Há exatos quatro meses, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes rejeitou um pedido para investigar o deputado licenciado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) por sua atuação nos Estados Unidos. O parlamentar era alvo de duas notícias-crime do PT que o acusavam de obstrução de investigação de organização criminosa, coação no curso do processo e atentado à soberania.
Na ocasião, o procurador-geral da República, Paulo Gonet, defendeu o arquivamento dos pedidos e disse que as sanções impostas ao Brasil eram “matérias estranhas à competência do Poder Judiciário e reservadas ao governo brasileiro e ao campo diplomático”.
“As apontadas relações mantidas entre o parlamentar requerido e autoridades estrangeiras são insuficientes para configurar a prática das condutas penais previstas nos arts. 2º, §1º, da Lei n. 12.850/2013 (obstrução de investigação de organização criminosa), 344 do CP (coação no curso do processo) e 359-I do CP (atentado à soberania), uma vez que se inserem no âmbito do exercício da atividade parlamentar e estão desacompanhadas de ações concretas que possam indicar a intenção delituosa do noticiado”, diz um trecho da manifestação do PGR.
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“Conclusão similar deve ser feita em relação às noticiadas sanções impostas ao Brasil, matérias estranhas à competência do Poder Judiciário e reservadas ao governo brasileiro e ao campo diplomático”, acrescentou Gonet.
Ao negar os pedidos, Moraes acompanhou o parecer de Gonet, contudo, deixou uma brecha na decisão na hipótese do surgimento de novas provas contra Eduardo. “Assim, tendo o Ministério Público requerido o arquivamento no prazo legal, não cabe ação penal privada subsidiária, ou a título originário (CPP, art. 29; CF, art. 5º, LIX), sendo essa manifestação irretratável, salvo no surgimento de novas provas”, escreveu.
Na manhã desta sexta-feira (18), o ministro determinou uma série de medidas cautelares contra Bolsonaro por suposto risco de fuga e obstrução de investigação em curso no STF. Ele atendeu a um pedido da Polícia Federal, reforçado pela manifestação da Procuradoria-Geral da República (PGR).
No novo parecer, Gonet mudou de entendimento e afirmou que Eduardo tem atuado, “desde o início do ano”, para convencer o governo Trump a impor sanções contra autoridades brasileiras. Para o PGR, a articulação do deputado se intensificou à medida que a ação penal por suposta tentativa de golpe contra Bolsonaro avança no STF.
“Desde o início do ano, o Deputado Federal Eduardo Bolsonaro vem, reiterada e publicamente, afirmando que está se dedicando a conseguir do governo dos Estados Unidos a imposição de sanções contra integrantes do Supremo Tribunal Federal, da Procuradoria-Geral da República e da Polícia Federal, pelo que considera ser uma perseguição política a si mesmo e a seu pai, apontado em denúncia em curso no Supremo Tribunal Federal como líder de organização criminosa empenhada em romper com a ordem institucional democrática para se estender à frente da Presidência da República, não obstante os resultados das eleições de 2022″, disse o procurador-geral.
Moraes concordou com o PGR e apontou que Bolsonaro e seu filho Eduardo atuaram para “atentar contra a soberania nacional”, buscando “interferir em processos judiciais, desestabilizar a economia brasileira e pressionar o Supremo Tribunal Federal” por meio da imposição de sanções contra autoridades públicas. O ex-presidente foi obrigado a usar uma tornozeleira eletrônica e está proibido de conversar com o próprio filho, entre outras restrições.
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Posição de Moraes e Gonet mudou com ameaça de sanção dos EUA
Em 18 de março, mesmo dia da decisão de Moraes sobre as ações do PT, Eduardo anunciou sua licença do mandato para permanecer nos EUA. Desde então, ele articulou com autoridades americanas a possível aplicação da Lei Magnitsky (Global Magnitsky Act) contra o ministro. Essa legislação permite aos EUA impor sanções contra estrangeiros envolvidos em violações de direitos humanos.
Os deputados republicanos Rich McCormick (da Geórgia) e Maria Elvira Salazar (da Flórida) também defenderam a medida, apontando que Moraes se enquadra na lei por “sua censura a opositores políticos, supressão da liberdade de expressão e uso do Judiciário para interferir no processo eleitoral”.
Em 21 de maio, o secretário de Estado americano, Marco Rubio, afirmou que havia “grande possibilidade” de impor sanções a Moraes. Cerca de uma semana após a declaração de Rubio, o ministro abriu um inquérito – a pedido da PGR – para investigar Eduardo pelos supostos crimes de coação no curso do processo, obstrução de investigação de infração penal que envolva organização criminosa e abolição violenta do Estado Democrático de Direito.
No entanto, a maior reação veio no último dia 9, quando o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, anunciou a taxação de 50% sobre os produtos brasileiros. Além de apontar razões comerciais, o mandatário também criticou o julgamento do STF contra Bolsonaro por suposta tentativa de golpe de Estado e as decisões de Moraes contra plataformas digitais.
Eduardo defendeu a determinação como uma forma de combater os “abusos” de Moraes, apontando que Trump deu “todos os avisos” ao Brasil, mas “entendeu” que para punir o ministro era preciso atingir o “establishment político, empresarial e institucional que compactua com sua escalada autoritária”. Além disso, afirmou que a resolução do tarifaço estava condicionada à aprovação de uma anistia “ampla, geral e irrestrita” dos envolvidos nos atos de 8 de janeiro, que beneficiaria seu pai.
Diante do impasse comercial, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) acusou o governo dos Estados Unidos de “chantagem” e tentativa de interferência no Judiciário brasileiro em pronunciamento em rede nacional nesta quinta-feira (17). O discurso do petista havia sido gravado no dia anterior.
Ainda na quinta, Trump divulgou uma carta endereçada a Bolsonaro na qual reitera as críticas ao Supremo. “Tenho visto o terrível tratamento que o senhor está recebendo nas mãos de um sistema injusto voltado contra o senhor. Este julgamento deve terminar imediatamente! Não me surpreende vê-lo liderando nas pesquisas; o senhor foi um líder altamente respeitado e forte que serviu bem ao seu país”, escreveu.
Em meio à escalada da tensão, Moraes autorizou a operação contra Bolsonaro. Eduardo disse que o ministro “age como um gângster político de toga”. Em resposta, na noite desta sexta (18), Rubio anunciou a revogação dos vistos do ministro, seus aliados no Supremo e familiares, que ficam assim impedidos de entrar nos Estados Unidos. Não está claro a quais outros ministros da Corte serão atingidos pela sanção.
Fonte: Gazeta