A operação da Polícia Federal (PF), autorizada pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), e que levou ao indiciamento de Jair Bolsonaro (PL) e do deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP), nesta quarta-feira (20), por tentativa de obstrução da Justiça, reforçou a percepção de conflagração no campo da direita. Analistas afirmam que a investigação tem caráter político e visaria enfraquecer Bolsonaro e sua base de apoio.
Por meio da divulgação de mensagens privadas trocadas pelos investigados, o episódio evidenciou atritos entre a centro-direita, que se movimenta na costura de alianças para a sucessão presidencial de 2026, e os filhos do ex-presidente, em especial Eduardo e o vereador Carlos Bolsonaro (PL-RJ). As mensagens também expuseram dificuldades para se montar uma estratégia sustentável da direita para agregar apoios em meio a variáveis diplomáticas, partidárias, econômicas e familiares.
A ofensiva da PF, que incluiu mandados de busca e apreensão contra o pastor Silas Malafaia, trouxe à tona fissuras na família Bolsonaro e tensões com importantes aliados, como o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (SP). Tudo isso em meio ao debate sobre a melhor abordagem política ao tarifaço imposto pelos Estados Unidos, às sanções da Lei Magnitsky Global aplicadas a Moraes e eventuais novos alvos, e à tentativa de reposicionar forças conservadoras na disputa eleitoral.
O relatório da PF reuniu mensagens e áudios obtidos em celulares apreendidos de Bolsonaro, revelando conflitos internos e articulações externas. Entre os registros, destacam-se os xingamentos de Eduardo direcionados a Jair em julho, após o pai ter elogiado Tarcísio e chamado o deputado de imaturo numa entrevista.
O filho deputado reagiu com insultos, acusando o ex-presidente de minar a sua atuação nos EUA, onde buscava apoio junto ao presidente Donald Trump e defendia medidas de retaliação contra o STF. Malafaia também apareceu nas conversas, criticando duramente Eduardo, a quem chamou de “babaca inexperiente” e prejudicial à estratégia do grupo.
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Mensagens mostram intenção de Malafaia de orientar Jair e Eduardo Bolsonaro
Os diálogos entre Malafaia, Jair Bolsonaro e Eduardo Bolsonaro reproduzidos no relatório 3305694/2025 da PF, que contém toda a sequência de diálogos, reproduções de tela de celular e orientações trocadas entre os envolvidos, evidenciam desconfortos e discordâncias com posicionamentos tomados pelo deputado nos EUA. Eles também mostra dúvidas do ex-presidente sobre como deveria reagir aos fatos e ainda preocupações sobre a disputa pela Presidência em 2026.
A revolta de Malafaia com o tom dado por Eduardo após o anúncio do tarfaço ficou evidente. “E vem o teu filho babaca falar m****! Dando discurso nacionalista, que eu sei que você não é a favor disso. Dei-lhe um esporro, cara… mandei um áudio para ele de arrombar. E disse: a próxima que tu fizer eu gravo um vídeo e te arrebento! Falei para o Eduardo.”
Antes dessa mensagem, Malafaia já havia feito duras críticas a Eduardo, a quem classificou como inexperiente e prejudicial à estratégia do grupo.
“Esse seu filho Eduardo é um babaca inexperiente que está dando a Lula e à esquerda o discurso nacionalista e ao mesmo tempo te ferrando. Um estúpido de marca maior. Estou indignado! Só não faço vídeo e arrebento com ele por consideração a você. Não sei se vou ter paciência de ficar calado se esse idiota falar mais alguma asneira”, diz a mensagem enviada pelo pastor a Bolsonaro em 11 de julho de 2025, às 17h55.
Em outro momento, Malafaia enaltece o papel de Bolsonaro no contexto das sanções aplicadas pelos EUA: “A faca e o queijo tá na sua mão (…) E nós não podemos perder isso, pô!..” Para a PF, essa foi uma mostra de que Malafaia estaria atuando como orientador estratégico de Bolsonaro e o grupo político.
Nesse ponto, o líder religioso indicou diretrizes para discursos a serem difundidos por Bolsonaro e seus filhos, como forma de o discurso do ex-presidente servir ao propósito de manter seu protagonismo. É o que indica o seguinte trecho:
“Presidente! Você voltou para o jogo. Podem usar bravatas aqui, vão ter que sentar na mesa para negociar. Você é o cerne da questão. Quem é o Brasil para peitar os EUA? Mico contra um gorila. No vídeo que vou postar daqui a pouco eu vou ao cerne da questão. A próxima retaliação vai ser contra ministros do STF e suas famílias. Vão dobrar a aposta apoiando o ditador? Duvido!”
Além disso, foi exposta uma orientação explícita sobre narrativas a serem criadas. “Traz o discurso para isso!… Se você gravar um vídeo dessa carta, vai arrebentar! Um instrumento para o povo que apoia divulgar. Povo não divulga carta, mas sim, vídeo!”
Para o pastor, seria importante explorar o fato de a reação de Trump com tarifas não ser apenas comercial, mas focada em Bolsonaro.
“Anistia para todos! O Brasil da liberdade não será taxado”, disse o pastor, sugerindo um slogam. Bolsonaro parece seguir as orientações, mencionando o próximo passo: “Malafaia, eu meto a carta e depois vejo o vídeo, ok?” E justifica a demora com bom humor, mencionando uma crise de soluços: “Se por acaso acalmar aqui, eu faço.”
Elogio de Bolsonaro a Tarcísio desperta fúria de Eduardo e revela disputa
O relatório também traz áudios e mensagens com orientações sobre temas como anistia, tarifas, negociação e narrativa política. Um trecho é destacado: “Se não começar votando a anistia, não tem negociação sobre tarifa.”
Mas a troca de mensagens entre Jair Bolsonaro e Eduardo que mais impactou o público, grupos políticos e analistas ocorreu na tarde de 15 de julho, após o ex-presidente dizer ao Poder360 que o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos-SP), é seu aliado e, ao falar do filho, apontar imaturidade nele, apesar de ter 40 anos.
As declarações geraram reações pesada do filho em mensagens de WhatsApp: “Eu ia deixar de lado o histórico do Tarcísio, mas graças aos elogios que você fez a mim no Poder 360, estou pensando seriamente em dar mais uma porrada nele, para ver se você aprende. Vtnc seu ingrato do c******”. A impressão, segundo analistas, é que a mensagem mostrou ciúmes do deputado e desejo de ser o indicado da família para disputar o Planalto.
O deputado ainda reclamou mais: “Me f****** aqui. Você ainda ajuda a se f**** aí!” e “Se o imaturo do seu filho de 40 anos não puder encontrar com os caras aqui, porque você me joga para baixo, quem vai se f*** é você e vai decretar o resto da minha vida nesta p**** aqui. Tenha responsabilidade!”. Em outro trecho de conversa entre o ex-presidente e Malafaia, o pastor dá razão a Eduardo, repreendendo o pai pelo tratamento dado ao filho.
Jair e Eduardo também discutiram ações relacionadas ao apoio da Casa Branca, com o qual o deputado se definiu como negociador, ao lado do jornalista Paulo Figueiredo. Nas mensagens, o parlamentar sugeriu manifestações ao ex-presidente para agradar a gestão Trump. No dia 10 de julho, Eduardo criticou o pai por não ter publicado “tweet vaselina”.
“Uma guerra de cada vez. O cara mais poderoso do mundo está a seu favor. Fizemos a nossa parte. Se o maior beneficiado não consegue fazer um tweet vaselina, aí realmente ferrou. Você tem sido o meu maior empecilho para poder te ajudar”, disse o deputado ao pai.
Além de citar suposta tentativa de fuga, com pedido de asilo para a Argentina, e de conspirar contra o país, o relatório da PF reforça a tese de os indiciados agirem no exterior em causa própria. Analistas veem nessa tônica o desejo de Moraes de sensibilizar o governo americano, no sentido de rever suas punições em tarifas e na Lei Magnitsky Global.
“Constata-se portanto, que os investigados atuaram com consciência e vontade no intuito de convencer autoridades governamentais estrangeiras, induzindo-as em erro, para aplicar sanções contra o Estado Brasileiro e autoridades nacionais constituídas, de forma a satisfazer interesses pessoais ilícitos, qual seja, garantir a impunidade decorrente de uma eventual condenação criminal”, diz o relatório.
Revelações surgem quando partidos já correm para definir apostas para 2026
A repercussão negativa já levou Eduardo a minimizar os ataques ao pai, alegando se tratar de “conversas normais” entre familiares. Em relação a Malafaia, ele se somou às manifestações de solidariedade, dizendo que “estamos juntos”. Ainda assim, a divulgação dos diálogos fortaleceu a percepção de um núcleo político dividido e instável, com sinais de desgaste público.
A poucos dias do julgamento no STF, marcado para setembro, analistas ouvidos pela Gazeta do Povo veem a ofensiva como movimento para fragilizar Bolsonaro no momento mais delicado de sua trajetória, embora o desfecho disso esteja incerto.
Parlamentares da oposição viram a operação como prova de desespero de Moraes, que começa a sofrer perdas com sanções americanas, e a proximidade do protesto nacional contra o juíz, marcado para 7 de setembro e que deve ser liderado por Malafaia.
Enquanto a cena pública é agora dominada pelo choque entre STF, Estados Unidos e família Bolsonaro, com vazamentos, ameaças de prisão e tensões diplomáticas, a política partidária no centro e centro-direita segue o seu curso regular, de olho no calendário eleitoral. Os donos de legendas e governadores se organizam para 2026, explorando o potencial de suas estruturas e as fragilidades de terceiros.
Esse movimento ficou evidente no jantar que sucedeu à formalização da federação União Brasil–PP, na última terça-feira (19), quando 12 governadores, parlamentares e presidentes de seis partidos — incluindo PL, Republicanos, PSD e MDB — se reuniram em Brasília. O encontro simbolizou a costura de amplo arco da centro-direita, já cogitando um nome único no primeiro turno de 2026: Tarcísio de Freitas.
Conversas de bastidor avaliam graus de fragilidade de Bolsonaro após vazamento
Nos bastidores de Brasília, as mensagens vazadas pela PF dividem opiniões. Para alguns, elas servem de argumento para justificar uma prisão preventiva ordenada por Moraes e até levantar dúvidas sobre o apoio americano. Para a maioria, porém, apenas reforçam a imagem de intrigas que marcou o período de Bolsonaro no poder.
As conversas insinuam que Eduardo tentou afastar Tarcísio da corrida presidencial em 2026 por ambição de ser o candidato da família — evidência de que, embora Bolsonaro tenha força para mudar a cena política, pode faltar pragmatismo à sua família. Nesse contexto turbulento, a direita, até agora convencida de que não há candidatura viável sem apoio do ex-presidente, poderia refazer os seus cálculos.
De toda forma, a exposição da tensa intimidade familiar de Bolsonaro já induz a especulação de novos cenários. Primeiro, Tarcísio, tratado como rival por Eduardo, pode ser empurrado mais ao centro. Segundo, a centro-direita tende a concluir que não pode seguir presa a posturas oscilantes. Terceiro, fragilizado, o ex-presidente pode ser forçado a escolher logo uma aposta mais consistente e pleitear o indulto.
Analistas divergem sobre influência de Bolsonaro na aliança de centro-direita
Para o consultor Leonardo Barreto, da Think Policy, Bolsonaro continuará sendo figura influente pelo grande peso eleitoral que carrega, mas suas articulações com a centro-direita saíram fragilizadas após a divulgação de mensagens que expõem a instabilidade de seu entorno.
“O ex-presidente sempre terá capacidade de provocar terremotos políticos e de viabilizar candidaturas. No entanto, também ganha força a imagem de parceiro pouco confiável, marcada por embates e o tom tóxico nas relações entre pai e filho e trocas de acusações com aliados como Malafaia”, diz.
O cientista político Ismael Almeida discorda da avaliação de que a nova ofensiva do STF possa afastar Bolsonaro das articulações para uma aliança de centro-direita em 2026. Para ele, apesar de as mensagens vazadas evidenciarem divisões entre o ex-presidente, seus aliados e partidos do centro, sua influência permanece inalterada, sobretudo junto ao eleitorado mais fiel.
“É cedo para afirmar que o barulho provocado pela ação da PF reduzirá o peso político de Jair Bolsonaro. Minha leitura é que nada muda: ele continua tendo voto e, no fim, ficará claro que se tratava de conversas privadas, discussões familiares, sem prática criminosa”, avalia.
Na sua opinião, em poucos dias, o público chegará a essa conclusão, minimizando qualquer dano à imagem — como já ocorreu após a divulgação, em fevereiro do ano passado, da reunião ministerial de julho de 2022. “Nesse cenário, líderes e dirigentes partidários seguirão o sentimento do eleitorado. Se não houver abalos, continuarão dependentes do capital político de Bolsonaro”, concluiu.
Fonte: Gazeta