Pesquisas divulgadas nesta semana mostraram uma leve reação na popularidade do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) após a taxação dos Estados Unidos aos produtos brasileiros e a aprovação de uma parte da sociedade à aproximação do Brasil ao bloco diplomático dos Brics. Neste cenário, integrantes do Palácio do Planalto devem intensificar as campanhas contra os norte-americanos e manter os acenos do petista aos países do Brics. Mas isso não vai garantir novas altas de popularidade, segundo analistas ouvidos pela reportagem.
Além disso, as sondagens indicaram que parte do eleitorado responsabiliza a atuação de Lula nos Brics (Brasil, Rússia, China, Índia, África do Sul, Egito Etiópia, Indonésia, Irã, Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos) pelas tarifas impostas por Donald Trump.
Para tentar manter o cenário de melhora na popularidade, uma das estratégias do PT é atrelar ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) a responsabilidade pela taxação anunciada por Trump contra o Brasil. Uma campanha de defesa da soberania feita pelo partido nas redes sociais por meio de inteligência artificial mostra o cachorro caramelo como um patrimônio nacional enquanto ilustra a família Bolsonaro como vira-lata.
Nesta quarta-feira (16), um levantamento da Quaest mostrou que a desaprovação do petista caiu quatro pontos percentuais, indo de 57% para 53%, enquanto a aprovação cresceu três, indo de 40% para 43%, em comparação com a pesquisa de maio. A Quaest entrevistou 2.004 pessoas de forma presencial entre os dias 10 e 14 de julho. A margem de erro é de dois pontos porcentuais e o índice de confiança é de 95%.
Antes disso, na terça-feira (15), o levantamento da Atlas/Intel já havia apontado essa tendência de melhora na popularidade do petista ao registrar que 49,7% dos entrevistados aprovam o governo, ante 47,3% da pesquisa anterior, divulgada em junho. A pesquisa entrevistou 2.841 brasileiros, entre os dias 11 e 13 de julho, com margem de erro de dois pontos percentuais para mais ou para menos.
A reação nos levantamentos foi comemorada pelos petistas, que admitem que a crise com Trump ajudou Lula a encontrar “uma narrativa para a defesa das suas ideias”. “Essa posição política tem mobilizado a nossa militância, que tem conquistado muitas pessoas que estavam com a postura crítica em relação ao governo”, indicou o senador Humberto Costa (PT-PE).
Analistas ouvidos pela reportagem, no entanto, avaliam com cautela esse cenário de recuperação do governo após o tarifaço. “Essa alta [de popularidade] tem que ser vista com muita cautela. Apesar desse crescimento numérico, não houve aquilo que a gente tem chamado informalmente de “efeito Canadá”, fazendo referência ao que aconteceu no caso do país da América do Norte, onde o governo de esquerda foi praticamente ressuscitado pela postura hostil de Trump”, explica o cientista político Elton Gomes, professor da Universidade Federal do Piauí (UFPI).
No Canadá, o ex-primeiro-ministro Justin Trudeau enfrentava uma avaliação negativa, com poucas chances de fazer seu sucessor. Após as tarifas americanas, o partido liberal ganhou força e Trudeau conseguiu fazer seu sucessor, o atual primeiro-ministro Mark Carney.
“Isso não aconteceu aqui. Ou seja, não houve uma virada significativa na aprovação do presidente Lula. Essa melhora pontual na avaliação da política externa do governo coincide com uma alta na exposição do tema. Uma mudança substancial é comum e a literatura acadêmica mostra que picos de atenção geram pequenas oscilações favoráveis”, completou Gomes.
Ainda de acordo com o cientista político, essa percepção positiva tende a ser dissipada quando os efeitos econômicos reais, como no caso de as tarifas começarem a ser realmente implementadas e gerarem, por exemplo, um efeito inflacionário.
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Eleitorado responsabiliza atuação de Lula com Brics por tarifas impostas por Trump
Apesar da oscilação positiva em relação à aprovação do governo, as pesquisas da Quaest e Atlas apontam que o eleitorado acredita que o tarifaço de Trump contra o Brasil tem mais relação relação com o Brics do que com eventuais açõs do ex-presidente Jair Bolsonaro.
Na cúpula do evento, realizada no Rio de Janeiro no começo de julho, Lula aproveitou para mandar recados ao presidente dos EUA. Antes do evento, o norte-americano já havia sinalizado que poderia impor tarifas a “qualquer país que se aliar às políticas antiamericanas do Brics”.
“Eu não acho uma coisa muito responsável e séria um presidente da República de um país do tamanho dos EUA ficar ameaçando o mundo através da internet. Não é correto. Ele precisa saber que o mundo mudou. Não queremos imperador”, disse Lula durante a cúpula do Brics.
Essa não foi a primeira vez que Trump ameaçou impor sanções a países do Brics. Em novembro de 2024, ele prometeu impor tarifas a produtos de países do bloco que aderissem a mecanismos para diminuir o uso do dólar americano em suas transações comerciais. Uma moeda alternativa à norte-americana nas transações do bloco é uma demanda, principalmente, da Rússia e que vem sendo endossada pelo Brasil.
“Somos países soberanos. Se ele achar que ele pode taxar, os países têm o direito de taxar também. Existe a lei da reciprocidade […] As pessoas precisam aprender que respeito é muito bom”, completou Lula sobre as ameaças de Trump.
De acordo com a pesquisa Quaest, 26% dos entrevistados apontam que Trump quis retaliar as falas de Lula contra o americano durante a cúpula do Brics. Para 22%, a ação no Supremo Tribunal Federal (STF) contra Bolsonaro é, de fato, a principal razão por trás do tarifaço. Outros 17% dizem que o deputado federal licenciado Eduardo Bolsonaro influenciou o presidente norte-americano a tomar a medida, enquanto 10% julgam que Trump buscou retaliar as ações da Suprema Corte brasileira contra big techs dos EUA.
Além disso, 55% dos entrevistados consideram que houve provocação por parte de Lula contra os EUA. Na mesma linha, a pesquisa Atlas/Intel apontou que 40,9% das pessoas acreditam que a motivação de Trump para aplicar a tarifa foi a atuação do petista na cúpula do Brics. Outros 36,9% veem como principal motivação a atuação da família Bolsonaro junto ao norte-americano. Para 16,8%, foram as decisões do STF sobre as redes sociais dos Estados Unidos.
Segundo o cientista político Elton Gomes, esses dados mostram que o eleitorado percebeu que a posição de Lula contra o Ocidente pode gerar consequências danosas para o Brasil. “Essa percepção reflete a leitura de que o governo Lula tem feito uma política externa marcada por claro antagonismo aos Estados Unidos e ao bloco das potências liberais das democracias do Ocidente, especialmente aqueles que fazem parte da organização do tratado do Atlântico Norte, a Otan. Além do Ocidente, as democracias aliadas dos Estados Unidos e da Europa na Ásia, como a Coreia do Sul, Japão ou na Oceania, Austrália”, explica.
“É claro que há um maior alinhamento com países que são autocracias beligerantes, como China e Rússia por parte de Lula. Mesmo que ideologicamente coerente para a base do governo, isso acaba gerando consequências comerciais diplomáticas muito sérias e gravosas”, completa Gomes.
Já para Arcênio Rodrigues, advogado tributarista com atuação em direito econômico e análise política, esse posicionamento do governo Lula coloca o Brasil em uma situação delicada com o Ocidente. “Embora seja inegável a importância de ampliar relações comerciais com China, Índia e demais países emergentes, o alinhamento irrestrito ao Brics pode colocar o Brasil em uma posição delicada perante os mercados tradicionais — especialmente Estados Unidos e União Europeia, que ainda concentram parte significativa dos investimentos diretos, acesso tecnológico e espaço geopolítico relevante para o país”, afirma.
O especialista ainda reforça a importância da política externa pragmática – o que era uma das marcas do Itamaraty no passado. “O conceito de multipolaridade é atraente do ponto de vista retórico, mas exige cautela diplomática. O Brasil deve priorizar sua autonomia estratégica, adotando uma política externa pragmática, e não ideologicamente alinhada a blocos específicos”, defende Rodrigues.
Pesquisa mostra divisão entre alinhamento do Brasil com o Brics e os EUA
Outro ponto revelado pela pesquisa Atlas/Intel é que 38,1% dos entrevistados acreditam que o Brasil deveria ser aproximar ainda mais do Brics. O número, no entanto, representa uma queda em relação ao número registrado em maio, quando essa aproximação era defendida por 44,2%.
Para o cientista político Elton Gomes, esse apoio ao Brics vem de uma parcela do eleitorado historicamente mais ligada ao presidente Lula, como nos estados do Nordeste e do Norte. Nessas regiões, essa defesa foi feita por 44,8% e 60,1% dos entrevistados, respectivamente.
“Essa crença é fortemente marcada por uma divisão ideológica e regional. A preferência pelos Brics, segundo aponta a pesquisa, é maior entre os eleitores do presidente Lula nas regiões Norte e Nordeste, que tendem a serem mais favoráveis ao petista. Já no Sul, que é a região com maior IDH [Índice de Desenvolvimento Humano] do país, no Sudeste, que é a região com o maior desenvolvimento econômico do país, e o Centro-Oeste, que é muito ligado à economia do agronegócio, diretamente afetada por essas tarifas, a maioria dos cidadãos entrevistados ainda prefere o alinhamento com os Estados Unidos”, explica o professor.
Ainda de acordo com a pesquisa Atlas/Intel, 31,1% dos entrevistados defendem um alinhamento com os EUA, 12,9% com a China, e 8,3% com a União Europeia. Além disso, 1% apontou a Rússia e outros 8,6% defendem que o Brasil deveria evitar ter alinhamentos automáticos.
“A resposta de Trump, ainda que desprovida de base técnica consistente, deve ser lida mais como sinalização política do que como ação econômica racional. Assim, a percepção de que as tarifas têm motivação geopolítica não é apenas intuitiva, mas amparada por elementos factuais. O eleitorado brasileiro – particularmente o mais atento – identifica nesse embate uma disputa maior pela reconfiguração da ordem global, na qual o Brasil está tentando se reposicionar com protagonismo”, explica o analista Arcênio Rodrigues.
PT vai usar tarifaço de Trump para polarizar contra Bolsonaro aqui no Brasil
Além da política externa, o PT viu no tarifaço de Trump uma janela de oportunidade para polarizar com Jair Bolsonaro. O movimento tem como estratégia o embate direto contra o candidato que for lançado pelo ex-presidente na disputa presidencial de 2026.
A ideia da comunicação do Palácio do Planalto é juntar o discurso da justiça tributária e associar a taxação de Donald Trump com Bolsonaro. Nas redes sociais, o ministro da Secretaria de Comunicação (Secom), Sidônio Palmeira, lançou uma campanha afirmando que, enquanto “Lula quer taxar os super ricos”, o ex-presidente e Trump “querem taxar o Brasil”.
Já o perfil oficial do PT publicou na rede social X um post comparando a família Bolsonaro com vira-lata sem “identidade, nem coragem”. Na publicação, a sigla afirma que “vira-lata mesmo é quem vive abaixando a cabeça pros gringos” e que Bolsonaro “taxou o Brasil”.
Na imagem produzida por inteligência artificial, o ex-presidente aparece ao lado dos filhos, os vereadores Jair Renan (PL-SC) e Carlos Bolsonaro (PL-RJ), o deputado federal licenciado Eduardo (PL-SP) e o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ). “É hora de os brasileiros, independente dos partidos políticos, se unirem para defenderem o povo brasileiro, os empregos. Esta turma bolsonarista está desmoralizada. Agiram contra o povo brasileiro”, disparou o líder do PT na Câmara, Lindbergh Farias (PT-RJ).
Segundo Arcênio Rodrigues, essa estratégia do governo petista pode ter apenas efeitos momentâneos, já que os problemas internos do país tendem a ter mais peso na decisão do eleitorado.
“Essa estratégia narrativa serve a dois propósitos: deslegitimar o adversário político e, simultaneamente, reforçar a imagem de Lula como defensor da produção nacional, da soberania econômica e dos empregos brasileiros. Em termos de opinião pública, a construção dessa narrativa pode gerar um incremento pontual de aprovação, sobretudo junto a eleitores moderados ou desinformados sobre os reais determinantes da política comercial norte-americana”, explica Rodrigues.
“É importante ressaltar que a eficácia dessa estratégia tem limites estruturais. A popularidade presidencial continua fortemente condicionada por fatores internos, como a deterioração das contas públicas, a elevada carga tributária, o baixo crescimento econômico e a fragilidade da base parlamentar no Congresso Nacional. Sem avanços concretos na agenda interna, qualquer ganho obtido no plano simbólico tende a ser efêmero”, completa.
Fonte: Gazeta