A atitude do governo brasileiro de criticar Israel e os Estados Unidos com veemência e escolher palavras para não desagradar o Irã ao se posicionar sobre o bombardeio a centrais nucleares iranianas reflete um alinhamento ideológico histórico do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e de seu assessor Celso Amorim que data de 2005. Para analistas ouvidos pela reportagem a tomada de posição enfraquece a política externa brasileira, tradicionalmente conhecida pela neutralidade, e fecha portas para oportunidades comerciais.
Na nota oficial divulgada após os recentes ataques a instalações nucleares no Irã por forças americanas e israelenses, o Itamaraty condenou a ação “com veemência” e a classificou como uma “violação da soberania do Irã e do direito internacional”. Ao mesmo tempo, o texto criticou ataques a áreas densamente povoadas e danos a instalações hospitalares. Mas não afirmou que foi um míssil iraniano que destruiu um hospital israelense na última quinta-feira (19).
Segundo o cientista político Elton Gomes, a política externa brasileira historicamente condena hostilidades e conflitos, mas evita tomar partido em disputas internacionais. Apesar de afirmar neutralidade o governo Lula vem dando indícios de que tem um lado ao condenar Israel com força e dificilmente mencionar violações do Irã.
Ao assumir a Presidência pela primeira vez, em 2023, Lula escolheu o diplomata de carreira Celso Amorim para ser seu chanceler. Mensagens diplomáticas vazadas pelo WikiLeaks mostraram que o governo americano começou a constatar já em 2005 que Amorim se posicionava contra Israel e manobrava para dificultar negociações promovidas por Washington no Oriente Médio.
Relatórios secretos redigidos por diplomatas americanos vazadas em 2008 afirmaram que Amorim “estava farto do comércio internacional”, objetivo que norteou a diplomacia em governos anteriores, e decidiu apoiar pautas políticas na tentativa de fazer o Brasil assumir um papel de liderança global. Já em 2005, os americanos constataram o alinhamento do governo Lula com o líder supremo do Irã, aiatolá Ali Khamenei.
O WikiLeaks foi um vazamento em massa de mensagens diplomáticas que revelaram informações secretas dos Estados Unidos e confirmaram tendências e políticas adotadas por Washington e por seus interlocutores ao redor do mundo.
O apoio ficou patente em 2010 quando o Itamaraty de Amorim tentou liderar ao lado da Turquia uma negociação para que o Irã concordasse em flexibilizar seu programa nuclear. Lula e Amorim fecharam um acordo para que os iranianos enviassem 1,2 tonelada de urânio para ser enriquecido pela Turquia. Dessa forma, Teerã não precisaria pesquisar a tecnologia necessária de enriquecimento de urânio, que pode ser usada tanto para fazer usinas nucleares para gerar energia elétrica quanto construir uma arma nuclear.
O governo do presidente americano Barack Obama entendeu que tal negociação não impediria o Irã de continuar a desenvolver a tecnologia da bomba nuclear e usou sua força geopolítica para impedir a conclusão das negociações. Um acordo similar foi firmado pelas potências ocidentais em 2015, mas o governo do presidente Donald Trump retirou os Estados Unidos do tratado em 2018.
Agora, no terceiro mandato de Lula, embora não esteja à frente do ministério das relações exteriores, Amorim segue dando as cartas no ministério e atuando como chanceler de facto, segundo analistas. “Houve violação do direito internacional. A Carta da ONU não contempla essa história que Israel invoca de autodefesa preventiva. Isso não existe. É uma quebra total das normas internacionais e isso está ocorrendo com frequência”, disse Amorim nesta segunda-feira (23), em entrevista à CNN Brasil.
O assessor especial de Lula para assuntos internacionais também disse ver risco de ocorrer uma guerra mundial caso o conflito no Oriente Médio e a guerra entre Rússia e Ucrânia se “comuniquem”.
O presidente da Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional (CREDN), deputado Filipe Barros (PL/PR) criticou a posição do Brasil alinhada com o Irã. De acordo com o deputado, “a destruição do Programa Nuclear iraniano era desejada por boa parte do mundo”.
O presidente da Frente Parlamentar Brasil-Israel, senador Carlos Viana (Podemos-MG) também criticou a forma como o governo Lula tem se posicionado diante do conflito, atribuindo a Amorim a influência que levou a uma política anti-Israel.
VEJA TAMBÉM:
- Amorim acusa Trump de demolir ordem mundial com guerra após tarifaço
Guinada ideológica leva Brasil a defender incoerências
Segundo o professor e cientista político Elton Gomes, a diplomacia brasileira é, essencialmente, uma diplomacia de comércio, guiada por interesses pragmáticos. “Nossa política externa sempre evitou alinhamentos automáticos para preservar sua capacidade de diálogo com múltiplos atores e interesses comerciais estratégicos, o que é vital para um país com negócios nos cinco continentes e limitado em hard power”, explica.
Ou seja, como o Brasil não tem força militar considerável nem uma posição econômica que permita influenciar o comércio mundial, precisa se manter neutro para tentar ser relevante politicamente.
Essa tradição, no entanto, vem sendo colocada em xeque no atual governo, segundo analistas. A recente postura do Itamaraty, manifestada em notas e posicionamentos públicos sobre o conflito entre Israel, Irã e grupos como Hamas e Hezbollah, sinaliza uma mudança de tom e de alinhamento diplomático.
Para o especialista em política externa do Oriente Médio pela Universidade de Jerusalém, Alexandre Ostrowiecki, o governo brasileiro adota no Oriente Médio uma política marcada por grave incoerência moral. “O governo que se diz defensor dos direitos humanos, mas permanece em silêncio diante de um Irã que bombardeia cidades israelenses, reprime brutalmente suas próprias cidadãs e executa homossexuais, enquanto estende tapete vermelho a representantes do Hamas e Hezbollah”, aponta.
Na avaliação de Elton Gomes, esse tipo de posicionamento ideológico destoa completamente do histórico brasileiro e compromete a reputação do país. “Ao se posicionar claramente a favor de um dos lados, o Brasil abre mão de um ativo diplomático valioso, fruto de décadas de pragmatismo e neutralidade. O mais grave é que, nem mesmo aliados estratégicos do Irã, como China e Rússia, adotaram retóricas tão radicais”, adverte.
O diplomata Paulo Roberto de Almeida também apontou uma ruptura, destacando a postura ambígua do Itamaraty em condenar duramente ações israelenses enquanto silencia ou suaviza declarações diante de agressões perpetradas pelo Irã e por seus aliados na região.
Almeida afirma que o governo brasileiro tem tratado com indiferença os conflitos pelo mundo, em especial as violações da Rússia contra a soberania da Ucrânia e contra a própria Carta da ONU. “Choca-me, a indiferença, não do Itamaraty, mas dos seus chefes no Planalto, no tocante às barbaridades perpetradas pela Rússia contra a soberania, a população civil e o patrimônio físico da Ucrânia, mesmo em face dos ataques mais chocantes em nítida violação da Carta da ONU e de todos os protocolos humanitários”, diz Almeida.
Para o diplomata, o Itamaraty é “vítima de uma política caolha, viciada e viciosa, que mancha a credibilidade e a humanidade da diplomacia profissional brasileira”.
Atuação de Celso Amorim é criticada no Congresso
A guinada ideológica do governo Lula também é alvo de duras críticas no Congresso Nacional. O senador Carlos Viana (Podemos-MG), presidente da Frente Parlamentar Brasil-Israel, condenou o posicionamento do Itamaraty, classificando a atual política externa brasileira como “isolada e irrelevante” no cenário internacional.
“É lamentável o que temos presenciado. As críticas do presidente Lula, totalmente desmedidas e orientadas de forma incorreta por Celso Amorim, têm alinhado o Brasil a uma nação terrorista que apoia grupos radicais e que contraria os princípios que a própria esquerda brasileira diz defender”, afirmou Viana.
Para o senador Viana, é inaceitável que o governo brasileiro apoie regimes que massacram mulheres e homossexuais enquanto mantém o discurso progressista em fóruns internacionais. Ele defende a retomada da tradição diplomática brasileira: “Não é possível ficar calado diante das ameaças do Irã contra Israel”.
Para o deputado Filipe Barros, “o Brasil atual tem sido muito diligente quando é para condenar Israel e os EUA, mas extremamente omisso quando o assunto é reconhecer como terroristas organizações financiadas pelo Irã, além do próprio regime que defende publicamente a destruição do Estado de Israel”. Na sua avaliação, “é lamentável esta postura, que rompe com uma tradição de elevada neutralidade, quando a nossa política externa ainda não havia sido capturada por um partido e por uma ideologia”.
Brasil pode sofrer consequências econômicas e de prestígio diplomático
A guinada ideológica do governo Lula no Oriente Médio pode trazer consequências severas para o comércio exterior e a imagem internacional do Brasil. Segundo Elton Gomes, dois riscos principais decorrem dessa postura: a alienação de mercados estratégicos e a perda de prestígio diplomático.
Do ponto de vista comercial, o alinhamento retórico com regimes autoritários pode fechar portas importantes em Israel, fornecedor de tecnologia de ponta, e junto a aliados ocidentais como Estados Unidos e União Europeia. “Isso reduz a margem de manobra que o Brasil demorou décadas para construir”, afirma Gomes.
No campo diplomático, a consequência mais grave é a perda do status de país neutro e confiável, capaz de oferecer seus bons ofícios em negociações internacionais. “Para um país sem capacidade militar significativa e sem arsenal nuclear, o prestígio diplomático é um ativo estratégico indispensável — e ele está sendo comprometido”, alerta Gomes.
Fonte: Gazeta