em Portugal, o senador Ciro Nogueira (PP-PI) disse que o episódio da crise do IOF mostra que o “governo Lula está recorrendo a uma estratégia de enfrentamento com o Legislativo como forma de tentar se reposicionar politicamente”.
“Lula tem que se adaptar ao Congresso, não é o Congresso que tem que se adaptar a ele. O presidente sabe desde a eleição que o Parlamento eleito representa uma outra vontade popular. Essa realidade precisa ser respeitada”, completou Nogueira.
Ainda segundo a pesquisa Quaest, 46% dos deputados federais avaliam de forma negativa o governo Lula, a pior avaliação do governo federal desde o início do mandato em 2023. Outros 27% avaliam a gestão de forma positiva, o número mais baixo da atual gestão.
O levantamento foi realizado entre os dias 7 de maio e 30 de junho de 2025 e a margem de erro é de 4,5 pontos para mais ou menos. Foram ouvidos 203 deputados, o equivalente a 40% da composição da Câmara. A amostra foi feita por região geográfica e pela orientação ideológica dos partidos — com base no projeto Brazilian Legislative Surveys.
Fonte: Gazeta