Um relatório divulgado na última terça-feira (12) pelo Departamento de Estado dos Estados Unidos mostrou a deterioração dos direitos humanos e das liberdades políticas no Brasil ao longo de 2024. Os pontos mais graves do documento apontam para a concentração de poder pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), sua ofensiva contra as big techs – com a anuência do governo Lula (PT) –, e a “censura digital” direcionada principalmente a aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
O governo americano também critica o “cerceamento da liberdade de imprensa” e a situação de presos pelos atos de 8 de janeiro de 2023. “Os tribunais tomaram medidas amplas e desproporcionais para minar a liberdade de expressão e a liberdade na internet, bloqueando o acesso de milhões de usuários a informações em uma importante plataforma de mídia social em resposta a um caso de assédio”, afirmou o Departamento de Estado.
Veja abaixo exemplos que ocorreram na prática para seis problemas citados no relatório dos EUA que expõem a escalada contra direitos fundamentais no Brasil.
1. Ameaça à liberdade de expressão
O relatório aponta que o STF ampliou o entendimento de conceitos como “ato antidemocrático” para restringir a liberdade de expressão. Em julho deste ano, Moraes multou em R$ 50 mil o jornalista Allan dos Santos por participar de um programa jornalístico que supostamente criticou o presidente Lula e a Corte.
O ministro apontou que Santos estaria utilizando outros perfis para “atacar instituições democráticas”. O jornalista é alvo de ordens de bloqueio em diversas plataformas, como Telegram, Youtube, Instagram, X, TikTok e Rumble. “A lei proíbe a censura judicial com motivação política, mas houve relatos de censura”, disse o Departamento de Estado.
“A Constituição e a lei garantem a liberdade de expressão, inclusive para membros da imprensa e de outros meios de comunicação. Decisões do Supremo Tribunal Federal (STF), no entanto, restringiram a liberdade de expressão de indivíduos considerados, pela Corte, em violação à lei que proíbe discurso antidemocrático”, diz o documento.
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2. Prisão de acusados pelo 8 de janeiro sem julgamento
O Departamento de Estado disse ter ouvido de “figuras políticas” que o governo brasileiro “manteve centenas de indivíduos acusados de participação em protestos que levaram à invasão de prédios governamentais em 8 de janeiro de 2023 detidos por vários meses sem apresentar queixa”. O governo Trump também alega que esses manifestantes foram “impedidos de ter acesso a aconselhamento jurídico”.
Um ano após os atos, o STF mantinha 58 réus presos preventivamente. No último dia 13, a Corte informou que “29 pessoas estão presas preventivamente e 112 cumprem prisão definitiva, ou seja, com julgamento já encerrado e em fase de cumprimento da pena”. Outras 44 pessoas, investigadas ou acusadas, estão em prisão domiciliar, com ou sem tornozeleira eletrônica.
No novo balanço, o Supremo disse que já responsabilizou, até 12 de agosto de 2025, 1.190 pessoas pelos atos de 8 de janeiro de 2023. Desse total, 638 pessoas foram julgadas e condenadas e outras 552 admitiram a prática de crimes menos graves e fizeram acordo com o Ministério Público Federal (MPF).
Familiares e advogados dos presos do dia 8 de janeiro denunciam abusos e irregularidades jurídicas nos processos relacionados ao caso. Eles pressionam o Congresso pela aprovação da anistia. Um dos casos mais lembrados pelas famílias é o de Cleriston Pereira da Cunha, conhecido como Clezão, que morreu vítima de mal súbito no Complexo da Papuda, onde cumpria pena.
A Primeira Turma aceitou a denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR) contra o empresário, mas ele não chegou a ser julgado. Em 7 de novembro de 2023, a defesa pediu a Moraes que a prisão preventiva fosse convertida para domiciliar por problemas de saúde. A PGR apresentou um parecer favorável à transferência. Contudo, a solicitação dos advogados nunca foi analisada. Clezão morreu 13 dias depois.
3. “Sérias restrições à liberdade de imprensa”
O governo americano também citou “sérias restrições” à liberdade de imprensa. As sucessivas decisões do ministro proibindo entrevistas ao ex-assessor para Assuntos Internacionais da Presidência, Filipe Martins, e a vários outros presos também são vistas como uma forma de censura. No mês passado, Moraes negou o pedido do portal Poder360 argumentando que a entrevista poderia representar “risco de tumulto neste momento processual”, sem detalhar o motivo.
Martins é réu do “núcleo 2” do processo sobre a suposta tentativa de golpe de Estado. Ele chegou a passar seis meses preso após a Polícia Federal alegar risco de fuga com base em uma viagem aos EUA que ele não teria feito.
Em relação à Bolsonaro, Moraes impôs uma série de medidas cautelares que restringiram sua comunicação, o que inclui a proibição de uso de redes sociais, inclusive por intermédio de terceiros. Questionado pela defesa, o ministro afirmou que Bolsonaro não estava proibido de se manifestar em público ou de conceder entrevistas, mas alertou que ele seria preso se disse algo que pudesse “induzir e instigar” Trump a “interferir ilicitamente no regular curso” do processo do golpe.
Dias depois, Moraes decretou a prisão domiciliar do ex-presidente, alegando que ele teria descumprido medidas cautelares por cumprimentar, por meio de videochamada, os manifestantes que participavam do ato realizado no dia 3 de agosto em Copacabana, no Rio de Janeiro.
4. Ordens secretas contra apoiadores de Bolsonaro
O relatório também menciona ordens secretas proferidas por Moraes para o bloqueio de perfis de mais de 100 usuários do X e derrubada de conteúdo publicado por aliados de Bolsonaro. “Registros judiciais revelam que o ministro Alexandre de Moraes ordenou pessoalmente a suspensão de mais de 100 perfis de usuários na plataforma de mídia social X (antigo Twitter), suprimindo de forma desproporcional a fala de defensores do ex-presidente Jair Bolsonaro, em vez de adotar medidas mais restritas para punir conteúdos que incitassem ação ilegal iminente ou assédio”, diz o documento.
Em 2024, o impasse entre Moraes e Elon Musk, dono do X, começou após o bilionário anunciar que não cumpriria ordens judiciais e divulgar a cópia de uma decisão sigilosa de Moraes, ordenando um novo bloqueio de contas, que incluía o senador Marcos do Val (Podemos-ES) e outros seis perfis. Musk sugeriu ainda que o ministro “deveria renunciar ou sofrer impeachment”. Após a repercussão, o magistrado incluiu o empresário no inquérito das “milícias digitais”. O atrito culminou no bloqueio do X por um mês no Brasil.
Já o caso “Vaza Toga” expôs diálogos vazados que indicavam suposto uso extraoficial do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) por parte de Moraes para produção de relatórios que teriam sido utilizados para subsidiar o inquérito das fake news, relatado por ele no STF, em casos relacionados ou não às eleições presidenciais. Em 2022, o magistrado era o presidente da Corte eleitoral. O ex-assessor do ministro no TSE, Eduardo Tagliaferro, afirmou que o ex-chefe promoveu perseguição política contra a direita durante a campanha eleitoral de 2022. Ele é investigado por Moraes pelo vazamento das mensagens.
5. Bloqueio do X no Brasil por ordem de Moraes
Moraes determinou a suspensão do X após a plataforma se recusar a cumprir ordens judiciais para derrubar perfis de investigados e não pagar as multas impostas pela Corte. Na ocasião, Musk havia fechado o escritório da empresa no Brasil, deixando o país sem um representante legal. O bloqueio afetou aproximadamente 22 milhões de usuários no país.
“Essa repressão ampla bloqueou o acesso dos brasileiros a informações e pontos de vista sobre uma série de questões nacionais e globais”, disse o Departamento de Estado dos EUA. Na decisão, o ministro estabeleceu ainda uma multa diária de R$ 50 mil a usuários ou empresas que utilizassem “subterfúgios tecnológicos”, como VPNs, para acessar o X.
O governo americano apontou que a “proibição temporária da Corte sobre o uso de VPN, sob pena de multa, corroeu ainda mais a liberdade de imprensa ao remover as proteções de privacidade de indivíduos cuja habilidade de denunciar a corrupção governamental dependia de sua capacidade de fazê-lo anonimamente”.
O acesso foi restabelecido após a plataforma cumprir todas as ordens judiciais. O valor final das multas foi de R$ 28,6 milhões, referente aos R$ 18,3 milhões pela não suspensão de perfis censurados; R$ 10 milhões pela volta temporária da plataforma por dois dias; e R$ 300 mil por descumprimento de ordens pela representante legal da empresa.
Em fevereiro deste ano, Moraes suspendeu as atividades da plataforma de vídeos Rumble no Brasil também por descumprimento de ordens judiciais. Na decisão, ele apontou a consistente “ampliação da instrumentalização da RUMBLE INC., por meio da atuação de grupos extremistas e milícias digitais nas redes sociais, com massiva divulgação de discursos nazistas, racistas, fascistas, de ódio, antidemocráticos” para decidir pelo bloqueio.
6. Censura digital
O documento ressalta que houve “supressão de discursos politicamente desfavoráveis, alegando que constituíam ‘discurso de ódio’, um termo vago, desvinculado do direito internacional dos direitos humanos”.
Diante do cenário de polarização, passou a haver, no Brasil, uma tendência de criminalização da crítica e do debate, exemplificada por casos de figuras públicas, como o empresário Luciano Hang, crítico do governo Lula, que teve seus perfis em diversas redes sociais bloqueados por mais de dois anos, no âmbito do inquérito das “milícias digitais”.
Moraes suspendeu as contas sob o argumento de ser “necessária, adequada e urgente a interrupção de eventual propagação dos discursos com conteúdo de ódio, subversão da ordem e incentivo à quebra da normalidade institucional e democrática”. Entretanto, as decisões judiciais não especificam publicações ilícitas feitas por Hang em seus perfis.
O influenciador Monark também teve dezenas de perfis bloqueados pelo ministro. Embora as contas tenham sido posteriormente desbloqueadas, a decisão de Moraes afirmou apenas que “não há necessidade da manutenção dos bloqueios determinados nas redes sociais”, sem qualquer admissão de erro nas medidas anteriores. Além disso, o ministro impôs uma multa de R$ 20 mil em caso de publicações que caracterizem “grave e ilícita desinformação e discursos de ódio”, conceitos que não estão definidos na legislação.
Fonte: Gazeta