O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e alguns de seus principais ministros de governo contestaram, ponto a ponto, as diversas acusações feitas contra eles, pela Procuradoria-Geral da República (PGR), no processo sobre a suposta tentativa de golpe em 2022. Nesta quarta-feira (13), as defesas de Bolsonaro e dos ex-ministros Walter Braga Netto (Casa Civil), Anderson Torres (Justiça), Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional), Paulo Sérgio Nogueira (Defesa), e do ex-diretor da Abin Alexandre Ramagem apresentaram as alegações finais na ação penal em curso Supremo Tribunal Federal (STF).
Trata-se da última manifestação escrita dos réus do chamado “núcleo 1” da suposta organização criminosa que, segundo a PGR, teria tentado reverter a derrota de Bolsonaro na eleição de 2022 e impedir a posse do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Com a apresentação desse documento, o processo fica pronto para julgamento.
Caberá agora ao ministro Alexandre de Moraes, relator do caso, pedir a Cristiano Zanin, presidente da Primeira Turma do STF, para marcar uma data para julgar o caso. Além deles, votarão pela condenação ou absolvição os ministros Flávio Dino, Cármen Lúcia e Luiz Fux. A previsão é de que essa sessão ocorra em setembro.
Nas alegações, as defesas reiteraram problemas apontados desde o início das investigações: incompetência do STF para supervisionar o inquérito, uma vez que os investigados não têm foro privilegiado; suspeição de Alexandre de Moraes, por aparecer como vítima de um suposto plano para assassiná-lo; cerceamento de defesa, em diversos atos de Moraes que dificultaram o acesso e análise das provas; além da falta de voluntariedade de Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, cuja delação premiada embasou a denúncia da PGR.
Todas essas questões foram rejeitadas pela Primeira Turma no recebimento da denúncia, em março. No julgamento final, poderão ser novamente analisadas, mas a tendência é de que sejam novamente refutadas pela maioria dos ministros.
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Bolsonaro se queixa de “ambiente de massacre”
Os advogados de Bolsonaro afirmaram, nas alegações finais, que foi criado um “ambiente de massacre” em torno do processo, no qual a imprensa já noticia, antes do julgamento final, que ele será condenado e preso.
“Os réus são tratados como golpistas, como culpados, muito antes de a defesa ser apresentada. Uma parte expressiva do país, a maioria da imprensa não quer um julgamento, quer apenas conhecer a quantidade de pena a ser imposta. Neste ambiente de massacre, a defesa, pesa dizer, não teve a amplitude de defesa garantida”, diz o documento.
A defesa rebate a acusação da PGR de que, desde 2021, Bolsonaro teria lançado dúvidas sobre a integridade das urnas eletrônicas com o objetivo de ganhar adesão popular para reverter a eleição em caso de derrota. A defesa diz que seus discursos e pronunciamentos sobre o assunto eram manifestações de opinião política e que, há mais de uma década, ele defende o voto impresso, mudança que foi debatida e aprovada no Congresso, mas depois declarada inconstitucional pelo STF.
“Os discursos e falas do ex-presidente eram públicos e, contudo não há prévia tentativa de incriminar o seu teor. Deles pode-se discordar, mas são opiniões livres, que refletem parte do que não só a sociedade, mas também o corpo político defende ainda hoje”, diz a defesa.
Outro argumento baseia-se no fato de que, na lei que definiu os crimes contra o Estado Democrático de Direito, foi excluída tipificação do ato de promover “campanha ou iniciativa para disseminar fatos que sabe inverídicos, e que sejam capazes de comprometer a higidez do processo eleitoral”. Assim, as falas de Bolsonaro não seriam crime, por ausência de previsão legal.
A defesa também diz que, no processo, provou-se que Bolsonaro contribuiu ativamente para a transição de governo, inclusive nomeando antecipadamente comandantes das Forças Armadas escolhidos por Lula.
Os advogados também rechaçaram as acusações relativas à chamada “minuta do golpe”, texto de um decreto que teria sido discutido por Bolsonaro com os chefes do Exército, Marinha e Aeronáutica para decretar um estado de defesa, de sítio, ou uma operação de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) após o segundo turno da eleição.
“Estas conversas – ou “brainstorm”, para usar a descrição da principal testemunha da acusação – não passaram, quando muito, de cogitação. Não existe prova que retire o tema deste espaço distante e dissociado de qualquer ato de execução”, afirmou a defesa. No Brasil, não se pune a cogitação de um crime, apenas sua execução.
A defesa também diz que não há provas de que Bolsonaro tivesse conhecimento ou controle sobre planos, encontrados na investigação, que previam a prisão e assassinato de autoridades (Moraes, Lula e o vice Geraldo Alckmin) e a instalação de um gabinete de crise para impedir a posse de Lula.
Por fim, também diz que não há prova que vincule Bolsonaro aos atos de 8 de janeiro de 2023. “A PGR sempre soube que o ex-presidente não foi aos acampamentos, não teve contato com nenhum dos manifestantes e, portanto, não orientou ou manteve com eles qualquer interlocução.”
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Braga Netto aponta coação e mentira de Mauro Cid em delação
A defesa de Walter Braga Netto, candidato a vice de Bolsonaro, classificou como “aberração jurídica” a colaboração premiada de Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, base da acusação. Os advogados disseram que as declarações dele foram fruto de “coação” por parte da Polícia Federal, que teria o forçado a confirmar as hipóteses acusatórias com ameaças que envolviam sua família e perda de benefícios.
A defesa aponta que “versões foram modificadas” e “narrativas acusatórias foram encaixadas” para incriminar o general, inclusive sobre um suposto plano de atentado contra Moraes, o qual Cid alegou só ter tomado conhecimento pela imprensa.
Os advogados disseram que uma reunião ocorrida na casa de Braga Netto com militares que teriam planejado o atentado foi uma “simples visita de cortesia”. A defesa também argumentou que não há provas de que Braga Netto tenha entregado dinheiro para Mauro Cid repassar aos executores do plano, sustentando que a lei proíbe a condenação de alguém apenas com base nas declarações de um delator.
“Não há, para além da palavra de um delator reconhecidamente mentiroso, qualquer elemento de prova que demonstre que o Gen. Braga Netto tenha tomado ciência, elaborado ou financiado qualquer operação clandestina com intuito golpista”, diz a defesa.
Augusto Heleno diz que não se afastou de Bolsonaro no fim do mandato
Em sua defesa, Augusto Heleno buscou explicar declarações numa reunião de julho de 2022 com Bolsonaro para discutir a eleição. As expressões “dar soco na mesa” e “virar a mesa”, segundo seus advogados, foram ditas em um contexto de “discussão política”, no “calor do momento”, e não indicam a intenção de um golpe. Heleno reconheceu que “se excedeu nas palavras”.
“Não afirmou, em nenhum momento, que deveria dar golpe de estado ou algo similar. Sua fala foi em sentido figurado e mal interpretada. Em discussões políticas, muitas vezes os ânimos acabam exaltados e palavras são ditas no calor do momento, mas em nenhum momento foi empreendido algo no sentido de alguma ação não republicana”, disseram os advogados.
A defesa ainda alegou que, na segunda metade do mandato de Bolsonaro, período em que se concentram os fatos da denúncia, Heleno teria se afastado do coração do governo após o ingresso do Centrão, perdendo espaço no dia a dia de Bolsonaro.
“Nenhuma das testemunhas chegou a pontuar que o réu informou que participou de alguma reunião na qual foi abordado o tema de Estado de Exceção”, escreveram os advogados. “Sua vida inteira, pessoal e profissional, foi pautada pelo estrito cumprimento do dever e absoluto respeito ao ordenamento jurídico, à democracia e às instituições republicanas”, afirmaram ainda nas alegações.
Anderson Torres diz que minuta encontrada em sua casa estava no Google
Anderson Torres alegou, em sua defesa, que o documento apreendido em sua casa em 12 de janeiro de 2023 – a minuta de um decreto para realizar novas eleições – estava disponível na internet desde dezembro e podia ser encontrada no Google. Os advogados dizem que o papel foi deixado lá por “mero esquecimento material”.
“Mesmo diante da apreensão de documento de conteúdo aberrante em sua residência, não se pode concluir pela ciência ou adesão do réu, mas sim por uma rotina de acúmulo documental própria do exercício de uma função pública de alta complexidade, sem controle prévio absoluto sobre a origem ou o conteúdo de todos os papéis que lhe eram entregues”, diz a defesa.
Os advogados também negam que ele tenha sido omisso no 8 de janeiro de 2023. Provam que suas férias estavam marcadas desde julho de 2022 e que, no dia 6, se reuniu com a equipe de Segurança Pública do Distrito Federal e aprovou um plano que previa o impedimento de manifestantes na Esplanada dos Ministérios.
A defesa argumenta que, mesmo ausente, Anderson Torres manteve comunicação constante com seu substituto, inclusive com a mensagem “não deixe chegar no Supremo”.
“A bem da verdade, cuida-se de um paradoxo insofismável. Afinal, não faria sentido que Anderson Torres, por omissão dolosa, tenha incentivado a abolição violenta do Estado Democrático de Direito ou mesmo a propagação de um golpe de estado, mas, a contrario sensu, tenha buscado preservar a integridade do STF”, diz a defesa.
Alexandre Ramagem aponta erro da PGR na denúncia
A defesa de Alexandre Ramagem apontou que a PGR errou na denúncia ao afirmar que ele operava o sistema FirstMile, que localizava celulares, ainda em 2019, época em que ainda não comandava a Abin. Segundo os advogados, o órgão usou dados de entrada de Ramagem no prédio da agência, dizendo que eram de entrada no sistema.
Também rebate a acusação de que ele teria influenciado Bolsonaro na descredibilização das urnas eletrônicas. A defesa diz que documentos encontrados pela PF em seu celular com críticas ao sistema era uma “mera reiteração” e “compilado” de manifestações públicas anteriores do ex-presidente, que já vinha criticando o sistema eleitoral e defendendo o voto impresso desde 2015. Não havia “nada de novo, nenhum acréscimo de argumento ou ineditismo nos fundamentos”.
Paulo Sérgio Nogueira disse que tentou convencer Bolsonaro a não tomar medida de exceção
A defesa final de Paulo Sérgio Nogueira afirmou que ele atuou para demover Bolsonaro da ideia de adotar qualquer medida de exceção. Segundo seus advogados, ele temia que grupos radicais levassem o ex-presidente a assinar uma “doideira”.
Por isso, ele também teria sido alvo de “ataques virtuais”, de militantes que o chamavam de “melancia”, “frouxo” e traidor.
Lembra ainda que ele, como ministro da Defesa, propôs a Bolsonaro um discurso de pacificação que reconhecia o resultado das eleições e conclamava a desmobilização das manifestações, que, no entanto, não foi adotado pelo então presidente.
“Não cabe a ilação trazida pelo Ministério Público de que o General Paulo Sérgio apregoava uma ‘guerra política’. Aliás, ele jamais empregou essa expressão”, dizem os advogados.
Fonte: Gazeta