Moradora do canal Mata Fome tem de ‘driblar’ tubulação em obra parada para chegar à porta de casa
A aposentada Maria Luiza Alves, 80 anos, tem um desafio cada vez que vai entrar em casa: passar por cima de uma tubulação de concreto da macrodrenagem do igarapé Mata Fome, uma das 37 obras da COP 30, na Grande Belém.
A obra, da prefeitura de Belém, começou em 2024 com a promessa de reduzir alagamentos nos bairros Tapanã, Pratinha, São Clemente e Parque Verde, mas parou. A prefeitura disse que o novo contrato foi formalizado e que a empresa começará estudos para retomar a obra. Além disso, informou que a tubulação será retirada pela empresa que fazia o serviço anteriormente.
“Levantei 30 cm o piso de casa, mas não resolveu o problema. Botaram esses tubos aí. Agora qualquer chuvinha enche. [Para entrar em casa] dou um pulo, pulo para casa, quando chego”, diz a aposentada, moradora do Tapanã.
Clique e siga o canal do g1 Pará no WhatsApp
O g1 visitou o Mata Fome e locais de outras seis obras da COP 30, da prefeitura e governo do Pará, espalhadas por Belém para ouvir moradores.
Enquanto parte dos entrevistados celebra novos espaços de lazer e alguns avanços contra alagamentos nas regiões cortadas por canais e igarapés, outros dizem temer que as obras não sejam concluídas e reclamam dos transtornos – como Maria Luiza – , e até de prejuízos financeiros, como os comerciantes do famoso mercado Ver-o-Peso.
LEIA TAMBÉM:
Grande Belém tem mais de 30 obras em andamento
Governador Helder diz que obras ficarão prontas até outubro e Círio de Nazaré será ‘teste’
Obras da COP 30, em Belém: Parque Linear da Doca, Parque da Cidade, obra do BRT e macrodrenagem de canal na periferia
Marcus Passos/g1 Pará
Nesta reportagem você vai ler os relatos dos moradores sobre as obras de:
Infraestrutura: entre a esperança e a frustração
Saneamento: alívio, alagamentos e obras paradas
Mobilidade: atrasos, acidentes e trânsito intenso
Infraestrutura: entre a esperança e a frustração
Parque Linear da Doca
O Parque Linear da avenida Visconde de Souza Franco (avenida chamada de Doca) é uma obra executada pelo governo do Pará e vai ser um dos principais espaços de lazer na COP.
Entre os pontos positivos apontados por quem circula ou mora próximo do espaço estão: Revitalização de uma área que estava negligenciada; crescimento da infraestrutura; melhoria das condições de tráfego e iluminação; e aumento da frequência e ocupação do espaço.
Já entre os aspectos negativos estão: impactos na mobilidade; dificuldade para pedestres e falta de acessibilidade, barulho e sujeira; concentração em áreas elitizadas; falta de comunicação com a população, além de dúvidas sobre sua conclusão e legado após a COP 30.
O motorista de aplicativo por motocicleta, Maicon Nascimento, de 32 anos, deseja que a obra do Parque da Doca não seja apenas uma “maquiagem” para a COP.
“Seria muito bom se realmente a gente visse que essa obra não fosse somente, digamos assim, entre aspas, ‘para a COP 30’, como eu falei para uma passageira ainda agora, porque atualmente está praticamente, para quem vê, uma maquiagem, né?”, diz Maicon.
Railson Alves, 25 anos, trabalha em um escritório de arquitetura e urbanismo. Ele acredita que a revitalização torne o lugar mais frequentado. ‘Vejo como uma coisa boa [a obra], porque vai ter um tráfego melhor, uma iluminação melhor por aqui e, de certa forma, não vai estar mais aquela sensação de abandono”, afirma.
O estudante Davi Ribeiro, de 19 anos, mora no mesmo bairro de classe média alta onde a obra é construída, o Umarizal. Ele lembra que o Brasil sediou a Copa do Mundo, com pouco retorno, na visão dele. A competição não teve partidas em Belém.
”Não deixou herança [Copa do Mundo], gerou elefantes brancos, gerou gastos do Estado para manutenção dos estádios. Essas obras aqui acho que são mais para os gringos verem”, diz Davi.
A opinião da vendedora de churros do Parque Porto Futuro, área de lazer anexa ao Parque da Doca, é diferente. Para a autônoma que não quis se identificar, a obra pode ajudar. “Vai melhorar sim, com certeza, quando abrir todo o parque da Doca. Ainda mais [a gente] legalizado, os carrinhos todos padronizados, vai melhorar bastante”, afirma.
Parque da Cidade
O Parque da Cidade promete ser outra área de lazer pós-COP. É a obra mais cara e deve funcionar como principal ponto de encontro entre os chefes de Estado.
Marivaldo Silva, Odione Lima e outros amigos skatistas no Parque da Cidade, em Belém.
Marcus Passos/g1 Pará
O Parque da Cidade foi fechado para visitação ao público e entregue pelo Governo do Pará ao governo federal e à ONU para instalação dos pavilhões da Blue Zone (área restrita a delegações) e da Green Zone (área aberta ao público).
A funcionária pública Gleice Garcia, de 42 anos, vive no bairro Sacramenta, onde o Parque foi construído, e diz que os moradores são carentes de parques com essa estrutura.
“Tem uma parcela bem grande da população que não tem acesso a esse tipo de estrutura, e eu achei bem legal. Benéfico principalmente aqui nesse bairro que é considerado periferia. A maioria das construções nesse estilo são mais para o centro”, diz Gleice sobre o Parque da Cidade.
Para o designer gráfico e skatista Marivaldo Silva, de 43 anos, o parque tem infraestrutura perfeita para a prática de skate street. O soldador Odione Lima, de 26 anos, comenta que ele, Marivaldo e outros amigos lutam há décadas para ter um espaço como o atual Parque da Cidade.
Mas criticam a falta de instrutores e o trânsito de crianças sem acompanhamento ou equipamento de segurança.
A moradora do bairro do Marex e integrante do grupo de corrida Mulheres que Correm, Adrizia Silva, 44 anos, diz que o parque é uma boa opção para crianças, adultos e jovens. Ela sugere, no entanto, que o local abra mais cedo. “Como Belém é um lugar muito quente, tem muito sol, fica um pouco ruim esse horário [de abertura] às 8 horas”, disse dias antes de o parque fechar ao público.
Reforma do Complexo do Ver-o-Peso
Além dos parques construídos sob a supervisão do governo do Pará, o g1 visitou também a reforma do Complexo do Ver-o-Peso, que integra Mercado de Peixe, Mercado de Carne e Feira Principal e é executada pela Prefeitura de Belém.
Os comerciantes estão frustrados e apreensivos com os prazos de entrega não cumpridos. O término do Mercado de Carne, por exemplo, mudou de junho para setembro. Já o Mercado de Peixe teve a data de conclusão alterada duas vezes: de fevereiro para agosto, e depois, para setembro.
“Já ultrapassou o prazo que deram […] Ninguém fala nada. Ninguém. Causa indignação, né? Porque os clientes têm que passar por tudo isso junto com a gente. Tem pessoas que nem entram aqui”, reclama a vendedora Jandira Brito, de 61 anos.
Os feirantes afirmam ainda que as vendas e o movimento caíram.
“Meu faturamento caiu entre 90% e 95%. Eu perdi 10 funcionários, estou com cinco processos de trabalho. Isso não é brincadeira”, afirma Marcelo do Carmo, dono de restaurante.
Em nota, a Prefeitura de Belém informou que os mercados de Carne e Peixe serão entregues em setembro, já a estrutura completa do Complexo do Ver-o-Peso tem previsão de término até a COP.
Reforma do Complexo do Ver-O-Peso, em Belém.
Thaís Neves/g1 Pará
Saneamento: alívio, alagamentos e obras paradas
Macrodrenagem do Tucunduba
A macrodrenagem do Tucunduba, conduzida pelo Governo do Pará na área considerada a segunda maior bacia de Belém, tem como objetivo reduzir alagamentos. Até agosto de 2025, seis canais foram totalmente entregues: Timbó, Gentil Bittencourt, Cipriano Santos, Vileta e José Leal Martins.
O autônomo Antônio Furtado, de 52 anos, que mora em uma travessa onde fica o canal da Timbó, no bairro Marco, diz que não sofre mais com problemas de alagamento.
“De início deu um contratempo, mas a gente já sabia que ia ser essa coisa boa que é hoje. Então, melhorou muito para nós agora. Agora tá sendo ótimo. Muito bom”, afirma.
Já Alessandra Moraes, 47 anos, diz que a casa dela na passagem José Leal Martins antes não enchia, e passou a alagar após a obra e elevação da rua. Segundo Alessandra, ela e o irmão ainda têm de ajudar o pai, de 85 anos, que também sofre com as cheias: Ele “não tem mais força para secar [a casa]”, lamenta.
Macrodrenagem dos canais Mártir e Murutucu
A obra de macrodrenagem dos canais Mártir e Murutucu, no bairro do Curió-Utinga, é a esperança dos moradores para acabar com alagamentos.
“Nossa rua está destruída. Ela era toda bloqueada, limpinha, entendeu? Tínhamos uma praça, ela estava velhinha, mas era uma praça onde todo mundo se reunia. Foi destruída para passar os veículos todinho”, comenta.
Segundo o governo do Pará, a obra do canal do Mártir está com 70% de execução e dentro do cronograma dos serviços, que envolvem a “retificação do canal, novas vias marginais, reconstrução da praça existente e asfalto de ruas adjacentes”.
Obra do canal Mata Fome
Ao contrário das duas obras de macrodrenagem executadas pelo governo estadual, a obra do canal Mata Fome, da Prefeitura de Belém, está parada. A ordem de serviço foi assinada em julho de 2024 e, segundo os moradores, a obra foi executada por alguns meses, mas parou ainda em 2024.
A aposentada Narcisa Brito, que mora há mais de 30 anos no bairro do Tapanã, na periferia de Belém, acredita que a primeira etapa da obra, prometida para terminar antes da COP, não será entregue.
“Ela [a obra] começou, parou e disseram que iam dar continuidade, não deram continuidade. É só promessa, promessa, promessa, todo tempo”, diz.
Canal do igarapé Mata Fome em Belém corta vários bairros da cidade.
Marcus Passos/g1 Pará
Narcisa Brito e Antônio Furtado falam sobre obras nos canais Mata Fome e Tucunduba, dentro do ”pacote” para COP 30, em Belém.
Reprodução/TV Liberal
A aposentada de 65 anos diz que, enquanto a obra não recomeça, os moradores sofrem diariamente com os alagamentos.
“Essa obra estraga os móveis dos moradores. Tem uns que querem até se mudar para ir embora. Já pensou deixar a casa né para ir embora por causa dessa situação. Eu digo assim, isso aqui não pode continuar”, destaca.
Em nota, a prefeitura afirmou que o projeto está aprovado, com recursos garantidos e está em fase de formalização dos contratos para que as obras sejam iniciadas. A data, no entanto, não foi informada.
“A atual gestão estava obedecendo uma determinação do Tribunal de Contas do Município, uma vez que a licitação da empresa do projeto foi cancelada na administração anterior”.
Mobilidade: atrasos, acidentes e trânsito intenso
BRT Metropolitano segue em obras na Grande Belém
Das obras de mobilidade construídas para a COP 30, o g1 visitou a construção do BRT Metropolitano. O projeto está em construção desde janeiro de 2019 e já descumpriu vários prazos de entrega, sendo o último em julho de 2025.
A vendedora de lanches Ray Mesquita, de 47 anos, trabalha há 11 anos às margens da via do BRT e mora no bairro Coqueiro, em Ananindeua, um dos três municípios da Grande Belém beneficiados pelo BRT. Segundo ela, a obra trará melhorias com substituição de passarelas precárias e novo calçamento.
Porém, a vendedora aponta que a área ficou mais perigosa, especialmente à noite, devido à escuridão e falta de sinalização em trechos onde a obra ainda não terminou.
“Para o pedestre ficou bem complicado, porque às vezes, como não tem ainda passarela e é longe o sinal, aí o pessoal tem que atravessar aqui no meio. Muitos acidentes já presenciei”.
Para outros trabalhadores, como o motorista por aplicativo de motocicleta Paulo Serrão, de 22 anos, a obra interfere diariamente no trânsito, tornando-o mais intenso, especialmente à tarde e pela manhã.
“Espero que acabe logo. Porque atrapalha muito a gente. Querendo ou não, atrapalha a gente essa obra aí. Porque mexe num lugar, destrói em outro, e complica a vida do motorista”, pede o motoboy.
Ray Mesquita vendo doces e salgados às margens da BR-316, em Belém.
Marcus Passos/g1 Pará
Obras de preparação para a COP30
Arte/g1
VÍDEOS: veja todas as notícias do Pará
Confira outras notícias do estado no g1 PA
Fonte: O Liberal