A inclusão do ministro Alexandre de Moraes na Lei Magnitsky Global, oficializada nesta quarta-feira (30) pelo Tesouro dos Estados Unidos, proíbe qualquer cidadão, empresa ou organização com negócios no território americano de fornecer serviços a ele.
Com isso, é provável que o ministro fique impossibilitado de usar cartões de crédito (como Visa, MasterCard e American Express) e pode encontrar mais dificuldade para fazer transações no sistema bancário, uma vez que vários bancos brasileiros operam nos EUA, como o Banco do Brasil, Bradesco, Itaú, Santander, BTG e Safra.
Outra consequência possível é maior dificuldade para voar em companhias aéreas brasileiras que pousam nos EUA – caso da Latam, Gol, Azul, além da maioria das empresas internacionais que também levam passageiros do Brasil para lá.
VEJA TAMBÉM:
-
Quais nomes ainda podem ser enquadrados pelos EUA na Lei Magnitsky
O ministro também pode ter contas bloqueadas em serviços digitais de empresas americanas – por exemplo, de gigantes digitais como Uber, Amazon, Microsoft, Apple, Starlink, Google e Meta –, o que o impede de usar produtos online dessas marcas.
As chamadas big techs são frequentemente atacadas por Moraes, em decisões ou declarações, acusadas por ele de não impedirem a disseminação de conteúdos tachados por ele de “antidemocráticos” – em geral, críticas, mentiras e ofensas dirigidas contra ele mesmo e outros ministros do Supremo Tribunal Federal (STF).
Desde 2019, o ministro emite ordens para que elas bloqueiem perfis ou suspendam contas de pessoas investigadas por ele por essas manifestações. A inclusão de Moraes na Lei Magnitsky Global levou em conta decisões desse tipo que afetaram cidadãos americanos, residentes estrangeiros nos EUA e empresas americanas.
No anúncio, o Tesouro americano informou que Moraes passou a integrar o rol de sancionados pela Ordem Executiva 13818, assinada pelo presidente dos Estados Unidos Donald Trump em 2017, durante seu primeiro mandato. Essa norma pune estrangeiros que cometem “graves violações de direitos humanos em todo o mundo”.
O primeiro tipo de sanção é o bloqueio de “todos os bens e interesses em bens da pessoa”. Significa que Moraes não pode mais ter contas bancárias, propriedades ou investimentos nos EUA. Se o ministro tiver algum ativo lá, estará automaticamente congelado: ele não poderá movimentar, vender ou acessar esses bens.
O segundo tipo de sanção proíbe “a realização de qualquer contribuição ou fornecimento de fundos, bens ou serviços por, para ou em benefício de qualquer pessoa cuja propriedade e interesses na propriedade estejam bloqueados”.
Significa que nenhum cidadão, empresa ou organização nos EUA pode fazer transferências de dinheiro, fornecer bens (como veículos ou equipamentos) ou prestar qualquer serviço a Moraes. É aqui que o ministro pode sofrer transtornos mais práticos, com restrição no uso de serviços.
A exceção a essa proibição é para advogados ou consultores da área de compliance que possam responder dúvidas do próprio ministro sobre as transações que ele pode ou não realizar nos EUA. Esses profissionais, de qualquer modo, não podem “aprovar, financiar, facilitar ou garantir qualquer transação” em favor de Moraes, isto é, servirem de ponte para que ele realize tais operações.
A empresa que violar uma proibição fica, ela mesma, sujeita a sanções americanas. Tentativas de burlar essas restrições são expressamente proibidas pela lei.
“Qualquer transação que evite ou tenha o propósito de evitar, causar violação ou tentar violar qualquer uma das proibições estabelecidas nesta ordem é proibida”, diz a Ordem Executiva 13818. “Qualquer conspiração formada para violar qualquer uma das proibições estabelecidas nesta ordem é proibida”, diz outro trecho.
O site do Tesouro americano adverte, na seção de perguntas e respostas, que “violações dos programas de sanções administrados pelo OFAC [sigla do Escritório de Controle de Ativos Estrangeiros] podem resultar em penalidades civis e, em alguns casos, criminais. As penalidades por violações podem ser substanciais”.
Na ordem executiva de 2017, na qual Moraes foi inserido, Trump autoriza o Secretário do Tesouro (cargo ocupado hoje pelo investidor Scott Bessent) e o Secretário de Estado (atualmente o senador Marco Rubio, responsável pelas relações exteriores) “a tomar as medidas necessárias, incluindo a adoção de normas e regulamentos, e a empregar todos os poderes” para executar as sanções aos alvos da Lei Magnitsky Global.
“Todas as agências tomarão todas as medidas apropriadas dentro de sua autoridade para implementar esta ordem”, diz ainda a Ordem Executiva 13818.
Por fim, Moraes também está proibido entrar nos EUA, seja para férias, consultas médicas ou reuniões de negócios. Essa sanção já havia sido aplicada, neste mês, pelo Secretário de Estado, Marco Rubio, e inclui também familiares do ministro, que terão seus vistos suspensos por tempo indeterminado.
Sanção desgasta imagem do Brasil
Para a advogada brasileira Ana Barbara Schaffert, que reside e atua nos EUA na área de imigração, a sanção a Moraes tem um significado que ultrapassa os transtornos pessoais para o ministro.
“Essa medida retrata o Brasil como uma democracia fragilizada, com um Judiciário autoritário, minando a confiança internacional nas instituições brasileiras e gerando impactos políticos e econômicos”, diz Schaffert.
Ela cita relatório recente da Henley & Partners, uma consultoria especializada em cidadania, que diz que 1.200 milionários devem deixar o Brasil em 2025, resultando numa perda de US$ 8,4 bilhões, cerca de R$ 46 bilhões para a economia brasileira.
“A percepção de insegurança jurídica e econômica no Brasil é agravada pela sanção da maior economia do mundo, reforçando a desconfiança global”, diz a advogada.
No comunicado sobre Moraes, o governo americano afirma que “o objetivo final das sanções não é punir, mas sim promover uma mudança positiva de comportamento”.
A Lei Magnitsky diz que o presidente americano pode encerrar as sanções se a pessoa for “processada adequadamente” pelas condutas que motivaram a medida, ou se “demonstrar de forma confiável uma mudança significativa de comportamento, pagar uma indenização apropriada pela atividade para a qual as sanções foram impostas e se comprometer de forma confiável a não se envolver em nenhuma atividade descrita”.
Ana Barbara Schaffert considera possível que as sanções se estendam a outros ministros do STF caso o tribunal não redirecione as medidas de Moraes. “Espero que sim, mas, mais do que esperar uma autorreflexão do STF sobre suas ações, contamos com o Congresso para exercer os ‘checks and balances’ e conter ações arbitrárias que contrariem os interesses do Brasil e dos brasileiros”, diz a advogada.
Órgão das sanções pode abrir exceções
O órgão responsável por administrar as sanções financeiras da Lei Magnitsky Global chama-se OFAC, sigla de “Office of Foreign Assets Control” (Escritório de Controle de Ativos Estrangeiros”, vinculado ao Departamento do Tesouro dos EUA.
Cabe a ele monitorar “indivíduos e entidades envolvidos em atividades prejudiciais, como terroristas, traficantes internacionais de drogas, proliferadores de armas de destruição em massa e outros agentes malignos, em resposta a ameaças à segurança nacional, à política externa ou à economia dos Estados Unidos”.
O site do Tesouro americano esclarece que o OFAC pode abrir exceções às sanções, por meio de licenças, em geral voltadas para transações relacionadas a atividades humanitárias ou negócios oficiais do governo dos EUA – o que não se enquadra no caso de Moraes. Essas licenças são publicadas no referido site e envolvem, em geral, empresas que prestam serviços de interesse para os americanos.
Sanção a Moraes aponta “campanha opressiva de censura”
No anúncio da inclusão de Moraes nas sanções da Lei Magnitsky Global, o secretário do Tesouro dos EUA, Scott Bessent, afirmou que “Moraes é responsável por uma campanha opressiva de censura, detenções arbitrárias que violam os direitos humanos e processos politizados — inclusive contra o ex-presidente Jair Bolsonaro”.
A punição ao ministro, acrescentou, “deixa claro que o Tesouro continuará a responsabilizar aqueles que ameaçam os interesses dos EUA e as liberdades de nossos cidadãos.”
O comunicado informa que o ministro “tornou-se uma das figuras mais poderosas do Brasil, exercendo imensa autoridade por meio de sua supervisão de amplas investigações do STF”. “Moraes investigou, processou e reprimiu aqueles que se envolveram em discursos protegidos pela Constituição dos EUA, submetendo repetidamente as vítimas a longas prisões preventivas sem apresentar acusações.”
“Por meio de suas ações como ministro do STF, Moraes minou os direitos de brasileiros e americanos à liberdade de expressão. Em um caso notável, Moraes deteve arbitrariamente um jornalista por mais de um ano em retaliação por exercer liberdade de expressão”, diz ainda o comunicado.
Em seguida, o Tesouro afirma que o ministro “tem como alvo políticos da oposição, incluindo o ex-presidente Jair Bolsonaro; jornalistas; jornais; plataformas de mídia social dos EUA; e outras empresas americanas e internacionais”, listando depois uma série de atos, como prisões preventivas, bloqueio de perfis em redes sociais, congelamento de contas bancárias e bens, além da suspensão de passaportes.
“Moraes está sendo sancionado de acordo com a EO 13818 por ser uma pessoa estrangeira responsável ou cúmplice, ou que tenha se envolvido direta ou indiretamente em graves abusos de direitos humanos”, diz o comunicado.
Fonte: Gazeta