O Brasil já teve Odorico Paraguaçu, o prefeito de Sucupira criado por Dias Gomes, populista e cheio de frases de efeito. Na ficção de O Bem Amado, era o político que tentava driblar e dobrar a Justiça. Agora, no Brasil real, é o juiz que virou coronel, escanteando o Direito. Alexandre de Moraes assumiu o papel de “Odorico de toga” e, no julgamento de Jair Bolsonaro, decretou a chamada República dos Elogios: só o aplauso é permitido. A crítica virou crime.
O Ouça Essa desta semana faz uma comparação entre o personagem clássico da TV e a atuação do ministro do STF. No julgamento da suposta trama golpista, Moraes denunciou Bolsonaro por ter gritado contra ele, perante multidão, “sai, Alexandre de Moraes!”, “acabou o tempo!”, “deixa de ser canalha!”.
“Algum de nós permitiria e afirmaria que é liberdade de expressão e não crime se um prefeito numa cidade do interior, mediante milhares de pessoas, insuflar o povo contra o juiz da comarca dizendo que não vai mais cumprir decisões do juiz da comarca? Nós aqui placitaríamos isso?”, comparou Moraes durante um aparte no voto de Cármen Lúcia.
E continuou: “Qual o recado que nós queremos deixar para o poder judiciário brasileiro? Qual o recado, qual o precedente que nós queremos deixar para o juiz lá da comarca, que não tem a segurança que nós temos? Vamos placitar que todo prefeito possa ir no dia 7 de setembro como um patriota jogar a população contra o judiciário?”.
Recado para todos: só elogios são aceitos
O julgamento liderado por Moraes que condenou Bolsonaro por palavras é mais do que um caso isolado, é um recado para todo brasileiro. Se o ex-presidente pode ser punido por chamar um ministro de “canalha”, o que sobra para prefeitos, vereadores, jornalistas ou cidadãos comuns que expressem críticas duras ao Judiciário?
Nessa transição de sátira para tragédia, o juiz da comarca, que antes deveria conter os abusos do poder, agora se transformou no coronel que decide quem pode falar e quem deve calar. No Ouça Essa, você vai entender como Alexandre de Moraes interpretou e reescreveu a novela famosa dos anos 1970 — e o que isso significa para a liberdade de expressão no Brasil.
Enquanto Moraes constrói sua própria versão de O Bem Amado, colegas como Cármen Lúcia e Flávio Dino preferem declamar poesias e fazer piadas durante os julgamentos. No fim, não sobra nem comédia, nem tragédia, sobra uma tragicomédia institucional que ameaça corroer os próprios alicerces da democracia.
Fonte: Gazeta