A defesa do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) apresentou na noite desta sexta-feira (22) os esclarecimentos solicitados pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), sobre as acusações feitas pela Polícia Federal. Os advogados clasificaram o relatório da PF como “lawfare” e uma “peça política” com o objetivo de desmoralizar o ex-presidente.
A defesa argumenta que o relatório da PF se encaixa na definição de “lawfare” – o uso estratégico de procedimentos legais para intimidar ou atrapalhar um oponente. Os advogados afirmam que o documento é uma “peça política” que expõe a vida privada do ex-presidente e o acusa de fatos “tão graves quanto descabidos”, incluindo “disse-me-disse” sem relevância para a investigação.
“O Relatório da Polícia Federal causa espanto. Encaixa-se como uma peça política, com o objetivo de desmoralizar um ex-presidente da República (que, quer queiram as autoridades policiais ou não, ainda é um líder político), expondo sua vida privada e acusando-o de fatos tão graves quanto descabidos. Parece incrível, mas boa parte do relatório dedica-se a um disse-me-disse sem qualquer relevância para a investigação”, crticou a defesa.
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Na quarta-feira (20), a PF indiciou Bolsonaro e seu filho, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP), por suposta obstrução de Justiça e coação no processo do golpe. Os investigadores relataram ter encontrado no celular do ex-presidente o rascunho de um pedido de asilo político na Argentina, apontaram que ele teria descumprido medidas cautelares e divulgaram uma série de mengens e áudios trocados por Bolsonaro.
“Para além da ausência de fatos novos ou mesmo contemporâneos, é certo que não há qualquer notícia de descumprimento de nenhuma das cautelares já impostas neste último um ano e meio”, disseram os advogados no documento de 12 páginas.
Objetivo de relatório da PF é “massacre” e “desmoralização”, diz defesa
Além disso, a defesa denuncia que conversas privadas, movimentações financeiras e pagamentos a profissionais foram “cuidadosamente transmitidos à imprensa”, violando a proteção de dados bancários. Os defensores destacam que uma transferência lícita via Pix para a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro (PL) teria sido mendcionada como indício de lavagem de dinheiro, mesmo o crime exigindo origem ilícita.
“O objetivo do inquérito é proteger o Estado Democrático, mas diversas leis são lançadas ao lixo”, ressalta a defesa. “É necessário presumir que os investigadores sabem o que é o crime de lavagem, que determina origem ilícita e não se consubstancia com depósitos, via Pix, para familiares. Então, o objetivo é o massacre. A desmoralização. Ou seja, é lawfare em curso”, diz o documento.
Um dos pontos mais contestados é a interpretação da PF sobre um “rascunho de pedido de asilo ao presidente argentino”, datado de fevereiro de 2024, como um plano de fuga para impedir a aplicação da lei penal. A defesa refuta a alegação, afirmando que o documento era um mero rascunho antigo, sem data ou assinatura, enviado por terceiro.
Os advogados destacam que o documento foi salvo dois dias após a deflagração da Operação Tempus Veritatis, em 10 de fevereiro de 2024, mas o processo criminal que originou as cautelares foi proposto um ano depois. A defesa enfatiza que o ex-presidente não fugiu, pelo contrário, obedeceu a todas as decisões do STF, comparecendo a todos os atos e estando em sua residência quando a prisão domiciliar foi determinada.
Defesa destaca necessidade de fato contemporâneo para prisão preventiva
Bolsonaro cumpre prisão domiciliar desde o último dia 4, mas já era alvo de uma série de medidas cautelares impostas pelo ministro Alexandre de Moraes em julho. Entre as restrições, o ex-presidente usa tornozeleira eletrônica; está proibido de usar redes sociais, inclusive por intermédio de terceiros; está proibido de manter contato com outros investigados; e também não pode se aproximar de embaixadas ou conversar com embaixadores estrangeiros.
Moraes deu 48 horas para a defesa de Bolsonaro explicar as acusações feitas pela PF. O prazo terminaria às 20h34, desta sexta-feira (22). Após a manifestação dos advogados, a Procuradoria-Geral da República (PGR) também terá 48 horas para encaminhar um parecer à Corte.
Ao determinar a prisão domiciliar, o ministro alertou que “o descumprimento das regras da prisão domiciliar ou de qualquer uma das medidas cautelares implicará sua revogação e a decretação imediata da prisão preventiva”. O magistrado deve decidir sobre uma eventual prisão preventiva após a manifestação da PGR.
“A autoridade policial evidentemente sabe – posto que cediço – que para se aventar de uma prisão preventiva é preciso haver fato contemporâneo. Mas, ainda assim, tem apenas um documento, que reconhece ser mero rascunho antigo enviado por terceiro, além da indeclinável constatação de que o tal pedido não se materializou!”, disseram os advogados.
Mensagens de Bolsonaro servem “mais às manchetes do que aos autos”
De acordo com os advogados, as conversas com Eduardo, incluindo discussões sobre sucessão eleitoral e “desavenças íntimas e privadas”, foram “recortadas” pela PF, mas são lícitas e serviram “mais às manchetes do que aos autos”. A defesa ainda ressalta que o ex-presidente cessou as conversas com o filho quando proibido pelo STF, demonstrando obediência.
Os advogados afirmam que Bolsonaro nunca foi proibido de utilizar o WhatsApp ou de trocar mensagens privadas até 17 de julho, destacando que o aplicativo “não conta com algoritmo, não apresenta novos contatos, não entrega mensagens para fora da rede privada”. Segundo eles, essa característica o distingue claramente de “redes sociais”, que possuem um “design estrutural direcionado para a construção de novas relações virtuais” e algoritmos para oferecer novos contatos.
A Polícia Federal apontou o recebimento de uma mensagem SMS do ex-ministro Walter Braga Netto, em 9 de fevereiro de 2024, como descumprimento da medida cautelar de proibição de contato durante a investigação. A mensagem dizia: “Estou com este número pré-pago para qualquer emergência. Não tem zap. Somente facetime. Abs, Braga Neto”. A defesa contrapõe que o ex-presidente apenas recebeu a mensagem, sem qualquer resposta ou comunicação de sua parte.
Para os advogados, a “inexistência de resposta é o exato contrário de manter contato”, e a tentativa da PF de concluir descumprimento com o silêncio do ex-presidente é “estarrecedora”. O relatório da PF também destacou mensagens trocadas entre o ex-presidente e o advogado norte-americano Martin de Luca, que representou a Trump Media e a plataforma Rumble em ações contra Moraes. A defesa esclarece que todas essas mensagens são anteriores à imposição das medidas cautelares, envolviam o recebimento de petições públicas já protocoladas nos Estados Unidos e um pedido de aconselhamento para uma nota à imprensa.
A equipe jurídica contesta a conclusão da PF de “ações previamente ajustadas” baseada no recebimento de uma cópia de uma ação judicial, argumentando que isso não indica atuação criminosa ou desrespeito à cautelares e pode ser uma tentativa de proibir conversas com pessoas que compartilham o mesmo matiz político.
Fonte: Gazeta