Representando o Brasil no Mercosul, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) enfrentará a impopularidade no cenário internacional e a oposição do presidente da Argentina, Javier Milei, nas próximas negociações do acordo entre o bloco sul-americano e a União Europeia.
A possível visita de Lula à ex-presidente da Argentina Cristina Kirchner, durante a Cúpula do Mercosul, promete ser mais um episódio de atrito entre o mandatário brasileiro e o atual presidente argentino. O evento ocorrerá nesta quarta-feira (2) e na quinta (3).
Cristina Kirchner foi condenada a seis anos de prisão por administração fraudulenta em detrimento do Estado durante seus dois governos, entre 2007 e 2015. Ela foi presa no último dia 17 e cumpre regime de prisão domiciliar. Segundo uma fonte do Palácio do Planalto, o Itamaraty trabalha para obter da Justiça argentina uma liberação para que o encontro ocorra.
O deputado federal Paulo Pimenta (PT-RS) já se encontra em solo argentino para negociar com autoridades do país. Sendo Cristina uma das principais opositoras de Milei, a expectativa é de que a visita de Lula à ex-presidente torne as relações entre os dois presidentes ainda mais distantes.
O deputado Filipe Barros (PL-PR), presidente da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional (CREDN), afirma que a visita de Lula à Cristina Kirchner, “se confirmada, é mais um episódio – entre tantos neste governo – para depor contra uma gestão do Itamaraty que, não satisfeita em virar as costas ao seu pragmatismo histórico nas relações internacionais, está de cócoras à tirania e à corrupção”.
Para Milei, acordo com Mercosul-UE será mais vantajoso para o Brasil
O acordo entre Mercosul e União Europeia foi fechado oficialmente em 6 de dezembro do ano passado, data em que a Argentina passou a presidir o bloco, mas necessita ser ratificado pelo Parlamento Europeu para entrar em vigor. Nesse contexto, a presidência do grupo sul-americano sob a gestão Milei foi marcada por críticas que trouxeram incertezas sobre as negociações futuras entre os blocos. O Brasil assumirá a presidência do bloco neste mês.
A principal reclamação do presidente argentino é que o bloco econômico Mercosul se tornou “uma prisão” para membros que desejam parcerias bilaterais com outros países. O chefe do Executivo argentino, inclusive, chegou a ameaçar a retirada de seu país do Mercosul para negociar diretamente com os Estados Unidos, atualmente comandados por Donald Trump.
O ponto de tensão que pode surgir entre Brasil e Argentina nos próximos meses é a percepção de Milei de que o acordo com o bloco europeu será mais favorável para os brasileiros do que para os argentinos.
“O primeiro passo nesta trilha é a oportunidade histórica que temos de entrar em um acordo comercial com os EUA. Para aproveitar esta oportunidade histórica que nos é apresentada novamente, é necessário estar disposto a flexibilizar ou mesmo, se for o caso, sair do Mercosul, que a única coisa que conseguiu desde a sua criação é enriquecer os grandes industriais brasileiros às custas do empobrecimento dos argentinos”, disse Milei na abertura do Congresso argentino, em março deste ano.
O professor Marcelo Suano, cientista político e analista de relações internacionais, avalia que as visões opostas de Lula e Milei sobre o papel do Mercosul e os rumos da política externa podem dificultar as negociações com a União Europeia. Enquanto Lula busca fortalecer o bloco e avançar com o acordo com os europeus, Milei adota uma postura mais pragmática e crítica.
“Se o Brasil vai fazer isso e vai nos obrigar a manter uma tarifa externa comum de uma maneira que ele é o dominante nesses determinados segmentos […] aí sim, nós vamos dificultar ao ponto de a ameaça de romper com o Mercosul se tornar mais concreta”, disse o presidente da Argentina
Na avaliação do professor, a reclamação de Milei sobre a vantagem brasileira encontra respaldo na economia do Brasil, o que pode intensificar os atritos entre os dois presidentes.
“O Brasil seria mais beneficiado do que a Argentina propriamente dita. Exatamente por quê? Porque o Brasil domina a economia da região, apesar do Lula. O nosso parque industrial é razoavelmente bom, mas o nosso agronegócio é gigantesco e espetacular”, afirma.
Relação entre Lula e Milei é marcada por troca de acusações
Os atritos entre Lula e Milei começaram ainda durante a campanha presidencial argentina, em 2023. Na época, Milei não poupou críticas ao presidente brasileiro, chamando-o de “corrupto” e “comunista furioso”. A revolta do então deputado argentino tinha como pano de fundo a suspeita de que Lula estaria atuando contra sua candidatura.
Na ocasião, o parlamentar repercutiu a notícia de que Lula tentou influenciar a Corporação Andina de Fomento (CAF), também chamada de Banco de Desenvolvimento da América Latina, a emprestar US$ 1 bilhão à Argentina. De acordo com Milei, o objetivo do empréstimo era beneficiar o então candidato a presidente Sergio Massa, que era apoiado pelo ex-presidente Alberto Fernández, aliado de Lula na Argentina.
Após a vitória de Milei nas eleições de novembro de 2023, Lula optou por não comparecer à cerimônia de posse em dezembro, enviando o chanceler Mauro Vieira como representante oficial. A ausência foi interpretada como um gesto político, sinalizando o desconforto do governo brasileiro com o novo presidente argentino. Desde então, os dois líderes não mantiveram encontros bilaterais, e a relação entre os países passou a ser conduzida por canais diplomáticos formais e discretos.
Em junho de 2024, as tensões voltaram a escalar quando Milei publicou, em sua conta na rede social X (antigo Twitter), uma mensagem chamando Lula de “perfeito dinossauro idiota”. A postagem gerou forte repercussão no Brasil e levou o Itamaraty a considerar a retirada do embaixador brasileiro em Buenos Aires, caso novas ofensas fossem feitas. A resposta de Lula veio em tom igualmente duro, ao afirmar que Milei era um “desequilibrado” e que não merecia resposta institucional.
O episódio mais recente ocorreu em julho de 2024, quando Milei participou da CPAC Brasil, conferência conservadora realizada em Balneário Camboriú (SC), ao lado do ex-presidente Jair Bolsonaro. Durante o evento, Milei evitou críticas diretas a Lula em seu discurso, mas o ambiente foi marcado por hostilidade ao presidente brasileiro, com gritos de “Lula, ladrão, seu lugar é na prisão” vindos da plateia. A visita, sem nenhum encontro do argentino com autoridades brasileiras, foi vista pelo Planalto como uma provocação e aumentou o mal-estar diplomático entre os dois países.
Mercosul irá concluir acordo com EFTA e flexibilizar tarifas
Além do acordo entre Mercosul e União Europeia, a cúpula também irá concluir um tratado comercial entre o bloco sul-americano e a Associação Europeia de Livre Comércio (EFTA), formada por Islândia, Liechtenstein, Noruega e Suíça.
Buscando evitar o enfraquecimento do Mercosul, o governo Lula concordou com mais uma flexibilização nas regras do bloco acerca da Tarifa Externa Comum (TEC), ao permitir a inclusão de mais 50 itens na lista de exceções, a pedido da Argentina. Antes, a lista incluía 100 itens. A medida permite que membros do bloco negociem acordos com outros países.
A mudança era defendida por Milei, que chegou a ameaçar retirar seu país do grupo para realizar negociações comerciais diretas com os Estados Unidos. Com a decisão, a Argentina poderá negociar tarifas diferenciadas em 150 itens com os americanos.
Por outro lado, o aumento e a redução das tarifas não podem ocorrer em produtos nos quais um dos membros do bloco tenha mais de 20% das exportações. Outra limitação imposta é que, se dois países do bloco apresentarem alta demanda em um mesmo setor, por exemplo, não será possível realizar a flexibilização das tarifas.
Outro ponto de destaque é a proposta brasileira de fortalecer a cooperação regional em segurança pública, com foco no combate ao narcotráfico e ao crime organizado. A diplomacia brasileira vê esse esforço como essencial para garantir estabilidade e desenvolvimento sustentável na região.
A incorporação definitiva da Bolívia como membro pleno do Mercosul também está na pauta. O Brasil apoia a ampliação do bloco como forma de fortalecer a integração sul-americana e ampliar o alcance das políticas comerciais e sociais do Mercosul.
Lula recebe comando do Mercosul com imagem internacional desgastada
Lula assume a presidência pro tempore do Mercosul em um momento delicado para sua imagem, tanto no cenário internacional quanto no doméstico. Um editorial recente da revista britânica The Economist afirmou que Lula perdeu influência global e enfrenta crescente impopularidade no Brasil. A publicação criticou a política externa do governo brasileiro, classificando-a como “incoerente” e apontando um afastamento das democracias ocidentais, especialmente dos Estados Unidos.
A revista também destacou que o Brasil, sob a liderança de Lula, tem priorizado alianças com países do Sul Global, como China e Rússia, em detrimento de uma aproximação com o Ocidente. Segundo o texto, o presidente brasileiro estaria “fingindo que o Brasil é mais relevante do que realmente é” em temas como conflitos no Oriente Médio e na Europa. A crítica mais dura veio ao afirmar que Lula é o líder da maior economia do mundo que ainda não apertou a mão do presidente americano Donald Trump.
A resposta do governo brasileiro veio por meio de uma carta oficial assinada pelo chanceler Mauro Vieira, enviada à The Economist, nesta terça-feira (1º). No documento, o Itamaraty defende a atuação internacional de Lula, destacando a liderança dele no G20, a proposta de taxação global de bilionários e o compromisso do petista com a democracia, a paz e o multilateralismo. O governo também rebateu a acusação de incoerência, afirmando que o Brasil não adota um “tratamento à la carte” do direito internacional.
No cenário doméstico, a situação também é ruim para o petista. Segundo levantamento do instituto Paraná Pesquisas, divulgado em 25 de junho, o governo Lula é reprovado por 56,7% da população, enquanto apenas 39,8% aprovam sua gestão. A pesquisa mostra que, desde novembro de 2024, a maioria dos brasileiros passou a avaliar negativamente o terceiro mandato do petista.
O instituto Paraná Pesquisas entrevistou 2.020 eleitores em 162 municípios brasileiros, distribuídos por todos os 26 estados e pelo Distrito Federal, entre os dias 18 e 22 de junho de 2025. O grau de confiança do levantamento é de 95% e a margem de erro é estimada em 2,2 pontos percentuais (pp), para mais ou para menos.
Fonte: Gazeta
