Quase três anos após eleger a maior bancada da Câmara, o Partido Liberal (PL) desponta como a sigla que mais perdeu deputados na atual legislatura. Desde o início de 2023, 12 parlamentares deixaram o partido, dois foram expulsos e três chegaram à legenda do ex-presidente Jair Bolsonaro. Devido às mudanças, o número atual de deputados é de 88 – uma redução em relação às 99 cadeiras conquistadas em 2022.
A conta das filiações ao PL na atual legislatura inclui o líder da oposição, Luciano Zucco (RS), que veio do Republicanos; Ricardo Guidi (SC), ex-PSD; e, recentemente, Osmar Terra (RS), que deixou o MDB.
Quanto às baixas, o PP e o Republicanos absorveram a maior parte dos deputados que saíram do Partido Liberal. O PL também registrou duas expulsões. A mais recente foi a de Antonio Carlos Rodrigues (SP), um quadro histórico da sigla, que defendeu o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF). Já Yuri do Paredão (CE) foi expulso após tirar uma foto com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em 2023.
A saída de parlamentares do PL se deu por motivos diversos, expondo as tensões internas entre a ala mais ideológica e os membros mais pragmáticos do partido. Alguns, como Ricardo Salles (SP), que retornou ao Novo, alegaram incômodo com o crescente alinhamento do PL com o Centrão.
Salles já foi filiado ao Novo, mas tinha sido expulso em 2020 por aceitar compor o governo Bolsonaro. Agora busca uma nova trajetória na sigla e o objetivo é viabilizar sua candidatura ao Senado por São Paulo.
Outros, como o mineiro Samuel Viana, citaram divergências com a ala mais ideológica do PL. O deputado, que votou com o governo em pautas importantes, como a Reforma Tributária e o Arcabouço Fiscal, se tornou alvo de críticas recorrentes de seus correligionários. Uma ala do partido chegou a apelidar o grupo do qual Viana fazia parte de “comunistas do PL”.
Ao justificar sua saída, Viana foi direto: “O PL tem feito oposição a toda e qualquer medida que venha do atual governo, mesmo sendo medidas boas para o Brasil. O radicalismo e o extremismo tomaram conta das orientações do partido, e meu perfil e meu eleitorado não se comunicam com os extremos”, disse ao Globo.
A saída de Viana, que protocolou seu pedido de desfiliação em agosto, reforça a tese de que há uma divisão na bancada do PL entre os que defendem a oposição “total” e os que buscam um posicionamento mais flexível em relação às pautas do Congresso.
Para o cientista político Elias Tavares, o cenário é resultado de uma reorganização pragmática. “O PL elegeu muitos parlamentares surfando a onda bolsonarista, mas agora entramos no momento do cálculo político”, afirma. Segundo ele, há dois fatores principais: a pressão por espaço dentro de uma bancada superlativa e a busca por siglas com um perfil de “direita mais soft“, como PP e Republicanos.
“Esses partidos oferecem mais flexibilidade e maior leque de candidaturas, podendo lançar nomes ao Senado e disputar espaço sem depender da estratégia do PL”, explica Tavares. Ele aponta que, com a provável redução da força do bolsonarismo na ausência de Jair Bolsonaro na disputa presidencial, muitos deputados enxergam nesses partidos a chance de ampliar sua viabilidade eleitoral em 2026.
A postura do PL em relação à saída de deputados parece ser de endurecimento ideológico. Aliados avaliam que o partido optou por se consolidar como uma oposição assertiva e coesa, em vez de ser um “partido de massa” que acomoda diferentes correntes de direita. As perdas, nesse sentido, podem ser vistas como um processo de solidificação programática, deixando apenas os parlamentares mais leais à agenda de Jair Bolsonaro.
A Gazeta do Povo entrou em contato com a assessoria do Partido Liberal para tratar sobre as mudanças na bancada, mas ainda não teve retorno.
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Posicionamento do PL atrai novos filiados
Apesar de uma parte de sua bancada ter migrado para outras siglas, o Partido Liberal continua a atrair nomes com um alinhamento ideológico mais forte com a pauta conservadora. O deputado federal Osmar Terra, por exemplo, deixou o MDB para se filiar ao PL. Ele afirmou que sua decisão ocorreu por “afinidade política” e pelo que ele considera “posições políticas mais alinhadas” com o ex-presidente Jair Bolsonaro.
“Eu tenho 40 anos de MDB, mas com o tempo, principalmente nos últimos anos, nós fomos tomando caminhos diferentes”, afirmou o deputado. Segundo ele, suas posições contrárias às drogas, ao aborto e à ideologia de gênero, além da defesa de um modelo econômico liberal e da redução de impostos, o aproximaram do PL. “O que eu acredito, meus princípios e minhas posições políticas todas têm muito mais a ver com o PL e o que o presidente Bolsonaro representa”, declarou à Gazeta do Povo.
Ao ser questionado sobre as prioridades da bancada do PL, Osmar Terra aponta a “redemocratização do país” como a urgência central. Para ele, o Brasil “deixou de ser uma democracia” em função de decisões do Supremo Tribunal Federal (STF).
A anistia a investigados pelos atos de 8 de janeiro é, na sua visão, outra pauta prioritária para “botar um fim” na perseguição à oposição e promover uma reconciliação nacional. A fala de Terra reforça a aposta do PL em uma pauta de críticas e combate a algumas iniciativas do Judiciário e do governo federal, solidificando sua identidade como principal legenda de oposição.
Estratégia e competitividade eleitoral em 2026
A redução no número de partidos com representação na Câmara, que caiu de 30 em 2018 para 16 em agosto de 2025, é um reflexo do endurecimento das regras eleitorais, como a cláusula de barreira. Essa medida exige um desempenho mínimo nas urnas para que os partidos tenham acesso a recursos e tempo de propaganda, o que estimula fusões e incorporações, solidificando o sistema partidário brasileiro.
O advogado Peterson Vivan, especialista em Direito Eleitoral, avalia que as movimentações precisam ser vistas em um contexto mais amplo de “redesenho de blocos e lideranças” dentro da direita. Para ele, o que se observa é um “movimento de aquecimento político”.
“As conversas de bastidores ocorrem justamente nos anos ímpares, quando não temos eleições. E esses movimentos acabam se consolidando em anos pares, com a abertura da janela partidária, que é um momento técnico e legal para a troca”, explica Vivan.
Segundo o especialista, a atratividade do PP e dos Republicanos se deve a características como o “tempo de TV, a capilaridade municipal, a estrutura partidária consolidada e o espaço de negociação com o governo”. Esses fatores tornam as legendas polos de atração em momentos de recomposição das bancadas.
Vivan afirma também que a cláusula de barreira cumpriu seu papel de diminuir a fragmentação, mas não eliminou o pragmatismo eleitoral. “Os parlamentares ainda buscam onde terão mais espaço e apoio. O nosso sistema é dinâmico e em cada eleição exige um ajuste, tanto de rota em relação ao partido, quanto do partido em relação ao próprio sistema”, comenta.
Balanço das bancadas na Câmara entre fevereiro de 2023 e agosto de 2025:
Partidos que mais ganharam parlamentares:
- Podemos: +5 deputados (de 12 para 17)
- Republicanos: +4 deputados (de 40 para 44)
- PP: +4 deputados (de 47 para 51)
- PSD: +3 deputados (de 42 para 45)
- PSB: +2 deputados (de 14 para 16)
- Novo: +2 deputados (de 3 para 5)
- MDB: +1 deputado (de 42 para 43)
- Psol-Rede: +1 deputado (de 14 para 15)
- Solidariedade: +1 deputado (de 4 para 5)
Partidos que mais perderam:
- PL: -12 deputados + 1 (de 99 para 88)
- PT-PV-PCdoB: -1 deputado (de 81 para 80)
- PSDB-Cidadania: -1 deputado (de 18 para 17)
- PDT: -1 deputado (de 17 para 16)
Fonte: Gazeta